Publicado 17/06/2021 06:02 | Atualizado 17/06/2021 11:19
Rio --"Acabou o esculacho, é só uma questão de tempo para nós dominar o estado.(...) Fortaleza, Ceará. Essa é a Tropa do Lampião"(sic). O funk aparece em um vídeo, que foi gravado no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. Nas imagens, um traficante exibe as iniciais do Comando Vermelho, no chão, feitas com granadas. Ao lado delas estão pelo menos dez pistolas e cinco fuzis.
Os criminosos, de acordo com investigações, integram células da facção oriundas de outros estados que passaram a migrar para o Rio de Janeiro e se escondem, principalmente, em favelas cariocas. A tropa do Lampião é uma unidade do Comando Vermelho oriunda do Ceará e faz referência ao cangaceiro Virgulino da Silva (1898-1938), líder banditista, que também era visto como herói popular.
"Percebemos o seguinte: quando o criminoso passa a ser muito visado em algum estado, ele vem passar uma temporada aqui no Rio de Janeiro", disse Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, ao DIA. Ele estima que cerca de 100 criminosos de outros estados estejam escondidos, atualmente, no Rio.
A polícia já identificou lideranças da Bahia, Amazonas, Pará, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Ceará e Rio Grande do Norte escondidas nos Complexos da Penha, Alemão, Maré, Manguinhos, Salgueiro, além da Rocinha. Todas as polícias desses estados estão em contato com a Secretaria de Polícia Civil do Rio; há intercâmbio de informações para prender esses traficantes.
Há a suspeita, por exemplo, de que os ataques em sete cidades do Amazonas, ocorridos por três dias seguidos, no início do mês, tenham participação de criminosos que estejam escondidos no Rio. "Eles continuam com o poder de influência, gerenciando o crime do estado de origem. A gente tem algumas informações, que estão sendo apuradas, que vieram da Polícia Civil do Amazonas, que dão conta da possibilidade de algumas dessas pessoas (que deram ordens para os ataques) estarem no Rio de Janeiro. Alguns levantamentos estão sendo feitos, e é aquela velha máxima: inteligência, investigação e ação. E vamos operar onde quer que seja", disse Oliveira.
O secretário de Polícia Civil, Allan Tunowski, definiu a migração como 'turismo' do crime. "O que nos preocupa é que o Rio de Janeiro sempre foi um lugar temido, com histórico de grandes prisões. Todos os líderes de facções são presos. Agora, com a dificuldade de operação, seja pelas restrições (do STF), ou do pós-operação (críticas), os criminosos estão se sentindo seguros para virem ao Rio de Janeiro para fazer uma espécie de turismo. Isso não será tolerado", disse.
Migração: início com presídios federais
Para o subsecretário, a migração desses criminosos teve início com a federalização do sistema prisional. "Quando há a criação dos presídios federais, você começa a transferir presos do Rio para Manaus; Manaus para o Rio Grande do Sul; Santa Catarina para o Sergipe, e assim por diante. Em termos práticos, o que ocorreu: presos de diferentes estados da federação passaram a ter contato. E isso, de alguma forma, gerou uma articulação das facções criminosas", analisou.
Além disso, Oliveira diz que no Rio há uma corrida armamentista. "No Rio, uma característica específica é a cultura de enfrentamento ao estado. É notório, em qualquer operação que é feita, a quantidade de armas empregadas pelo tráfico de drogas. (...) Isso se deve primeiro por força da topografia. Segundo, por ter várias facções, tráfico e milícia. Essa guerra entre as quadrilhas gera uma corrida armamentista por parte do crime e a polícia tem que se adaptar a isso: a opção pelo fuzil não é da polícia, é do criminoso. Se você me perguntar se eu acho razoável um patrulhamento com fuzil no centro da cidade, eu acho um absurdo, do ponto de vista técnico. Mas isso é resultado da corrida armamentista", disse.
Assim, segundo Oliveira, parte dos criminosos de outros estados passou a entender que seria seguro se esconder no Rio, pelo poder poder bélico das quadrilhas. E, a situação teria se intensificado com a divulgação equivocada de que as operações no Rio estariam proibidas na pandemia.
"Quando vem a decisão do STF, há a divulgação, de forma equivocada, que as operações estão proibidas no Rio. No imaginário da coletividade do crime isso se traduz em uma zona de conforto: 'eu posso ir pra lá porque, além de ser uma área que existe uma resistência muito grande armada, há decisões da suprema corte de que não podem ser feitas operações. Isso não é verdadeiro. O que existe são determinadas regras que devem ser cumpridas. E a gente cumpre, tanto que continuamos operando", declarou.
Operações: casos de excepcionalidade
Desde o dia 5 de junho do ano passado, uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, limitou as operações em comunidades do Rio, durante a pandemia, a casos excepcionais. Além disso, as ações devem ser justificadas e comunicadas ao Ministério Público do Rio. A liminar de Fachin ficou conhecida como ADPF 635 ou ADPF das Favelas.
Turnowski analisa que realizar operações policiais para prender traficantes que estão escondidos nas favelas cariocas se encaixa no critério de excepcionalidade. "A gente não tem o direito de recusar o pedido de ajuda de um estado, que diz: 'olha, meu estado está pegando fogo. Ele (criminoso) está no Rio de Janeiro e preciso que ele seja preso para as ordens cessarem. Isso não é excepcional? O que seria excepcional? Se Manaus está pegando fogo, eu não posso ir prender esse criminoso em uma favela do Rio? (...) Essa migração de bandidos tem que ser estancada. Se eu não posso agir para defender a sociedade do Rio, isso seria uma total inversão da ordem”, disse à reportagem.
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