Durval e Hiago foram mortos a tiros por militaresReprodução
Publicado 24/02/2022 15:50
Rio - O deputado Carlos Minc (PSB) anunciou, em audiência pública nesta quinta-feira (24) para discutir as mortes de Durval Teófilo e de Hiago Macedo de Oliveira Bastos, que serão apresentados três projetos de Lei relacionados às mortes provocadas por agentes de segurança fora de serviço. O repositor de supermercado e o vendedor de balas foram assassinados a tiros, respectivamente, por um sargento da Marinha e por um policial militar.
As propostas são para a criação de um protocolo de comportamento desses agentes; inclusão das mortes ocasionadas em conflito envolvendo agentes de segurança fora de serviço nas estatísticas oficiais; e o pronto atendimento de assistência social às famílias vítimas desse tipo de violência.
Durval foi assassinado a tiros pelo vizinho, o militar Aurélio Alves Bezerra, quando chegava no condomínio onde ambos moravam, no Colubandê, em São Gonçalo, na noite do último dia 2. O atirador alegou ter confundido a vítima com um assaltante e disparou contra ele. Já Hiago vendia balas em frente à estação Arariboia das barcas, em Niterói, no dia 14 de fevereiro, quando o PM Carlos Arnaud Baldez Silva Júnior se incomodou, dando início a uma discussão, e disparou contra o jovem.
Os dois autores dos crimes estão presos. A viúva do repositor de supermercado, Luziane Teófilo, e a irmã de Hiago, Andreza Bernardes, participaram do encontro e, ainda muito abaladas com as mortes, pediram justiça e para que as autoridades adotem medidas para evitar que mortes como as deles voltem a acontecer.
"Não está sendo nada fácil, porque ainda não consegui viver o meu luto. Mas, eu busco força todos os dias, porque eu tenho uma criança de 6 anos em casa, que está começando a entender o que está acontecendo e está pedindo justiça, também. (...) Ontem, o meu advogado passou para mim o laudo da perícia, eu fui tentar ler e não consegui, porque me deu um mal-estar muito grande com a forma que ele foi brutalmente assassinado. Ainda não consigo digerir porque ele fez isso", lamentou Luziane.
"Eu estou muito triste com o que aconteceu. É uma situação muito triste. Eu gostaria que os governantes pudessem fazer mais por nós que precisamos. Meu irmão já vem desde os sete anos passando por várias situações de rua, várias humilhações, agressão. Cada dia a gente vê um caso novo, o que os órgãos competentes puderem fazer para que isso diminua e pare, é o que mais tenho vontade", desabafou Andreza, que disse ainda temer que seu irmão tenha sido vítima de vingança.
"Eu tenho até um receio, porque quando meu irmão foi morar em Niterói, ele conversava comigo diversas vezes que ele passava por vários problemas, sendo impedido de vender os doces dele, e eu tenho receio disso já ter sido alguma vingança ou alguma coisa parecida, porque meu irmão me relatava várias vezes que ele estava trabalhando e era impedido, os guardas mandavam ele sair, ele se alterava, aumentava a voz, apanhava, ia para a delegacia. Meu maior medo é isso."
Durante a reunião, os participantes debateram o enfrentamento do racismo estrutural e nas instituições de segurança. Para a deputada Renata Souza (PSOL), casos como os de Durval e Hiago não são pontuais e são motivados por racismo. "Ter essa audiência pública protagonizada por essa comissão, demonstra a necessidade da gente superar o racismo estrutural, estruturante e institucional que mata preto e pobre todos os dias. (...) Esses casos não são pontuais, esses casos de assassinatos de pretos é sim reflexo de um racismo que está colocado nas instituições militares", afirmou a parlamentar.
Para a promotora de Justiça Eliane Lima Pereira da Coordenadoria de Direitos Humanos e Minorias do Ministério Público do Rio (MPRJ), casos como esses precisam ser enfrentados por uma perspectiva antirracista. Segundo ela, também é necessário que as instituições sejam penalizadas pelos crimes cometidos por seus integrantes.
"A responsabilidade penal é pessoal, mas elas (instituições) têm uma responsabilidade, inclusive na formação dos seus quadros. Então nós, Estado brasileiro, que conviveu, apoiou, criou riquezas às custas de 350 anos de escravidão e passou pelo menos um século negando que isso existia, todo esse nosso histórico, nos traz uma responsabilidade. Então, do ponto de vista das forças policiais, das forças armadas, é muito importante que se reconheça quais são as bases da nossa sociedade e ter claro para que sociedade a gente precisa trabalhar para que ela seja mais justa, uma democracia mais sólida e racialmente mais equânime", declarou a promotora.
"A gente precisa responsabilizar a instituição, porque não é correto e não é útil, quando a autoridade chama isso de caso pontual, isso significa que a instituição está tentando varrer isso para debaixo do tapete, a tragédia que ela mesma está produzindo. É preciso fazer uso das leis, dos regulamentos, dos protocolos, e apontá-los na direção dos comandos", completou a diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck.
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