Publicado 05/04/2022 19:07 | Atualizado 06/04/2022 06:46
Rio - Um pai de santo e seus filhos de santo denunciam um caso de intolerância religiosa sofrido durante um sepultamento no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte do Rio, nesta segunda-feira (4). Segundo relato do babalorixá Pedro Chagas, funcionários da empresa RioPax, que administra o local, o impediram de praticar abate de animal previsto na ritualística e só autorizaram a prática com a presença de agentes da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). O caso deve ser registrado pelo líder religioso, nesta terça-feira (5), na especializada.
"O ritual foi comprometido para o resto da vida. Eu não consegui fazer da maneira que ele deveria ser feito. Eu tive que parar para discutir. Desestabiliza o chefe religioso num momento de tamanha dor. Eu cheguei lá muito cedo justamente para que o ritual não fosse visto por ninguém, mas nos impediram fazer. Eu cheguei lá às 9h, mas só consegui a autorização por volta das 13h para fazer o ritual (...). É um absurdo o que a Riopax está fazendo com o povo de santo", contou o babalorixá.
Segundo o babalorixá, o ato de intolerância se deu logo na chegada dele e de seus filhos de santo ao local onde o corpo seria velado. "Por volta das 9h eu cheguei lá para fazer o ritual, eu e mais quatro filhas de santo. Como estávamos todos de branco, pelo menos eu entendi dessa forma, imediatamente veio logo um senhor atrás da gente perguntando se estava tudo bem, disse que a gente poderia ficar à vontade, no entanto, avisou que não poderia haver matança de animais", contou.
Nesse momento, ele tentou conversar com o funcionário afim de explicar que levava uma galinha da angola para o ritual e disse que o ato era legal e previsto pela Justiça. O homem que seria trabalhador do cemitério seguiu desautorizando a prática e o babalorixá acabou por pedir que ele se retirasse da capela.
Pedro lembra que desistiu de fazer o ritual ao perceber que havia uma câmera no interior do local. A decisão foi tomada por medo de que o funcionário pudesse chegar no local e interromper o ato. "Fiz todo ritual até o momento do corte do bicho, pausei naquele momento, liguei para polícia, não consegui falar e depois procurei uma colega advogada para ver se conseguiríamos fazer uma liminar", revelou.
Ainda segundo o líder religioso, ao chegar na direção do cemitério para entender o motivo do impedimento, um homem que teria se identificado como responsável pelo local citou a lei de maus-tratos aos animais como justificativa para o impedimento do ritual no local administrado pela Riopax.
"Não tem nada a ver. Nós falamos para ele, inclusive, que o Supremo Tribunal Federal já pacificou que o abate de animal na ritualística do Candomblé é permitido. Mesmo assim ele disse que não e que o jurídico dele falou isso", contou Pedro.
O pai de santo disse que havia mais de um funcionário do cemitério os rodeavam a fim de impedir o ritual. "Eu expliquei para ele que aquele era um animal criado para o consumo. Uma galinha da angola que seria abatida em todo caso, mas ainda assim eles diziam a todo momento que não faríamos. Só na presença dos policiais que eles nos autorizaram fazer", contou.
"Eles só me deixaram fazer porque tenho conhecimento da área jurídica. Não fosse isso, não conseguiríamos fazer o ritual. Quantos mais Pedros tem seu direito negado com essa justificativa", alertou o líder religioso.
Pedro participou de um encontro com membros da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/RJ, nesta terça-feira para relatar o ocorrido
Interlocutor da CCIR, professor e doutor Babalawo Ivanir dos Santos, falou sobre o caso. "É inadmissível que o direito religioso seja violado. Por isso, estarei junto, sempre, na luta em prol das liberdades religiosas. O direito religioso e o direito de culto são constitucionalmente garantidos a todos. Mas, infelizmente, aí da é recorrente as violações dos direitos religiosos dos adeptos as religiões de matrizes africanas. É dever do Estado garantir a equidade religiosa e promover a tolerância", declarou o membro do comitê.
Procurada pelo DIA, a Rio Pax disse que é contrária a qualquer tipo de ato de intolerância religiosa contra toda e qualquer religião, e reconhece a legitimidade de todas elas.
"Esclarecemos ainda que não houve qualquer ato de intolerância praticado pelos colaboradores da Concessionária Rio Pax mas tão somente um comunicado aos participantes sobre os impedimentos dispostos na legislação Federal, Estadual e Municipal sobre o tratamento dispensado aos animais. Por fim, a Concessionária Rio Pax S/A informa que seus colaboradores cumprem o disposto na legislação vigente".
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