Publicado 07/04/2022 18:26
Rio - O Cine Odeon, inaugurado em 1926, preserva a arquitetura clássica e a história de muitos cinéfilos na Praça Floriano, na Cinelândia, Centro do Rio. Ele é o remanescente dos antigos cinemas de rua da região e o mais antigo da cidade. No entanto, as sessões diárias de filmes não fazem mais parte da programação do estabelecimento desde outubro de 2020. Isso porque o local, administrado pela rede Kinoplex, do Grupo Severiano Ribeiro, está funcionando apenas para grandes eventos e também não há previsão para os próximos espetáculos.
Há dez anos, o professor e crítico de cinema, Marcelo Müler, 39 anos, morava no Rio Grande do Sul e sonhava em assistir uma Première do Festival do Rio no Cine Odeon. Quando se mudou para a cidade carioca, conseguiu realizar o sonho e contemplou diversas sessões nas belas telas do local. Para ele, a falta do dia a dia naquele espaço simboliza um duro golpe cultural na população do Rio.
"A gente está perdendo lugares que permitem ao carioca se apropriar culturalmente da cidade. O Cine Odeon é um espaço essencial para a cultura do Rio. Antes mesmo de me mudar, sempre quis ver uma Première do Festival do Rio no Cine Odeon. Nos últimos anos, não tivemos essa oportunidade. Isso já é um golpe muito pesado. Agora, saber que ele não está aberto para sessões diárias é um golpe ainda mais duro. Isso significa um prejuízo incomensurável para a cidade do Rio", lamentou.
Marcelo também recordou perdas importantes para a cultura da cidade. "O carioca vem sofrendo uma série de perdas e fraturas na sua relação com a cultura e com os espaços culturais. A gente teve, recentemente, o fechamento do Roxy, em Copacabana. Temos, atualmente, o Estação NET Rio, em Botafogo, sob a ameaça de fechamento. Isso tudo é muito triste, do ponto de vista prático, porque nós estamos perdendo alternativas, perdendo quantidade de tela e telas que podem apresentar cinemas alternativos àqueles que hegemonicamente são apresentados em cinemas de shopping, por exemplo", completou.
Para quem também desfrutou do Cine Odeon desde pequena, as sessões diárias estão fazendo falta. A assistente administrativo, Lívia Lima, 37 anos, é carioca e cinéfila assumida. Ela guarda várias histórias e sentimentos vividos dentro do 'Maracanã do cinema brasileiro'.
"Vê-lo não voltado à atividade principal dele, me deixa muito triste. Tenho muitas boas lembranças ali, de muitos festivais do Rio que eu participei, muitos filmes que eu amo muito. 'Bacurau', 'Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto'... Vários filmes de festival, abertura de festivais... Acho muito triste que ele não tenha mais uma programação normal. Tinha a 'Maratona Odeon' que era uma vez por mês, a partir de meia-noite. Era filme a noite toda. De todos, era o que mais se dedicava ao cinema nacional. Ele é muito importante, talvez o mais importante em atividade aqui no Rio. Especialmente cinema de rua, que quase não vemos mais. Espero que essa decisão seja revertida."
Além das memórias, Lívia lembrou que o espaço oferecia preços mais acessíveis em dias de maior movimentação. "O Odeon é um cinema que eu frequentei muito e durante muitos anos. Inclusive, antes da pandemia, era o que eu mais frequentava. Eu não sei de outros, mas, que eu me recorde, ele era o único cinema do Rio que ficava mais barato nos finais de semana. Ele também tinha convênios com algumas empresas e universidades, então, além da meia, a gente tinha direito ao ingresso duplo. Isso facilitava o acesso das pessoas. Além disso, eu gostava muito da sala, naquele formato antigo", comentou.
Na cafeteria Starbucks, anexada ao estabelecimento, a engenheira civil Tatiana Albuquerque, 38 anos, tomava um café e se deparava com a beleza do Cine Odeon. Dentro daquele lugar, ele viveu experiências que ficaram marcadas na sua memória. Hoje, sente falta de frequentar o local.
"Foi uma nostalgia, porque, além do prédio ser lindo e histórico, eu já fui em muitas sessões ali durante o fim de tarde. Na época que eu trabalhava e estagiava no Centro, sempre tentava pegar uma sessão. A arquitetura dentro dele é ótima, sempre tinha ingresso disponível e os filmes, geralmente, eram divididos entre os clássicos, 'cults' e os 'blockbusters' mais atuais. Infelizmente, hoje, não tem mais. Eu já fui em eventos de lançamento de filme e festas particulares. Agora, não tem. E, se tem, não fico sabendo. O público não fica sabendo. É uma pena", contou Tatiana.
A gerente de Marketing do Kinoplex, Patricia Cotta, contou que a decisão teve a influência do esvaziamento do Centro do Rio. "O cinema já não apresentava um resultado positivo, mostrando-se um espaço exclusivamente para eventos, quesito no qual ele funciona muito bem." Ela também explicou que não considera a mudança como uma perda cultural. "O cinema não foi fechado para o público. Muito pelo contrário. Mantivemos a operação para preservar a cultura e apenas adaptamos o formato com eventos que, em sua maioria, são abertos a todo o público."
"Ai, nem me lembro / Há tanto, tanto / Todo o encanto / De um passado / Que era lindo / Era triste, era bom / Igualzinho a um chorinho / Chamado Odeon". A letra, escrita por Vinícius de Moraes na década de 60, parece atual. Na verdade, a beleza do Cine Odeon não ficou no passado e é esbanjada até hoje na Cinelândia. Entretanto, a admiração, perceptível no dia a dia de tantos amantes do cinema de rua, não é mais vista diariamente no local.
Cine Odeon
O Cine Odeon - Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro foi inaugurado, em 1926, na Praça Floriano, Cinelândia, no Centro do Rio. Ele é único remanescente na região, que possuía diversos estabelecimentos desse tipo no Século XX. Inclusive, nos anos 60, havia cerca de 200 cinemas de rua na cidade do Rio. Hoje, menos de 20 ainda estão em atividade.
O local passou por uma reforma em 2015, mas o projeto arquitetônico original foi mantido, preservando também, a capacidade de 550 lugares. A sua comunicação visual foi inspirada na 'Belle Époque' dos cinemas da Cinelândia e uma cafeteria 'Starbucks' foi anexada ao espaço. O Cine Odeon foi eleito, em 2016, um dos 10 melhores cinemas do Rio de Janeiro.
* Estagiário sob a supervisão de Thiago Antunes
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