Publicado 11/04/2022 00:00 | Atualizado 11/04/2022 07:50
Rio - Já era noite do dia 30 de setembro do ano passado, quando policiais federais, baseados em informações de inteligência, observavam a movimentação num galpão em Itaguaí, na Baixada Fluminense. Os dados que possuíam apontavam que eram traficantes internacionais de drogas. Ao perceberem que viaturas da Polícia Civil se aproximavam, resolveram agir em conjunto. Os agentes descobriram quase uma tonelada de cocaína escondida dentro de mangas, que tiveram seus caroços removidos. A ação foi considerada histórica. Mas, no último dia 30 de março, a Justiça tachou a operação de ilegal, anulou as provas e soltou os presos. O motivo: os agentes não possuíam um mandado para entrar no local.
A decisão foi da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) que, por maioria, concedeu Habeas Corpus para anular a apreensão, com base no entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) de que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori". A relatora do caso, desembargadora Simone Schreiber, afirmou que o ingresso dos policiais no galpão foi ilegal, pois eles não teriam justificado com provas concretas saber que um crime estava em andamento, antes do ingresso no galpão. E, por essa razão, a apreensão da cocaína foi anulada, pois os agentes teriam apreendido a droga de forma ilícita. A decisão causou revolta no meio policial e dividiu especialistas.
Para o advogado criminalista e professor universitário Gustavo Proença o entendimento da Justiça foi correto. "O mandado é indispensável. Os policiais não justificaram a fundada suspeita de que ocorria um crime no local. O Artigo 150 da lei diz que 'compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade' é considerado casa, ou seja, tem o mesmo entendimento de domicílio. Não se pode invadir sem mandado ou sem a certeza de que ali ocorre um crime. No caso, ocorria, mas os agentes não provaram que já sabiam disso", afirmou.
A desembargadora citou na decisão, ainda, que um engenheiro provou que o cadeado do galpão fora arrombado. Em nota, a Polícia Civil informou que "os criminosos, ao perceberem a proximidade das equipes, abandonaram o local e os cerca de 700kg de cocaína que foram devidamente apreendidos".
'Decisão contrária ao interesse da sociedade', diz Rogério Greco
Para o secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco, a decisão judicial prejudica o trabalho da polícia. “Avalio essa decisão da pior forma, é um absurdo. A droga seria enviada para fora do Brasil, onde o lucro seria milionário para os traficantes. Isso já configura crime permanente”, afirmou.
Greco foi procurador de Justiça de Minas Gerais e é pós-doutor pela Universidade de Messina, na Itália; doutor pela Universidade de Burgos, na Espanha; mestre em Ciências Penais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e formado pela National Defense University em combate ao crime organizado transnacional e redes ilícitas nas Américas.
“Entendo que a polícia comprovou que havia uma situação em flagrante. Decisões assim só desmotivam o trabalho policial”, ponderou. Greco também criticou a decisão do STF que suspende as operações policiais durante a pandemia, no Rio. “Há essa decisão do STF que já limita a ação policial a situações excepcionais. Mas a situação do Rio já é por si só excepcional, a ponto de estimular criminosos de outros estados a migrarem em busca de refúgio. E a Justiça, em vez de dar uma resposta aos criminosos, dá uma decisão contrária ao interesse da sociedade”, analisou.
DRFC investigou suspeitos por 11 meses
O advogado Antônio Pedro Melchior, que fez a sustentação oral em uma das ações do caso, disse que a Justiça acatou o pedido da defesa com base na lei. “A Polícia Civil deu causa à anulação da apreensão. O TRF2 apenas aplicou o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça a respeito da proteção constitucional do domicílio”, disse. Agentes da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) investigaram a quadrilha por 11 meses e foram os primeiros a entrar no galpão.
Procurado, o MPF não informou se pretende recorrer da decisão. A Polícia Federal não se manifestou. No dia da operação, os agentes federais prenderam, em flagrante, os empresários Adriano dos Santos e Vanderson Pérez José; além do funcionário Matheus Henrique dos Santos. Todos tiveram suas prisões preventivas consideradas ilegais e estão em liberdade.
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