Publicado 18/05/2022 15:15
Rio - Após dois anos de pandemia, quadrilhas populares do Rio de Janeiro vão voltar a se apresentar durante o período junino. A temporada, que se inicia em junho e perdura até meados de agosto, conta com inúmeras apresentações em diversas festas e competições em todo o Estado do Rio. Apesar das grandes dificuldades enfrentadas anualmente pelas quadrilhas, especialmente neste ano, conseguir fazer acontecer as festividades se tornou ainda mais complicado com a falta de renda subsidiada. O reflexo disso é que cerca de 50% dos grupos ainda não devem voltar realizar apresentações em 2022.
Carlos Antônio Costa, mais conhecido como Kalunga, de 51 anos, é Presidente do Centro Cultural dos Quadrilheiros Juninos do Rio de Janeiro e diretor da Federação Independente Grupos Dança Quadrilhas Arraiais (Figdquerj) e da Liga Independente das Quadrilhas Juninas de Nova Iguaçu (Liquajuni). Além disso, ele também preside a Junina Moçada Que Agita, fundada em 13 de Março de 1987, no município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Para ele, uma das maiores dificuldades enfrentadas neste ano é a falta de recursos financeiros.
"A maior dificuldade foi justamente na questão dos nossos brincantes, não só eles, mas todos aqueles que prestam serviço diretamente. Não tinha renda, as pessoas tiveram que se reinventar. A Federação ficou parada, a economia parou, então, para gente foi muito difícil. E também tivemos muitas perdas dentro da nossa entidade", desabafou.
Ricardo de Lizio Ribeiro, de 60 anos, é presidente da Quadrilha Junina Geração Realce, fundada em 1986 e tombada como patrimônio Imaterial Cultural da Rio, e fundador e gestor administrativo do Centro Cultural Rio Coletivo Junino. Ele ainda se apresenta, ano após ano, ao lado do grupo e assume que está bastante motivado com a volta, mas lamenta a falta de incentivo à cultura.
"Depois de dois anos sem quadrilhas juninas devido à pandemia da covid, os grupos, apesar de algumas dificuldades, estão bastante motivados. Perdemos alguns integrantes, mas o principal motivo está sendo o desemprego e a falta de incentivo a nossa cultura. Estamos, em média, com 16 pares".
Ele ainda relembrou a visibilidade que o movimento leva para tantos trabalhadores que se empenham na preparação e realização das festividades. "Apesar de ser o segundo maior movimento cultural do Rio de janeiro, não temos reconhecimento. As quadrilhas juninas criam oportunidades de inserir na sociedade indivíduos que não tem oportunidade de mostrar seus talentos como coreógrafos, aderecistas, dançarinos, além de gerar emprego como sapateiro, costureira".
Danielle de Castro, de 40 anos, é uma antiga integrante da Quadrilha do Sampaio, fundada em 24 de junho de 1956, sendo a mais antiga do Rio de Janeiro. Se apresentando no conjunto desde 2014, ela destaca a importância das festividades para a cultura da cidade do Rio.
"Nós temos os nossos signos culturais que devem ser passados a cada geração. E um desses signos é a quadrilha. O primeiro local que nós temos de fato a quadrilha, não como nós temos hoje, mas como dança de salão da alta sociedade, de fato acontece no Rio de Janeiro com a chegada da família real. E a quadrilha começou a ter as características da nossa cultura como a gente encontra hoje. A importância disso é a gente relembrar e contar essa história e dizer que aqui nós somos a base da quadrilha. Se hoje nós temos as quadrilhas juninas, isso se deve a cidade do Rio. Então é fundamental que a gente continue perpetuando esses eventos, que a gente continue contando essa história".
No mundo das quadrilhas, é comum que não tenham data e local certo para as apresentações antecipadamente, visto que o movimento é composto por um circuito de festas, normalmente aos finais de semana, organizadas pelas federações. Os grupos estreiam e passam a mostrar suas danças em diversos dias e locais, desde festas particulares até competições.
Gracy Andrade, de 30 anos, se apresenta desde 2004, mas chegou somente em 2019 na quadrilha Moçada que Agita. Acostumada há anos com a tensão dos últimos preparativos, a mulher contou que, nesta reta final, participa de ensaios semanalmente para o início da temporada.
"Agora que está chegando a hora os ensaios estão mais intensos. A maioria das quadrilhas fazem ensaios aos domingos à tarde, e tiram um dia do mês para fazer um 'intensivão' que dura o dia todo. Aqui, desde o mês passado todos os ensaios são intensivos, de 10h as 19h aos domingos. Também gravamos vídeos das coreografias pro pessoal assistir e treinar em casa. Fora a correria para preparar as roupas e figurinos. Coração tá acelerado com tanta coisa pra finalizar", contou.
Ela ainda completa, expondo que a experiência de passar dois anos sem as festividades foi um "choque de realidade", visto que já estava habituada a participar de quadrilhas todos os anos há, pelo menos, 17 anos. "Danço há anos, nunca imaginei nossa vida sem esses eventos como Carnaval, Festa Junina. Quando a pandemia chegou, eu não conseguia acreditar que eu vivi pra ver o mês de junho sem quadrilha. Pareceu uma realidade paralela. Voltar agora é um misto de felicidade e também de choque de realidade. De perceber o quanto amamos o que fazemos e do quanto nossas paixões podem ser tiradas de nós de forma tão abrupta".
A paixão pela quadrilha é algo também compartilhado por Danielle, que vê essa volta como um renascimento para todos os amantes da cultura brasileira e folclórica. "O significado da volta foi, mais ou menos, o mesmo significado, para mim particularmente, que teve também a volta do Carnaval. Eu tive covid logo no início e foi algo muito forte, então, individualmente, é o renascimento de nós como pessoas e coletivamente, é o renascimento de nós como sociedade, é o nosso ressurgimento. A gente ter a possibilidade de estar novamente com as pessoas que a gente ama, fazendo as coisas que a gente gosta", expôs.
Kalunga, presidente de uma das federações, ainda destacou a realização das festividades juninas em todo o estado, fortalecendo a importância do segundo maior movimento cultural realizado no Rio de Janeiro. Segundo ele, diferente do Carnaval, as festas juninas são realizadas em todo o país e o Rio, como local de nascimento das quadrilhas, não poderia ficar de fora.
"O Rio de Janeiro tem crescido muito nesse segmento cultural, principalmente com as quadrilhas. Com a pandemia, cresceu muito o conhecimento das quadrilhas do Rio, que não tinha essa interação com o nordeste. O São João eu posso afirmar que é a maior cultura no Brasil, porque é praticado em vários estados. Então é muito importante essa representação aqui no Rio de Janeiro porque nós estamos valorizando essa cultura".
Festividades na Feira de São Cristóvão
Na Feira de São Cristóvão, principal reduto da cultura nordestina no Rio, as festividades de São João serão iniciados no dia 3 de junho, com um show da cantora Joelma, e se estenderá até o mês de agosto, com a apresentação de diversas quadrilhas, grupos de música e cantores para celebrar a época.
Chamado de São João da Feira, a temporada de eventos é considerada uma das maiores festas juninas do Estado do Rio. O festival de quadrilhas juninas terá como anfitriã a Quadrilha Gonzagão do Pavilhão, grupo oficial do reduto Nordestino, nos dois meses de festa e vai receber as quadrilhas da capital, Baixada Fluminense, interior do Estado do Rio e de fora do Estado. Moçada que agita, Corações Unidos, Geração de Ouro, Molecada que Agita, Geração Realce, Carcará, Juba do Leão, É o fervo e Dona Junina são algumas das quadrilhas que já confirmaram presença no festival.
A Festa também vai oferecer espaços cenográficos como igreja, portal junino, fogueira cenográfica e barraquinhas. A gastronomia típica da festa, as músicas e ritmos juninos estarão em todos os dois meses de festa. Também se ressaltam as brincadeiras como Pau de sebo, casamento caipira, pescaria e dança com a maçã.
O Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas está localizado no bairro de São Cristóvão, na Zona Norte.
Preparação das vestimentas
Uma curiosidade que pouco se sabe sobre as quadrilhas, é a preparação das roupas, chamadas de indumentárias, que são utilizadas durante o período junino. Os modelos escolhidos para o ano são mantidos em segredo até o dia da estreia, assim como ocorre nos desfiles das escolas de samba.
Com valores bem diversos, o montante total varia dependendo do tipo da quadrilha, que pode ser de salão ou de roça, e se o componente é destaque, tema ou linha. Para todo um grupo, as vestimentas podem chegar a custar R$ 35 mil. Para arrecadar doações, algumas quadrilhas realizam bingos e rifas para a compra de tecidos e acabamentos.
No caso de destaques de quadrilha de roça, cargo ocupado por Gracy na 'Moçada que Agita', a roupa feminina pode custar, em média, R$ 3 mil, já pronta e decorada, enquanto a masculina custa R$ 2 mil, em média. Além disso, ainda é necessário pagar por sapatos, maquiagem e apliques de cabelo, se for necessário. Já Danielle, que integra a 'Quadrilha do Sampaio', é componente de linha, com o que é chamado de par comum e, por conta disso, suas vestes custam em torno de R$400.
As roupas costumam começar a ser produzidas logo após o Carnaval, quando começam também as preparações para as festas juninas. Com isso, o tempo de produção dura cerca de quatro meses.
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