Publicado 22/05/2022 06:00
Uma estreita rua, de asfalto desnivelado, dá acesso a um dos condomínios de oito blocos Minha Casa Minha Vida, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. É lá que mora Michele Santos, 30, atingida há cinco anos por um tiro de fuzil 762 quando chegava em casa. Ela estava grávida de 6 meses e tinha acabado de saber o sexo do bebê: era uma menina e se chamava Manuela Vitória. Na memória, carrega até hoje a sensação de cair no chão e não saber se estava sangrando no ombro ou nas costas. Sua boca ficou seca e a barriga enrijecida, o sangue escorria pela calçada. Ela gritava por socorro, mas nenhum policial a ajudou. Em seu pensamento, só pedia a Deus para não morrer porque tinha que criar duas filhas, a sua mais velha e a bebê. Hoje, paraplégica por causa do disparo, Michele sobrevive com R$ 1.512 e, para ter uma renda extra, ela se descobriu nos trabalhos manuais e enfeites de festas infantis. Sempre com um sorriso no rosto, seu maior sonho é ter uma nova cadeira de rodas motorizada, própria para o seu corpo.
Foi no dia primeiro de junho de 2017, por volta das 18h, que a vida de Michele, na época atendente de um McDonald's de Nova Iguaçu, foi desestabilizada. Nesse dia, ela estava de folga e aproveitou para fazer seu pré-natal em Nilópolis, Baixada Fluminense, e depois parou na casa de uma amiga para conversar antes de voltar para o seu apartamento. "Eu estava na minha rua já, perto do meu prédio. Do nada vi a polícia e um tiroteio. Quando fui perceber, eu estava no chão e já não sentia mais as minhas pernas", contou. "Como eu vestia uma roupa preta e tinha caído em um canto escuro, ficou difícil de me verem. Eu comecei a gritar, levantei a mão, pedia socorro. A polícia não me ajudou, quem veio me dar a mão foi um homem com duas mulheres. Ele me perguntou se eu sabia onde tinha sido atingida e eu pensei que fosse nas costas, mas era no ombro", explicou ela.
Michele foi levada para a UPA e, de lá, foi para o Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, onde ficou internada por 20 dias. Depois, sua mãe lembrou que ela tinha plano de saúde pelo trabalho e levou-a para a Rede Casa, no Centro. Lá, ficou no CTI por 4 meses. "Eu lembro que eles me jogaram no carro e eu pedia água e chorava dizendo que ia morrer. Quando cheguei na UPA, os médicos rasgaram minha roupa e depois disso não lembro mais de nada", declarou.
Enquanto estava entubada, Michele sofreu uma parada cardíaca e os médicos optaram por fazer uma cesária de emergência. Manuela nasceu, ficou viva por três dias e faleceu em um sábado, na Maternidade Mariana Bulhões. Ela contraiu diversas infecções pulmonares e estava prematura. "Essa segunda gravidez era de outro relacionamento, mas eu não tinha contato com o pai dela. A família dele sempre me apoiou, mas não éramos próximos. Quando eu estava no hospital, minha mãe contou que eles foram lá e ficaram muito abalados. Desde então, nunca mais falei com ninguém", declarou Michele. "Eu não conheci a neném. Não vi nada dela, nem rosto, nem corpo, nada", finalizou.
Ao prestar depoimento, ela descobriu que foi atingida por uma bala de fuzil e que a justiça também estava investigando a morte da sua neném. "Ela não morreu no tiroteio, a bala não a atingiu. Ela morreu depois, no hospital", disse Michele, que chegou a abrir um processo contra o estado, mas perdeu a causa em março desse ano. "Fiquei quatro anos lutando e perdi porque eles alegaram que não teve prova para ver da onde saiu o tiro. A bala nunca foi encontrada. Não está no meu corpo e os médicos também afirmaram que não encontraram nada. Acredito que ela pode ter caído quando cheguei na emergência ou posso ter sido atingida por estilhaço também", completou.
Foi no dia primeiro de junho de 2017, por volta das 18h, que a vida de Michele, na época atendente de um McDonald's de Nova Iguaçu, foi desestabilizada. Nesse dia, ela estava de folga e aproveitou para fazer seu pré-natal em Nilópolis, Baixada Fluminense, e depois parou na casa de uma amiga para conversar antes de voltar para o seu apartamento. "Eu estava na minha rua já, perto do meu prédio. Do nada vi a polícia e um tiroteio. Quando fui perceber, eu estava no chão e já não sentia mais as minhas pernas", contou. "Como eu vestia uma roupa preta e tinha caído em um canto escuro, ficou difícil de me verem. Eu comecei a gritar, levantei a mão, pedia socorro. A polícia não me ajudou, quem veio me dar a mão foi um homem com duas mulheres. Ele me perguntou se eu sabia onde tinha sido atingida e eu pensei que fosse nas costas, mas era no ombro", explicou ela.
Michele foi levada para a UPA e, de lá, foi para o Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, onde ficou internada por 20 dias. Depois, sua mãe lembrou que ela tinha plano de saúde pelo trabalho e levou-a para a Rede Casa, no Centro. Lá, ficou no CTI por 4 meses. "Eu lembro que eles me jogaram no carro e eu pedia água e chorava dizendo que ia morrer. Quando cheguei na UPA, os médicos rasgaram minha roupa e depois disso não lembro mais de nada", declarou.
Enquanto estava entubada, Michele sofreu uma parada cardíaca e os médicos optaram por fazer uma cesária de emergência. Manuela nasceu, ficou viva por três dias e faleceu em um sábado, na Maternidade Mariana Bulhões. Ela contraiu diversas infecções pulmonares e estava prematura. "Essa segunda gravidez era de outro relacionamento, mas eu não tinha contato com o pai dela. A família dele sempre me apoiou, mas não éramos próximos. Quando eu estava no hospital, minha mãe contou que eles foram lá e ficaram muito abalados. Desde então, nunca mais falei com ninguém", declarou Michele. "Eu não conheci a neném. Não vi nada dela, nem rosto, nem corpo, nada", finalizou.
Ao prestar depoimento, ela descobriu que foi atingida por uma bala de fuzil e que a justiça também estava investigando a morte da sua neném. "Ela não morreu no tiroteio, a bala não a atingiu. Ela morreu depois, no hospital", disse Michele, que chegou a abrir um processo contra o estado, mas perdeu a causa em março desse ano. "Fiquei quatro anos lutando e perdi porque eles alegaram que não teve prova para ver da onde saiu o tiro. A bala nunca foi encontrada. Não está no meu corpo e os médicos também afirmaram que não encontraram nada. Acredito que ela pode ter caído quando cheguei na emergência ou posso ter sido atingida por estilhaço também", completou.
A vida depois do tiro
Ao acordar no hospital, Michele levou um susto depois de ter ficado entubada por muito tempo: a enfermeira perguntou se ela queria tomar banho, pois não conseguiria sozinha pela falta de movimento nas pernas. "Eu não sei porque fiquei paraplégica. Os médicos falam que a bala atingiu meu tórax. Eu tive que usar vários drenos por causa das complicações, peguei tuberculose, água na pleura e fraturei quatro costelas", informou.
Quando chegou em casa, a maior dificuldade veio a tona: sua filha Mirela Sales, que na época tinha 3 anos, não a reconheceu. "Quando eu entrei em casa, na cama de hospital porque na época eu ainda não sentava, ela não queria falar comigo. Jogava as coisas em mim, brigava comigo. Foi muito difícil, eu gritava de desespero, chorava, eu queria morrer", completou. No início do processo de recuperação, Michele teve que morar com os pais, que eram camelôs. "Eles vendiam de tudo: lanterna, guarda chuva, essas coisas. Tiveram que largar as coisas para cuidar de mim e, depois de um tempo, minha mãe começou a jogar isso na minha cara. Eu pensei que não fosse aguentar", disse. Seu ex-marido e pai da sua filha Mirela não pagava pensão na época, então, seu único sustento e da família era o seu salário mínimo que recebia do Mcdonald's.
Em média, Michele gasta R$ 350 por mês só de remédio. Ela toma oito por dia, incluindo antidepressivo. Além disso, tem que usar fraldas todos os dias e, por ter engordado, sua cadeira, que conseguiu através de uma vaquinha no Facebook em 2019, não a cabe mais. "Eu contei minha história e teve muito alcance. Agradeço a todos que me ajudaram. Depois de uma entrevista que eu dei para televisão recebi uma cama hospitalar e outros cuidados. Sou muito agradecida por tudo", disse.
Com a deficiência, vieram também as feridas nas pernas, chamadas de úlcera. Por ficar muito tempo parada, sentada ou deitada, abriram crateras com pus nas coxas e nádegas de Michele. "Tive ajuda de técnicas de enfermagem, que iam lá em casa fazer meus curativos e conversavam muito comigo. Algumas eram da igreja, oravam por mim, me ajudavam a não cair em depressão. Eu também fazia terapia, tudo isso pelo plano que eu tenho direito", explicou. "Por causa das minhas feridas, tive que ficar internada várias vezes por meses. Ninguém consegue explicar porque esses buracos não se fecham. Eu já fiz enxerto, tomei antibióticos e nada. Me preocupo muito com a minha filha que fica sozinha com a minha mãe. Ela sente minha falta e eu sinto a dela", finalizou.
Para se livrar da depressão, Michele se descobriu o crochê e os trabalhos manuais. "Os psicólogos que conversaram comigo falaram que eu estava em estado vegetativo. Eu tinha que reagir. Minha vida, durante dois anos, era só hospital. Depois disso, pensei na minha filha e ela é o único motivo que eu tenho para continuar lutando, então comecei a fazer minhas coisas", explicou. "Voltei para a minha casa, a mesma onde tudo aconteceu, em 2019 e as feridas deram uma trégua. Foi piorar agora em março deste ano. Mas, agora estou aqui, faço esses trabalhos para ter uma renda extra. Criei até um Instagram para divulgá-lo", completou ela. Seus trabalhos podem ser encontrados em sua página @mypersonalizandosonhos.
Ela conta que depois que voltou para o seu apartamento, as coisas melhoraram. "Hoje sou eu e minha filha. Faço tudo dentro de casa, saio, compro meus remédios, vou no mercado, pego ônibus", mencionou Michele. "Eu me sinto bem agora, vejo minha filha mais feliz. Ela era muito triste, magra, não comia direito, vivia preocupada comigo. Estávamos sempre dependendo de alguém, na casa da minha família. Eu quero que ela brinque, se divirta. Eu vou ficar bem", finalizou.
Quando chegou em casa, a maior dificuldade veio a tona: sua filha Mirela Sales, que na época tinha 3 anos, não a reconheceu. "Quando eu entrei em casa, na cama de hospital porque na época eu ainda não sentava, ela não queria falar comigo. Jogava as coisas em mim, brigava comigo. Foi muito difícil, eu gritava de desespero, chorava, eu queria morrer", completou. No início do processo de recuperação, Michele teve que morar com os pais, que eram camelôs. "Eles vendiam de tudo: lanterna, guarda chuva, essas coisas. Tiveram que largar as coisas para cuidar de mim e, depois de um tempo, minha mãe começou a jogar isso na minha cara. Eu pensei que não fosse aguentar", disse. Seu ex-marido e pai da sua filha Mirela não pagava pensão na época, então, seu único sustento e da família era o seu salário mínimo que recebia do Mcdonald's.
Em média, Michele gasta R$ 350 por mês só de remédio. Ela toma oito por dia, incluindo antidepressivo. Além disso, tem que usar fraldas todos os dias e, por ter engordado, sua cadeira, que conseguiu através de uma vaquinha no Facebook em 2019, não a cabe mais. "Eu contei minha história e teve muito alcance. Agradeço a todos que me ajudaram. Depois de uma entrevista que eu dei para televisão recebi uma cama hospitalar e outros cuidados. Sou muito agradecida por tudo", disse.
Com a deficiência, vieram também as feridas nas pernas, chamadas de úlcera. Por ficar muito tempo parada, sentada ou deitada, abriram crateras com pus nas coxas e nádegas de Michele. "Tive ajuda de técnicas de enfermagem, que iam lá em casa fazer meus curativos e conversavam muito comigo. Algumas eram da igreja, oravam por mim, me ajudavam a não cair em depressão. Eu também fazia terapia, tudo isso pelo plano que eu tenho direito", explicou. "Por causa das minhas feridas, tive que ficar internada várias vezes por meses. Ninguém consegue explicar porque esses buracos não se fecham. Eu já fiz enxerto, tomei antibióticos e nada. Me preocupo muito com a minha filha que fica sozinha com a minha mãe. Ela sente minha falta e eu sinto a dela", finalizou.
Para se livrar da depressão, Michele se descobriu o crochê e os trabalhos manuais. "Os psicólogos que conversaram comigo falaram que eu estava em estado vegetativo. Eu tinha que reagir. Minha vida, durante dois anos, era só hospital. Depois disso, pensei na minha filha e ela é o único motivo que eu tenho para continuar lutando, então comecei a fazer minhas coisas", explicou. "Voltei para a minha casa, a mesma onde tudo aconteceu, em 2019 e as feridas deram uma trégua. Foi piorar agora em março deste ano. Mas, agora estou aqui, faço esses trabalhos para ter uma renda extra. Criei até um Instagram para divulgá-lo", completou ela. Seus trabalhos podem ser encontrados em sua página @mypersonalizandosonhos.
Ela conta que depois que voltou para o seu apartamento, as coisas melhoraram. "Hoje sou eu e minha filha. Faço tudo dentro de casa, saio, compro meus remédios, vou no mercado, pego ônibus", mencionou Michele. "Eu me sinto bem agora, vejo minha filha mais feliz. Ela era muito triste, magra, não comia direito, vivia preocupada comigo. Estávamos sempre dependendo de alguém, na casa da minha família. Eu quero que ela brinque, se divirta. Eu vou ficar bem", finalizou.
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