Publicado 29/05/2022 09:59
A brinquedoteca vazia, sem crianças, poderia ser o retrato da tristeza em qualquer outro lugar. Mas não ali. As luzes apagadas e os brinquedos sem donos eram sinais de que não havia nenhum paciente mirim a ser tratado na ala pediátrica naquele momento. A cena esteve no meu caminho nos corredores de um hospital na única vez em que precisei me submeter a uma cirurgia. E não saiu mais da minha mente.
A explicação foi dada pelo maqueiro que me conduziu pelos corredores. Aliás, tentei gravar o máximo possível das pessoas que cruzaram o meu caminho naquele dia antes que a anestesia me adormecesse. Já no centro cirúrgico, eu me recordo de ter avistado um balcão onde funcionários chegavam para pedir gazes e outros itens. Em determinado momento, uma profissional de saúde se aproximou, cumprimentou a pessoa atrás do balcão e começou a contar um caso do seu dia a dia: ela havia sido picada por uma abelha numa das mãos enquanto carregava uma garrafa de café quente na outra. Aquele lugar, até então inédito para mim, era a rotina deles.
Logo, o meu olhar se desviou para uma outra mulher, que também estava ali a trabalho: a sua beleza chamava a atenção pelos olhos marcantes, adornados por longos cílios. Quando ela se virou em direção à minha maca, a alegria se revelou naquele ambiente aparentemente frio: "Olá, gata!" Eu sorri, retribuindo o seu carinho.
Quando entrei na sala de cirurgia, a minha médica olhava o celular. Simpática, ela relatou o que via no perfil de uma fotógrafa no Instagram. Elogiava os cliques e, para não me deixar alheia à conversa, me mostrou a tela duas vezes para eu que conferisse as imagens. A anestesista também estava na sala, assim como a moça do olhar marcante. E foi significativo estar cercada por tantas mulheres naquele momento.
Eternizei aquele dia na memória e reavivei as lembranças, pouco a pouco, após sair da anestesia. Aquele momento ficou guardado como a comprovação de que as rédeas da vida não estão nas nossas mãos a todo instante—e suspeito que nunca estejam de fato. E talvez por isso eu tenha prestado atenção nas vidas que cuidavam da minha.
É preciso confiar, por mais que a gente tenha medo — e é muito natural temer. Por outro lado, ver quem ama o que faz é algo apaziguador. Estava evidente no olhar daquela moça e também na fisionomia da minha médica na consulta de revisão, um mês depois. Ela falava da cirurgia de uma maneira apaixonante e seu olhos chegavam a brilhar ao explicar o procedimento bem-sucedido. Ah... Ainda tinha o seu sorriso: era largo, enorme, daqueles que abraçam a gente.
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