Publicado 09/06/2022 17:47
Rio - Grandes medalhões do mundo jurídico à esquerda e à direita se reuniram na manhã desta quinta-feira (9) no Auditório da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, no Centro da capital, para a simulação de um julgamento do caso do vereador de Curitiba Renato Freitas (PT). O parlamentar sofre um processo de cassação na Câmara Municipal da capital do Paraná que pode torná-lo inelegível por dez anos. Renato é julgado por seus colegas por falta de decoro, por conta de um episódio no dia 5 de fevereiro, no qual entrou com manifestantes do movimento negro na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, no Centro Histórico de Curitiba.
O evento, promovido pelo Centro Cultural da Justiça Federal, teve como intenção repercutir o caso de Renato nacionalmente e promover o debate entre espectros opostos do pensamentos político. Na mesma mesa de julgamento estavam, do lado da defesa de Renato, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, crítico ao governo Bolsonaro e à Operação Lava-Jato, e de outro, pela acusação, o deputado federal Hélio Bolsonaro. Na plateia, de um lado estavam integrantes de movimentos sociais, com adereços do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e do movimento negro, e de outro, movimentos conservadores, como da Associação Brasileira de Juristas Conservadores.
O vereador sentou-se no banco dos réus e foi interrogado. Renato contou que protestava na mesma praça pública em que está localizado o templo religioso. Após o fim de uma missa na igreja, um grupo de cerca de 50 pessoas ocuparam o local. Renato ressaltou em sua fala que a igreja foi construída por negros escravizados e que era destinada a fiéis negros. Questionado pela acusação sobre quais palavras proferiu dentro da igreja, Renato disse que declamou versos de uma música de capoeira. O parlamentar participava de um ato com o mote "Vidas Negras Importam", pela memória do congolês Moïse Kabagambe morto espancado em um quiosque na Barra da Tijuca, e de Durval Teófilo, executado por um vizinho militar quando chegava em seu condomínio em São Gonçalo. O irmão de Moïse acompanhou a sessão desta quinta-feira.
O evento foi realizado pelo desembargador da Justiça Federal do Rio William Douglas. Ao fim da simulação de julgamento, William defendeu a absolvição de Renato no caso. O magistrado se classifica como de direita, conservador e católico. Ele se disse pessoalmente ofendido por ter visto uma bandeira do Partido Comunista Brasileiro dentro da Igreja católica e inicialmente, assinou um artigo defendendo a cassação do parlamentar. A opinião foi revista em conversa com a colega desembargadora Simone Schreiber. Em sua fala, William Douglas defendeu valores cristãos como o perdão e afirmou que a pena de 10 anos de inelegibilidade representa uma desproporcionalidade diante do ato pelo qual Renato é julgado.
"Quando eu vi que ele vai pegar 10 anos fora do jogo, aí não. É demais. Vai matar a carreira dele", afirmou o desembargador federal. William Douglas considerou o evento bem-sucedido. "Só tinha medalhões de direita e esquerda. A gente foi capaz de discutir um tema polêmico. Teve uma hora que a temperatura ficou alta. Mas, no final, deu muito certo. Ninguém imaginava que isso poderia acontecer. Esperamos que motive as pessoas a brigar um pouco menos e dialogar mais", declarou o desembargador.
O advogado criminalista Kakay defendeu a nacionalização do caso. Antônio Carlos de Almeida Castro argumentou que Renato é julgado e corre o risco de perder o mandato por ser negro. A defesa defendeu a legitimidade de Renato Freitas ter participado do protesto do qual é acusado por perturbar a cerimônia religiosa.
"Estamos tratando aqui de racismo em um país que infelizmente está sob o jugo de um governo fascista. É inacreditável que tenhamos hoje um vereador eleito pelo povo representando seu pessoal (cassado) por ter entrado em uma igreja. A Igreja Católica deveria agradecer por estar de portas abertas e receber os manifestante. Renato só está sofrendo esse processo de cassação por ser negro. Ele recebeu um email dizendo 'volte para a senzala, nós vamos branquear Curitiba'. Eu entrei nesse caso porque quero levar essa discussão para o Brasil porque é uma discussão sobre o racismo. Se esse rapaz for cassado, será cassada uma parte da cidadania brasileira. É quase pueril imaginar que é crime alguém entrar na casa de Deus com as portas abertas", criticou.
Os ânimos se exaltaram durante a fala do procurador de Justiça Marcelo Rocha Monteiro, que pediu a cassação de Renato. O procurador afirmou que o parlamentar teria discriminado brancos que frequentavam a igreja naquele dia. "Não perturbe o culto religioso. Não tenha a gana de que escolheu a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (que foi construída por negros e) só tinham brancos e que o padre é descendente de alemão. Isso é discriminação racial", afirmou arrancado vaias da plateia. O procurador afirmou que a finalidade de Renato naquela ação era a de perturbar uma missa. Os manifestantes, no entanto, só ingressaram no templo após o fim da cerimônia religiosa.
O julgamento simulado foi presidido pela primeira juíza e desembargadora negra do Estado do Rio, Ivone Caetano. A magistrada, ao fim do processo, não proferiu decisão. Ela afirmou que o julgamento deveria ser feito em reflexão por cada um dos presentes. Ivone precisou chamar a atenção do público em momentos de protestos durante a fala do deputado Hélio Bolsonaro. O material produzido no evento será encaminhado aos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba.
Participaram da mesa pelo lado de defesa os advogados Renato Ferreira, Antônio Carlos Kakay, Saul Tourinho Leal e o desembargador federal William Douglas, além do representante da Educafro Frei David. Pela acusação, sustentaram o advogado Paulo Cremoneze, o procurador Marcelo Rocha Monteiro, a professora de Direito Penal, Ludmila Lins Grilo, e o deputado federal Helio Bolsonaro.
Renato defende nacionalização do caso
Ao fim do julgamento, Renato Freitas elogiou o evento e afirmou que acha positivo nacionalizar a discussão de seu caso. O parlamentar classificou como "positivo" o julgamento por colocar em debate segmentos opostos de pensamento político.
"Uma linha tão fina e as pessoas fazem virar uma muralha da China, nós destruímos e construímos pontes. A gente acredita que um país que supere as questões do racismo vai se beneficiar como um todo. A mesma violência que atinge o jovem negro da periferia, atinge pessoa branca da classe média de outros modos. O evento foi positivo. Fez o que se propôs: estabeleceu debate, aproximou pólos e construiu convergências", avaliou.
O parlamentar disse que os argumentos apresentados na sessão simulada são os mesmos enfrentados vindos dos colegas de Curitiba. "Exatamente igual, de que o Brasil não é um país racista, a retórica da invasão da igreja, não houve invasão, nós entramos, o verbo é esse. Invadir é adentrar sem autorização, romper um obstáculo ou quebrar algo. Nós entramos por uma porta aberta em uma igreja vazia", afirmou.
O vereador Renato Freitas, de 38 anos, responde a um processo ético-disciplinar na Câmara Municipal de Curitiba que está suspenso por uma decisão liminar no Tribunal de Justiça do Paraná desde 19 de maio. Em nota, o padre e o bispo locais afirmaram à Câmara de Vereadores de Curitiba que são contrários à cassação.
Em maio deste ano, o parlamentar do PT recebeu um email com ataques racistas. O computador do parlamentar foi periciado, comprovando o recebimento. No entanto, o homem apontado como autor do texto, o relator do processo de cassação, Sidnei Toaldo, não teve sua máquina periciada. A apuração da Casa concluiu que a mensagem foi disparada por um serviço que esconde a origem do email, que tinha o nome de Sidnei citado no endereço eletrônico. A Justiça do Paraná atendeu a um pedido da defesa de Renato e suspendeu o processo na Câmara até que a perícia sobre o email racista fosse concluída.
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