Publicado 19/06/2022 00:00 | Atualizado 19/06/2022 18:42
É nas ruas esburacadas do Centro do Rio, na porta de prédios empresariais, que Tiago Soares, 38, vive há mais de dois anos. Antes da pandemia, ele morava em Manguinhos, Zona Norte, e fazia bicos como lavador de carros e eletricista. Com a crise, perdeu seus empregos e não conseguiu mais pagar os R$ 350 do seu aluguel, parando nas calçadas. Para comer, cata latinhas. O almoço são os restos da comida de um restaurante, jogado em um saco preto, que ele divide com outros moradores de rua. Aos fins de semana, com a queda no movimento, diz que não sabe se terá comida.
Tiago faz parte das 700 pessoas que perderam suas rendas durante a pandemia, de acordo com levantamento da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro, que contabilizou dois anos da pandemia.
"Às vezes, vou na praia catar umas latinhas para comer alguma coisa. A gente guarda os 10, 15 reais como se fosse ouro porque é nossa alimentação. Sei que não é só de comida que se vive, precisamos de roupa também, mas como? Ficamos meses com a mesma bermuda porque eu prefiro comer do que me vestir. Saco vazio não para em pé", disse. "Hoje, tudo que eu mais quero é voltar a ter uma casa. Queria pelo menos ter o dinheiro do aluguel, pagar nem que seja um mês para sentir a sensação de ter um lugar para viver. A rua não é lugar de ninguém. Essas pessoas que estão aqui não nasceram na rua", completou.
O eletricista explicou que tinha um lava-jato em Manguinhos, mas como era irregular, a prefeitura fechou. "Tudo bem, não estava certo. Mas era uma forma de ganhar dinheiro. O que a gente, que não tem dinheiro, faz em uma situação dessa? Entra para o tráfico e morre? Se humilha pedindo coisas para os outros? Não. Temos que dar nosso jeito", analisou Tiago, que está com os documentos em um processo seletivo de trabalho. "Eu quero me reerguer, me ressocializar na sociedade. Voltar a ter uma vida digna", desabafou.
Para comer, Tiago e seus colegas de calçada vão para a porta de um restaurante às 15h e aguardam um saco preto de lixo cheio de comida que sobrou do expediente. "Não é zoada não, é uma comida que sobra no fim do dia. O rapaz coloca em um saco preto para ninguém ver e a gente divide o que tem ali", explicou. "No mundo normal se mata um leão por dia. Aqui na rua a gente tem que matar três ou quatro. Fim de semana, por exemplo, a gente não sabe o que comer", completou. "Na vida, tem muitas pessoas que têm e muitas que não têm. Eu só queria uma vida mais digna", disse.
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