Publicado 18/06/2022 10:54
Rio - A escritora Nélida Piñon construiu, em seus 85 anos de vida, uma vasta biblioteca com livros de diferentes áreas do conhecimento ao longo dos mais de 60 anos de carreira. A partir desta segunda-feira (20), sua coleção com cerca de 7 mil documentos fica aberta ao público no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. A biblioteca com as obras doadas recebeu o nome da premiada autora hispano-brasileira - Piñon obteve a cidadania espanhola no início deste ano.
"A linha do horizonte que marca o limite do meu olhar me permitiu fundir essas duas terras, Espanha e Brasil, como se fossem de uma única família. Eu sou todas as civilizações que vieram para este acampamento brasileiro", afirma a escritora que ocupa a cadeira 30 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
"Desde menina, eu guardava tudo. Eu fui entendendo que precisava deixar rastros. E eles são fundamentais para a sua existência, sua arte, do coletivo que você é. Isso pautou minha vida, a consciência da responsabilidade das coisas. Não fui levada pela vaidade, mas por um sentimento de brasilidade. Sempre digo um mote: se o Machado de Assis existiu, o Brasil é possível", completou.
Além de objetos de arte selecionados pela autora, a Biblioteca Nélida Piñon conta com obras sobre balé, história da Idade Média, Machado de Assis, literatura clássica, religião, clássicos franceses e ingleses, ópera e biografias, assim como a biblioteca particular herdada da lexicógrafa Elza Tavares.
Outra importante leitura é a coleção Galícia de Piñon, que reúne documentos da cultura e literatura da região espanhola de onde vem a família da escritora. Inclusive, há publicações sobre as localidades de seus ancestrais galegos. “A Galícia é o meu mito. Uma espécie de terra prometida. Ali, na região de Cotobade, vi como é difícil brotar a espiga de milho, exigindo do agricultor o mesmo cuidado que o escritor dá ao seu ofício, quando cunha cada palavra. Como consequência, carrego na alma o estigma da sobrevivência, herdado de gente do mar e da montanha”, resume.
Segundo Antonio Maura, diretor do Instituto Cervantes, o conjunto bibliográfico galego trata-se de uma joia entre o material de Piñon.
"Esta coleção veio a enriquecer o acervo especializado em Língua, Literatura e Cultura Galega, tornando-o o mais completo do Brasil", diz Maura, que destaca a riqueza do arquivo. "Vale ressaltar que a maioria das obras do acervo doado contém dedicatórias de escritores nacionais, como Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Lygia Fagundes Telles, e internacionais (José Saramago, Toni Morrison, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Concha Méndez, Gabriel García Márquez, entre outros), além de comentários e anotações à margem de várias obras pela própria acadêmica. Estes documentos constituem material imprescindível para os pesquisadores que se dedicam às investigações piñoneanas, assim como à literatura hispano-americana do século XX".
Por conta dessas particularidades, um projeto foi desenvolvido para o tratamento documental e catalográfico com o suporte da Rede de Bibliotecas e Centros de Informação em Arte do Estado do Rio de Janeiro (Redarte-RJ), que levará cerca de dois anos para ser implementado. Para isso, foi constituída uma equipe de bibliotecários especialistas no tratamento de acervos pessoais, com o objetivo de disponibilizar esse conjunto documental e informacional no catálogo coletivo da Rede de Bibliotecas do Instituto Cervantes.
O acesso à biblioteca e ao serviço de informação, documentação e referência é livre e gratuito. Para acessar os serviços de empréstimo é necessário ser titular da carteira da biblioteca. O acervo geral de livre acesso está em língua espanhola.
A vida da escritora
Nélida Piñon nasceu no Rio de Janeiro em 1937. Graduada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), sua estreia na literatura foi com o romance “Guia-mapa de Gabriel Arcanjo”, lançado em 1961. Traduzida em mais de 30 idiomas, sua obra contempla gêneros como conto, romance, crônica, memória e ensaio.
Em 1989, Piñon foi eleita para a cadeira número 30 da Academia Brasileira de Letras, posto ocupado anteriormente por Aurélio Buarque de Holanda. Sete anos mais tarde, tornou-se a primeira mulher a presidir a instituição em um século de história.
Além de galardões como o Jabuti e o Casa de las Américas, recebeu o Premio de Literatura Latinoamericana y del Caribe Juan Rulfo, o Prêmio Ibero-Americano de Narrativa Jorge Isaacs, o XVII Prêmio Internacional Menéndez Pelayo e o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. Piñon também é doutora Honoris Causa por universidades da França, Espanha, EUA, Canadá, México e Brasil.
Em janeiro de 2022, em ato no Consulado da Espanha no Rio de Janeiro, a escritora recebeu formalmente a nacionalidade espanhola, concedida pelo Conselho de Ministros da Espanha em novembro de 2021.
Instituto Cervantes
O Instituto Cervantes foi fundado em 1990 e possui 80 centros por todo o mundo, com 10% deles no Brasil. A Rede de Bibliotecas do Instituto Cervantes (RBIC) é a maior rede de bibliotecas espanholas do mundo, presente em mais de 30 países, com um acervo total de mais de 1,5 milhão de documentos. Suas coleções bibliográficas reúnem obras sobre as culturas e letras da Espanha e Hispano-América, tendo como função primordial oferecer uma perspectiva completa, representativa e equilibrada das realidades culturais espanhola e hispano-americana: língua, literaturas, história, filosofia, ciência, música, cinema e teatro, entre outras, através de seus documentos.
Concebida como um centro de informação e documentação especializada nas línguas, culturas e literaturas da Espanha e Hispano-América, a biblioteca do Instituto Cervantes do Rio de Janeiro é um dos centros da RBIC no Brasil, tendo iniciado suas atividades em agosto de 2004.
Desde sua abertura, a biblioteca atende à demanda de usuários tanto da cidade quanto de outras partes do mundo. Uma das preciosidades de seu acervo é a Coleção Local, cujas seções reúnem obras únicas, singulares e raras, representativas e significativas para o estudo e a compreensão das relações culturais, históricas, artísticas e literárias entre o Brasil e o mundo hispânico. Esta coleção começa a formar-se logo de sua criação em 2004, com a doação de Eduardo Albertal, antigo funcionário da Nações Unidas (ONU) no Rio de Janeiro, de obras hispano-americanas publicadas por editoras sul-americanas na década de 1950.
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