Publicado 18/06/2022 15:11
Rio - Fundada em 1948, a tradicional Casa Oliveira de Música, na Rua da Carioca, no Centro do Rio, anunciou que vai encerrar as atividades no final de junho. O encerramento, anunciado em suas redes sociais, acontece por causa da baixa procura, motivada pela pandemia e pelo esvaziamento do centro da cidade. A loja oferece descontos para os produtos restantes.
Alguns clientes, como Victor Loureiro, 64 anos, e Luis Carlos, 53, foram à loja neste sábado (18) para aproveitar a promoção. O primeiro buscava um tamborim de couro. Já o segundo, queria uma flauta para presentear a filha.
Muitos músicos compraram seus primeiros instrumentos na Casa Oliveira e continuaram clientes assíduos por anos. Um deles é o mestre de bateria da Vila Isabel, Macaco Branco, que frequenta a loja há mais de 15 anos, quando ainda estava começando na carreira musical.
"Tenho uma lembrança muito boa na Casa Oliveira. Logo no início de 2005, quando comecei a tocar com a Mart'nália, fiz muitos shows no Centro Cultural Carioca. Sempre passava na Casa Oliveira. Era como se fosse um parque de diversão, namorar os instrumentos, ver os valores e juntar uma grana para comprar. Comprei muita coisa lá. Por incrível que pareça, na semana retrasada, fui lá em busca de dois pandeiros. Quando cheguei na loja, falei que os preços estavam legais e a funcionária disse que esse era o último mês de funcionamento. Isso me deu uma tristeza", disse.
O mestre da Swingueira de Noel também lamentou o encerramento de atividades do estabelecimento. Com o fim de diversas lojas, ele teme que não consiga mais "experimentar" os produtos antes de finalizar a compra. "Daqui a pouco, não vamos ter lojas para comprar instrumentos. Vamos ter que comprar pela internet, uma coisa muito na sorte. O legal é chegar na loja e pegar o produto, sentir o som, afinar... Na Casa Oliveira, era certeza de ter instrumentos de qualidade e muitas opções. Fico triste com isso, sou muito saudosista. Fica o meu agradecimento a todos da família da Casa Oliveira por esse tempo de alegria, a felicidade de entrar na loja, namorar os instrumentos, sonhar em tê-los e conseguir adquirir", comentou Macaco Branco.
O professor de Música da UFRJ, Bruno Reis, de 41 anos, também acredita que os equipamentos com mais saída, principalmente aqueles que não precisam de teste, têm sido mais procurados no mercado online. Nas lojas físicas, o preço deles costuma ser mais caro. De qualquer forma, Bruno não se esquece da sua primeira viola, comprada em 1998 na Casa Oliveira, onde esteve na manhã deste sábado (18).
"Ali na Rua da Carioca tem um histórico de lojas de música, também tinha a Guitarra de Prata. Das tradicionais, a única que sobrou foi a Casa Oliveira. Comprei a minha primeira viola lá e comprava cordas lá também. Era uma casa que tinha os preços mais baratos. O instrumento, normalmente, precisamos testar. Ele varia de uma mesma marca, mesmo modelo. Mas os utensílios que saem com mais frequência, como corda, afinador e suporte, a gente consegue comprar mais acessível pela internet. É quase 70% mais barato. Fiquei emocionado com essa notícia, comprei lá meu primeiro instrumento. É uma pena, mas estamos passando por um novo momento no mundo e caminhamos para outras formas de comércio", disse o professor.
O esvaziamento dos estabelecimentos do Centro do Rio preocupa o cantor, compositor e pesquisador Pedro Paulo Malta, de 46 anos. Ele é apaixonado pela região, principalmente pela Rua da Carioca, onde frequenta desde 1995. Entretanto, está insatisfeito com o abandono do local que tem grande importância histórica para a música brasileira.
"Sou frequentador da Rua da Carioca desde que me apaixonei pelo Centro da cidade, antes dos meus 20 anos. É o meu bairro preferido do Rio de Janeiro. Infelizmente, o comércio da Rua da Carioca está morrendo gradativamente. A quantidade de lojas fechadas na calçada que fica do lado do Bar Luís é uma pena e muito mais que isso, é um horror. Uma rua de importância tão grande ser uma rua fantasma. Eu gostaria de que fosse feita alguma coisa para que a rua recuperasse a sua importância. Na Rua da Carioca, ficavam as casas de música, onde as pessoas compravam as partituras. O pianista Ernesto Nazaré e outros grandes músicos trabalharam como demonstrador e ficavam nessas lojas para mostrar as partituras", contou Pedro Paulo.
Para o sambista Marquinhos de Oswaldo Cruz, a importância da Casa Oliveira vai além das histórias que começaram e passaram por lá. Isso porque a música é um importante elemento cultural do país. Qualquer espaço que guarde essas memórias precisa ser valorizado com um pedaço fundamental na história e na cultura da cidade.
"É muito triste. Eu acho que, seja um terreiro de Umbanda, de Candomblé, Igreja Católica, igrejas evangélicas tradicionais... Todo mundo tem direito a ter aulas de arte pelo Estado. E deve ter aulas de artes pelo Estado, seja de teatro, música... Quando fecha um espaço desse, é mais uma derrota que temos", lamentou.
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