De tanto pensar no que vi e senti, descobri também que, se eu não digo no pé, o samba fala ao meu coraçãoArte de Kiko sobre fotos de Ricardo Nunes/ Divulgação
Publicado 19/06/2022 09:00
Descobri que um show nunca terá somente a duração das músicas apresentadas no palco. Para mim, as canções ali entoadas se perpetuam no coração por muito e muito tempo. Eu gravo cenas e versos daquele momento na memória e na alma. E isso vai perdurando indefinidamente nos meus pensamentos. Foi assim com o espetáculo em que assisti à cantora Maria Rita interpretando sambas. Já faz duas semanas, mas ele ainda ecoa nas minhas lembranças. Afinal, a arte tem dessas coisas lindas.
De tanto pensar no que vi e senti, descobri também que, se eu não digo no pé, o samba fala ao meu coração. Foi incrível ver como o ritmo abriga a alegria dos corações apaixonados: estava nítido na plateia quando um casal ficou de pé. Ele a presenteava com os versos de uma música e ela devolvia a gentileza. Os dois tinham os braços efusivamente abertos e alternavam a cantoria com beijinhos para selar o amor. Eles não me viram, mas eu os gravei na lembrança.
Assim como fixei várias cenas de dois rapazes ao meu lado. Pareciam saber o repertório do início ao fim. Quando os acordes de uma música se iniciavam, eles já começavam a interpretação do que viria. Incorporavam o sentimento cantado. Afinal, música boa mexe com o coração, e a voz incrível de Maria Rita fez isso incontáveis vezes durante o show.
Na alegria dos sambas entoados por ela, cabiam encontros, desencontros, saudades, partidas e mágoas, mas também o perdão. Afinal, não se deve contrariar ordens médicas. E Maria cantou isso lindamente: “Pra curar a minha dor/ Procurei um bom doutor/ Me mandou beijar teu beijo mais molhado”.
O repertório era todo assim, uma mistura de sentimentos. Numa hora traduzia a rendição ao amor; em outra revelava o término desaforado: “Alto lá/ Guarde a língua na boca”. A gente cantava, cantava e cantava... E parecia não se cansar—a não ser pelos meus pés acusando o uso de salto alto naquela noite.
Havia cadeiras, mas o samba logo me tirou para dançar. Aliás, a gente acha que vai ficar só ali, “no meio do povo, espiando”. Mas a música nos convida a todo tempo. E nos faz respirar vida por muito tempo depois.

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