"O Theatro Municipal é um lugar mágico, realmente, no Rio e para o Brasil. Eu me remeto à infância, quando assistia ao 'Quebra-Nozes'. Eu era muito criança e meus pais me levavam", diz Felipe PrazeresVanessa Ataliba
Publicado 21/08/2022 08:00
Ao fundo, o som do contrabaixo surgia como uma trilha sonora suave e em sintonia com o entrevistado. Enquanto os músicos da Orquestra Petrobras Sinfônica (OPES) chegavam para o ensaio da tarde de quinta-feira na Fundição Progresso, o maestro Felipe Prazeres nem precisou levantar o tom de voz para deixar transparecer o quanto é natural para ele estar ali. Filho do maestro Armando Prazeres e irmão de Carlos Prazeres, atualmente regente das sinfônicas da Bahia e de Campinas, Felipe assumiu recentemente a regência do Theatro Municipal, de onde guarda belas lembranças. À frente da OPES, ele mostra que a música clássica combina com todos os ritmos, como conta nesta entrevista ao DIA. Hoje, a diversidade do seu trabalho será apresentada em dois concertos, o primeiro deles com a presença na plateia da filha, Nina, de cinco anos, fruto do seu relacionamento com a atriz Carol Castro. 'A Magia da Orquestra' traz trilhas marcantes de animações da Disney, como 'Rei Leão', 'Frozen' e 'Encanto', às 15h, no Qualistage, na Barra, pelo Festival Elo. E, às 19h, os músicos embarcam em outro universo, no 'Coldplay Sinfônico'.
O DIA: Você postou recentemente uma foto do Theatro Municipal nos Stories do Instagram, com a seguinte legenda: "Meu escritório diário". Qual é a sensação deter o Municipal como "escritório"?
Felipe Prazeres: Essa foi uma guinada, uma mudança radical na minha vida, que aconteceu dia 1º de agosto, quando fui eleito pelos meus colegas como maestro titular do Theatro Municipal. Tive sorte que, para o meu concerto de estreia no dia 12 e para o do dia 19 (na última sexta-feira), eu pude ensaiar no palco do Municipal. Ter a chance de construir o som no mesmo lugar em que vai ser realizado o concerto é um privilégio. Essas duas últimas semanas eu estou vivendo intensamente o palco do Municipal, por conta da execução desses dois concertos.
Nessas suas idas frequentes ao Municipal, você se pega reparando em detalhes daquele prédio histórico?
O Theatro Municipal é um lugar mágico, realmente, no Rio e para o Brasil. Eu me remeto à infância, quando assistia ao 'Quebra-Nozes'. Eu era muito criança e meus pais me levavam. E também a outros momentos em que fiz parte do Theatro Municipal como músico. Cada dia que eu vou lá é sempre um olhar contemplativo e que me ajuda também na feição da música. Em momento nenhum vai ser um lugar comum para mim. Vai ser sempre um lugar de alegria e de apreciar tudo que aquilo ali pode proporcionar para a nossa música e para o Rio de Janeiro.
O que mudou na sua rotina ao assumir a regência do Theatro Municipal?
Minha rotina mudou consideravelmente, principalmente porque veio ao encontro desse Festival Elo, em que faço três concertos por fim de semana, junto aos concertos do Theatro Municipal. São programas completamente diferentes. Mas faz parte da vida do músico e das orquestras hoje em dia também, de contemplar repertórios diferentes, com músicos e ambientes diferentes. Mas confesso que a minha vida deu uma mudada. Estou sem tempo para nada. Ultimamente, é só chegar em casa e dar conta da minha filha, claro...
Inclusive, ela fez cinco anos recentemente...
Ela fez cinco anos no dia da minha estreia no Theatro Municipal, em 12 de agosto. Foi muito simbólico. Homenageei a minha filha. A minha vida tem sido assim: chegar em casa e olhar a partitura que tenho que reger no dia seguinte, marcar partitura, marcar repertório diferente. Mas eu sempre quis isso. Então, estou só constatando, não estou reclamando.
Como é feita a imersão em universos tão diferentes num mesmo dia, como acontecerá neste domingo, com trilhas da Disney e, em seguida, Coldplay?
Eu me visto de bruxo sempre para fazer 'A Magia da Orquestra'. Isso é uma coisa que eu já fazia nos primeiros musicais da orquestra, 'Arca de Noé', 'Saltimbancos'... E eu me emociono muito em 'A Magia da Orquestra' porque a minha filha está escutando esse repertório neste momento da vida dela e ela vai estar presente neste domingo. E, de noite, a gente faz pela primeira vez esse show do Coldplay presencialmente. A gente fez transmissão dele durante a pandemia, que foi um barato. Mas nada se compara ao espetáculo presencial. Então, é uma surpresa também, a gente não sabe o que vai acontecer.
Nesses concertos, fica bem claro que você rege não só a orquestra, como o público também...
Nos projetos de pop e rock da Petrobras Sinfônica, a função do maestro ultrapassa um pouquinho a questão musical. Nesse elo entre artistas e plateia, cabe a mim fazer essa junção, aproximando as pessoas cada vez mais e quebrando um pouquinho os protocolos ou desmistificando esse lugar em que a orquestra foi colocada, de uma coisa muito respeitosa. A gente tem protocolos, sim, mas a gente está tocando coisas com que as pessoas vão se identificar.
Neste mês, seu pai teria feito 88 anos. Você lembrou a data postando um artigo em que ele falava da "cultura dita erudita" e dizia que pouco se fazia para se difundir a cultura clássica em novos públicos. Você entende que essa visão dele está muito ligada ao seu trabalho?
Desde criança, a gente vê como o meu pai, da forma dele, já queria mudar isso, botar a orquestra em outro lugar. Eu costumo falar 'música de concerto' porque a palavra erudita pode partir do princípio que, para quem escuta, tem que ter algum tipo de erudição em música, independentemente do tipo de música que a gente toca. Pode ser música de concerto também. Ninguém precisa ser erudito em música para escutar música. A música existe e ponto. E vai tocar em cada pessoa de uma forma. Eu costumo falar música de concerto para tornar esse termo um pouco mais leve e as pessoas começarem a observar o concerto e uma orquestra igual a ir ao cinema, ao teatro, a assistir a um jogo de futebol.
Quais programas musicais você curte? Se for convidado para uma roda de samba, você vai? Curte o Rock in Rio?
Eu não sou muito fã de multidões. Roda de samba, eu gosto, mas de tocar. Numa roda de choro, por exemplo, eu pego o meu violino e adoro tocar junto. Mas gosto de ficar mais em casa, quieto, e escutar a música de que gosto. Adoro Coldplay, por exemplo. Vou em shows, mas não sou um frequentador assíduo.
Você também tem parceria com o Mundo Bita, um sucesso entre as crianças. A Nina curte?
Ela curtiu muito. Eu consegui, aos 45, 47 do segundo tempo, levar a Nina para assistir ao Bita, mas ela já tinha passado um pouquinho da idade. Mas ela deve ter voltado um pouquinho no tempo. No Bita, os pais também cantam porque as crianças são pequenas para cantar a letra inteira. No caso da Disney, também. Inclusive, o filme 'Encanto' foi a primeira vez em que levei a Nina ao cinema. E ela estava no meu colo. Ao fim do filme, eu estava chorando compulsivamente e ela não estava entendendo nada.
Na orquestra, além de lidar com as peculiaridades de instrumentos, você convive como os universos únicos de cada músico. Como é a convivência?
O diretor artístico dessa orquestra, maestro Isaac Karabtchevsky, tem uma frase que resume muito bem isso: 'A orquestra é um microcosmo da sociedade'. A gente vê uma sociedade inteira representada numa orquestra, com pessoas de credos diferentes, de pensamentos completamente diferentes, independentemente do assunto. Mas cresci nesse meio, tocando e agora regendo. Então, é muito natural trabalhar com essa diversidade que a orquestra apresenta, não somente nos instrumentos, mas de pensamentos. A gente vai se moldando e, principalmente, não deixando a peteca cair. Por envolver muitas pessoas, a gente trabalha com protocolos, de começar tal hora, de ter o intervalo tal hora e terminar impreterivelmente em determinada hora. Esse protocolo, sim, tem que ser seguido.
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