Dia dos povos indígenas é comemorado no Parque Lage com feira de exposições. Fotos: Pedro Ivo/Agência O Dia Na foto: Pajé Tobi com suas ervas.Pedro Ivo
Publicado 09/10/2022 14:20
Rio – Tendo como cenário a natureza exuberante do Parque Lage, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, mais de 300 indígenas – representados em 32 etnias – de todo o Brasil se reuniram para trocar experiências e expor seus trabalhos na 10º edição da Grande Feira Intercultural Indígena, que aconteceu no último fim de semana em comemoração do Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto). A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1994.

Cariocas, fluminenses e turistas puderam conferir uma grande feira, organizada pela Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM), com oficinas de artesanato, contação de histórias e desfiles, além de palestras e debates sobre as questões indígenas e ambientais atuais. Tudo organizado e ministrado pelos próprios indígenas. O evento contou também com o apoio cultural da Escola de Artes Visuais (EVA) e da Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa do Rio.
O fim de semana também foi reservado para comemorar o Dia dos Povos Indígenas, criado com a aprovação da Lei 14.402, proposta pela deputada federal Joênia Wapichana (Roraima). O texto propõe que o Dia do Índio, comemorado no dia 19 de abril, passe a ser chamado de 'Dia dos Povos Indígenas.


"É importante para nós termos esse espaço para divulgar a nossa cultura, a nossa vida, a nossa luta, para termos uma dignidade, para sermos vistos como pessoas, como cidadãos brasileiros e, acima de tudo, seres humanos. É disso que a gente faz parte aqui, no Parque Lage", explicou o cacique e presidente da AIAM, Carlos Tukano. Para confraternizar com seus parentes – termo que os indígenas usam entre si –, o cacique atravessou o Brasil, vindo do Amazonas. "Estou aqui no Rio de Janeiro juntamente com os povos indígenas nesta confraternização para mostrar ao povo carioca brasileiro a nossa cultura viva e distinta", disse.

Toni Lotar, de 71 anos, é administrador e indigenista da Associação. Ele conta que o evento começou em 2014, mas desde 2015 a feira tem acontecido duas vezes ao ano, uma para celebrar o Dia do Índio e outra para marcar o Dia Internacional dos Povos Indígenas. Por conta da pandemia, o evento foi suspenso durante dois anos. "A importância é dar visibilidade aos povos indígenas que são apagados na história do Brasil. Então é muito importante dar espaço e voz para eles poderem vir mostrar a cultura e vender os seus artesanatos", afirmou o indigenista.

"Esse é o evento de geração de renda para uma população vulnerável. Os indígenas vieram de todo o Brasil, do Xingu, do Pará, do Amazonas, do Maranhão, todas as aldeias do Rio de Janeiro - são sete aldeias que estão presentes. O evento é lúdico e agradável de assistir, mas o principal fator de motivação dos próprios indígenas é ter um espaço para vender os seus artesanatos e levar dinheiro para as aldeias", pontuou Toni.

No sábado, o Parque recebeu seis mil pessoas. O psicopedagogo Pedro Ayres, 34, foi um dos visitantes. Acompanhado da mãe, Martha Esteves, 57, ele levou as três filhas, Maria Flor, 7, Lua Maria, 3, e Maria Aurora, 4 meses, para passear na feira. "Não sou indígena, mas fiz questão de levar minhas filhas, e faço questão sempre, porque é a nossa constituição como povo. Temos que crescer em paz, sabendo disso e reverenciando a nossa cultura", exaltou. 

Desde 2018 frequentando o evento, Pedro contou que formou laços com os expositores. "Fazendo compras em outra vez que fui, acabei ficando amigo de uma família do Xingu. Ficamos em contato por WhatsApp. Durante a pandemia, nos encontrávamos com eles digitalmente. Tentamos ajudar, porque essa feira ficou dois anos sem acontecer. Foram eles mesmos que me avisaram que estavam vindo", revelou.

O pajé Tobi Itaúna, 75, veio de De São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Representante da etnia Tupi-Guarani, veio mostrar a importância das ervas no tratamento de doenças. Ele trabalha com 680 quantidades de plantas, mas ao Rio trouxe apenas 136. "Uma para cada sintoma. Tem para gastrite, varizes, cansaço físico e cansaço mental, memória fraca, insônia, e outras. Ou seja, 80% do ser humano que vive na cidade tem alguma coisa disso", destacou.

Itaúna, que também é uma das lideranças da Aldeia Maracanã, cobrou mais suporte e apoio para os expositores. "Precisamos ter mais eventos, mais trabalhos, para podermos sobreviver e mandar esse dinheiro para a Aldeia também. Nós precisamos de mais suporte e apoio. As pessoas precisam olhar mais para o índio, mas não é só o índio que está passando dificuldade. A sociedade também está. Vejo o negro, o não-negro, o índio e não-índio com muita dificuldade. A alimentação está cara, as coisas estão muito caras. O índio tem que se segurar ao máximo para poder pagar o alimento e suas dívidas, para poder sobreviver", desabafou.
Outras etnias também marcaram presença no evento, como Guarani, Pataxó, Puri, Fulni-ô, Tukano, Kaingang, Guajajara, Ashaninka, Ticuna, Tupinambá, Arapium, Baniwa, Kamaiurá, Kayapó, Mehinako, Yawalapiti, Kariri-Xocó, Xavante, Karajá, Potiguara, Sateré Mawé, Bororo, Kadiwéu, Kambeba, Anambé, Goitacá e Canela.
Aldeia Maracanã
A AIAM foi criada em 2014 por um grupo de 17 etnias indígenas que, em outubro de 2006, fizeram a retomada cultural do prédio do antigo Museu do Índio, no Maracanã, Zona Norte, abandonado desde 1977, época que o museu se mudou para um casarão em Botafogo, na Zona Sul.
* Reportagem de Beatriz Coutinho sob supervisão de Raphael Perucci
Leia mais