Publicado 18/10/2022 11:34
Rio - A Prefeitura do Rio deu início, nesta terça-feira (18), à demolição do primeiro prédio da antiga Universidade Gama Filho, na Zona Norte, para a construção do Parque Piedade no local. O espaço, de aproximadamente 18 mil metros quadrados, estava abandonado desde 2014 e, no ano passado, a administração municipal começou o processo de desapropriação dos imóveis do terreno, que conta com 15 prédios. Os trâmites judiciais seguem para a propriedade dos demais.
A demolição foi iniciada por onde funcionava a faculdade de medicina da instituição. O local está totalmente depredado e em algumas áreas, há esqueletos que eram usados nas aulas de anatomia abandonados. Além do mato que cresce em todo o imóvel, há cacos de vidro e pedaços de madeira espalhados no espaço. O prédio, que já não conta mais com janelas ou portas, levadas por criminosos, é tomado por pixações e entulho.
O projeto do Parque Piedade, que será feito nos moldes do Parque Madureira, prevê área molhada infantil, de convivência e serviços; espaços de lazer para crianças e cães; academia da terceira idade; horta urbana; campo de futebol; pista de skate; além de espaço cultural. Em uma parceria com a Fecomércio, a prefeitura pretende aproveitar as áreas esportivas, o teatro e a piscina da universidade, como forma de manter a vocação educacional do local.
Segundo o subprefeito da Zona Norte, Diego Vaz, que acompanhou o início da demolição nesta terça-feira, a expectativa é de que o projeto do parque, elaborado por uma empresa contratada pela Secretaria Municipal de Infraestrutura, seja finalizado até a segunda quinzena de dezembro, para que as obras comecem no segundo semestre de 2023.
Além disso, a proposta fala ainda na revitalização de toda a região, com melhorias de pavimentação, sinalização, iluminação, paisagismo, rampa de acessibilidade na estação de trem da Piedade, pela Rua Goiás, e ciclovia na Rua Manoel Vitorino. A Rua da Capela, onde fica a Capela Nossa Senhora da Piedade, tombada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), em 1996, devido a sua importância arquitetônica, histórica e cultural, também será contemplada.
"Esse lugar foi totalmente depredado, passou por diversas violações, então, uma vez que a prefeitura assume, ela quer derrubar logo para dar celeridade nas obras e para não deixar que ninguém invada um bem municipal (...) É resgatar, realmente, o orgulho de ser suburbano dessa área que estava perdida, aqui na região da Piedade", afirmou o subprefeito.
Durante a demolição, o motorista Jorgito Souza Santos Filho, de 58 anos, lamentou o estado em que o prédio se encontra. O homem contou que atuou como vigilante da universidade entre 2009 e 2014, e que vem lutando na Justiça para receber os salários não pagos a ele e sua esposa, que também trabalhava no local, desde que a instituição faliu.
"A faculdade se acabou. Primeira geração constrói, segunda geração mantém e a terceira geração destrói, foi o que aconteceu aqui. A terceira geração destruiu a faculdade. Graças a Deus, eu tenho onde morar, mas outros funcionários não tiveram, e o que aconteceu? Eles invadiram ali atrás, foi o único jeito, porque eles não têm dinheiro. (O terreno) vai ficar aí para a eternidade, mas e o nosso dinheiro, do nosso esforço? Hoje eu vim aqui protestar, porque não pagaram a gente", desabafou.
Segundo moradores, durante o funcionamento da Gama Filho, o bairro era mais movimentado e seguro, mas o fechamento fez com que comerciantes e residentes deixassem a região. Vivendo na Piedade há 26 anos e ex-aluna de psicologia da Gama Filho, a aposentada Fátima Rafael, 67, contou que o projeto renova a esperança de revitalização da área perdida há anos.
"Olham para isso (o terreno) e dizem assim: 'que tristeza', porque você vê o símbolo do abandono, da precarização, da falta de segurança, e a gente só vê piorar. Parece que passou o vento da destruição e tudo se acabou. A esperança é que seja restaurado em alguma coisa que venha a fazer bem a comunidade. A gente vivia com isso aqui com o comércio aberto em função da faculdade. Eu acho que vai trazer uma sensação de bem estar para o Rio de Janeiro de uma maneira geral", disse a moradora.
"Há muito tempo haviam comentado que iriam fazer essa reurbanização da área e eu comentei que seria excelente um parque aqui, porque nós não temos aqui em Piedade, uma área de lazer. Nessa área aqui tem muita criança, mas não tem área de lazer. Agora, a população vai poder curtir uma área verde, praça de alimentação, ciclovia. É uma excelente ideia. Com o parque, com segurança e sem deixar abandonar, vai reviver o bairro", celebrou o militar da reserva da Marinha, Márcio Moisés, 50, que mora no bairro desde que nasceu.
A vendedora de pão queijo Elisabete Nascimento, de 50 anos, se mudou para a Piedade há um mês e se animou ao saber do projeto, porque vai poder ter um local para levar os netos e afilhados para brincar. "Espero que seja maravilhoso, a gente vê pelo Parque de Madureira, as crianças brincam, ficam à vontade, a família tem lazer no fim de semana. Vai valorizar o bairro, vai se melhor para se movimentar, porque aqui fica deserto. A gente está com a expectativa de se tornar um bairro melhor", comentou.
A dona de casa Eliane de Fátima, 68, mora no bairro há dois anos. Para ela, a expectativa é de que o Parque Piedade leve mais segurança para a região. "É muito pouco movimentado, porque quando tinha a Gama Filho, tinha todo o pessoal que trabalha com o comércio e agora não tem. O que tem muito aqui é assalto. Eu espero que o parque fique ótimo, que fique mais movimentado e, principalmente que traga mais segurança, que é o que a gente precisa", disse Eliane.
De acordo com o subprefeito, os moradores podem esperar um novo bairro. "Podem esperar uma nova Piedade, uma área totalmente movimentada, a gente vai fazer mudanças também no entorno (...) Aquele comerciante que tinha sua lojinha, aquela pessoa que tinha o aluguel e o locatário não paga há muito tempo, pode ter essa esperança de dias melhores aqui na Piedade. A gente espera trazer esse resgate aqui para a área da Piedade".
Universidade Gama Filho
A universidade foi fundada em 1951 pelo ministro Luiz Gama Filho e, ao longo das décadas seguintes, se tornou uma das mais renomadas instituições de ensino superior privadas, chegando a ter a maior faculdade de medicina do país e sendo reconhecida pela atuação poliesportiva. A instituição permaneceu sendo administrada pela família Gama Filho com o passar do tempo.
Entretanto, a universidade começou a enfrentar problemas financeiros, com divídas de mais de R$ 200 milhões com fornecedores, funcionários e o governo. Dessa forma, o então presidente da instituição, Paulo César Prado Ferreira da Gama, decidiu, em 2010, passar o controle para seu advogado Márcio André Mendes Costa, que criou o Galileo Educacional para reestruturar a Gama Filho.
Na administração do grupo, a universidade recebeu investimentos milionários dos fundos de pensão da Postalis, dos Correios, e da Petros, da Petrobras, além de empréstimos bancários. O Galileo ainda incorporou à sua administração a UniverCidade que também enfrentava problemas financeiros. Nesta gestão, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram a ser contratados para aulas do curso de Direito, ao passo que outros professores e funcionários eram demitidos.
Em 2012, a instituição também encerrou o contrato com o hospital onde alunos de medicina faziam aulas práticas. Com problemas na estrutura, o Ministério da Educação diminuiu o número de vagas por vestibular e, em 2013, instaurou um processo administrativo contra a Gama Filho, impedindo que novos estudantes se matriculassem. No ano seguinte, a universidade fechou as portas, ao ser descredenciada pela baixa qualidade acadêmica, comprometimento da situação econômico-financeira e falta de um plano de resolução.
Dois anos depois, em 2016, a Justiça do Rio decretou a falência do Galileo, após negar o pedido de recuperação judicial feito pelo grupo, que não recorreu. Desde então, a massa falida ficou sob a responsabilidade de administradores judiciais, até que, em abril deste ano, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, publicou no Diário Oficial um decreto que declarava a utilidade pública, para fins de desapropriação, de 35 endereços ligados à Gama Filho. À época, a massa falida descreveu a medida como benéfica para a comunidade e para os credores prejudicados.
Ainda em 2016, a Polícia Federal prendeu nove pessoas envolvidas em desvios de recursos do Postalis e Petros, que participaram da estruturação da operação fraudulenta do Galileo Educacional. As investigações apontaram que o esquema montado pelo grupo arrecadou cerca de R$ 100 milhões por meio da compra de títulos mobiliários, para recuperar a universidade. Entretanto, quando a empresa quebrou, aproximadamente R$ 90 milhões foram desviados.
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.