Manguezais geram lucro, segundo oceanógrafoDivulgação
Publicado 16/11/2022 19:11 | Atualizado 16/11/2022 19:15

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Rio - Em entrevista ao DIA, oceanógrafo Mario Soares, coordenador do Núcleo de Estudos em Manguezais (NEMA), da Uerj, defende ampliação de unidades de conservação na Baía de Guanabara para proteger o mangue.
O senhor tem estudado os manguezais da Região Metropolitana do Rio há bastante tempo. Qual a importância desse ecossistema?
Primeiro é importante saber que existem milhares de pessoas que dependem dos manguezais. Todos nós usamos direta ou indiretamente os benefícios que eles trazem. O manguezal exerce a função de ser um depurador das águas. Um exemplo: se não fosse o mangue do fundo da Baía de Guanabara, a pesca seria praticamente inexistente, ou muito reduzida em relação ao que é hoje. Muitas espécies de peixes e crustáceos também dependem do mangue, em alguma fase do seu ciclo de vida. O mangue ajuda ainda a "aprisionar" metais pesados e evitar enchentes e alagamentos, por causa do "efeito esponja", de absorção de água.
O que o Projeto Guanamangue (parceria do Instituto Onda Azul com o FUNBIO, fruto de um Termo de Ajustamento de Conduta pactuado com o Ministério Público de responsabilidade da operadora PetroRio) vem estudando sobre os mangues de Itaboraí, São Gonçalo, Guapimirim e Magé?
De uma maneira geral, o trabalho mostra que a preservação do mangue deve ser uma ação multissetorial, sempre. Diversos setores e saberes estão envolvidos na economia gerada pelo manguezal. Eu destaco a participação ativa da sociedade como elemento fundamental para que o mangue passe a ser encarado como fonte de riqueza. Os trabalhos apontam que a floresta de mangue dentro de unidades de conservação (como a APA de Guapi-Mirim) está mais protegida do que aquela fora.
O que os primeiros resultados mostram?
O projeto tem possibilitado realizarmos um estudo sobre o potencial de captura de gases do efeito estufa do manguezal de forma comparativa entre uma área preservada (APA de GuapiMirim) e uma área totalmente reflorestada (Parque Natural Barão de Mauá). Os dados iniciais revelam que há pouca diferença na capacidade de captura do mangue reflorestado para o preservado, o que indica que projeto de larga escala de recuperação de manguezais é uma estratégia fundamental para mitigar os GEEs. Em um momento em que se discute na COP 27 o desenvolvimento de um mercado de carbono e outros mecanismos financeiros para mitigar a emissão de Gases de Efeito Estufa, a realização dos estudos sobre a captura de GEEs pelos
manguezais é uma importante iniciativa do projeto Guanamangue.
Quais as principais ameaças que os manguezais do Grande Rio sofrem?
A expansão imobiliária não só na região da Baía de Guanabara, mas em toda a região metropolitana. Os mangues de Sepetiba e Guanabara Paraty, Angra dos Reis sofrem enorme pressão.
Quando falamos de mudanças climáticas, os manguezais aparecem como elemento. Por quê?
Vários estudos mostram que o mangue é ume excelente capturador de carbono (responsável por cerca de 60% do aquecimento global). Vamos considerar, por exemplo, uma floresta tropical úmida, seja amazônica ou atlântica, de 1km2 (cem campos de futebol oficiais). E um bosque de mangue do mesmo tamanho. Se formos medir, vai ter muito mais carbono no manguezal. Na biomassa acima do solo a distribuição é bem semelhante nos dois casos. Mas quando a gente avalia o preso no sedimento e na biomassa subterrânea, o manguezal captura até 6 vezes de carbono, podendo chegar a 10 vezes mais. É impressionante.
Como convencer a sociedade de que vale a pena manter o mangue em pé, que ele não traz doenças ou aspectos negativos?
No início do ano 2000, um estudo na "Science" (revista científica) mostrou que é muito mais vantajoso economicamente manter o manguezal em pé. O que eles fizeram? Calcularam uma geração de riqueza em dólar em dois cenários: mantendo o bosque conservado e cortando o mangue para fazer uma fazenda de criação de camarões. A conclusão foi que o mangue conservado gerou 70% mais riqueza do que a fazenda de camarão. A conservação dos manguezais gera lucro. E a riqueza que é gerada é mais distribuída. Vários setores dependem do manguezal: a pesca da tainha, a educação ambiental, o turismo. É uma gestão inteligente do território manter a floresta em pé.
O entorno da Baía de Guanabara precisa de mais áreas protegidas?
Eu acho fundamental ampliar a APA de Guapi-Mirim, dentro de uma gestão que considere os efeitos da emergência climática. Se o nível do mar aumenta (um dos efeitos do aquecimento global), o manguezal vai migrando em direção ao continente. Isso já está acontecendo em Sepetiba. Então, precisamos incorporar a mudança climática no processo de gestão ambiental. Como será a APA de Guapi-Mirim daqui a 50 anos? Além da APA existem outras categorias de
unidades de conservação a serem discutidas.
O domínio territorial do tráfico ou da milícia coloca em risco o mangue no Rio?
Em Sepetiba (Zona Oeste do Rio) tem área que a gente não trabalha mais. Não consegue entrar. No Rio Estrela (em Magé), quando atuamos depois de um vazamento de óleo (em dezembro de 2018) existiu uma orientação clara de que não poderíamos continuar a trabalhar depois de determinado horário. Então essa é uma situação bastante preocupante. São essas comunidades que, dramaticamente, vão ser mais afetadas com os efeitos das mudanças climáticas.
O antigo Comperj (atual Polo Gáslub Itaboraí) pode prejudicar o meio ambiente?
A recomendação do Plano Diretor de Recursos Hídricos da Baía de Guanabara é clara: aquela água não deveria ser ocupada. Está na zona de influência direta nos manguezais. A localização do Comperj foi pensada numa lógica de maximização dos lucros. Sou contra qualquer empreendimento ali na região. A preocupação é o que vem junto ao empreendimento, numa região que já sofre com escassez hídrica. E os manguezais dependem da água doce que chega. Com menos água doce, a floresta se desenvolve menos, aumenta o stress. Um risco gigantesco.

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