Publicado 20/11/2022 06:00
Rio - A Rua da Carioca, uma das mais tradicionais do Centro do Rio, hoje agoniza com o abandono. Em meio à crise econômica, reajuste de aluguéis e o fechamento do Bar do Luiz, que existia na região desde 1887 e movimentava o entorno, a via está com quase todas as suas lojas fechadas. Segundo o presidente da Associação Amigos da Rua da Carioca e Adjacências (Sarca), Roberto Cury, das 60 lojas existentes, cerca de 40 estão fechadas.
"O Centro da cidade todo já está abandonado, tirando a parte do Saara que é um oásis da região. Não é apenas a Rua da Carioca que está vazia, mas várias outras, incluindo a Avenida Rio Branco", ressaltou Cury. fotogaleria
"O processo de esvaziamento do Centro começou desde que a capital do Brasil mudou para Brasília, porém de forma gradativa. Piorou bastante quando o fundo de investimentos Opportunity comprou 18 imóveis da Rua da Carioca e expulsou os lojistas que não tinham cláusula de vigência, que obriga a respeitar o contrato ou o registro. Quase todas as 18 lojas não tinham essa cláusula. Então, quando o fundo comprou os estabelecimentos, denunciou o contrato e notificou os comerciantes para eles fazerem um novo documento com prazo de 5 anos, mas com os aluguéis três vezes maior do que estavam pagando", explicou.
De acordo com Cury, com as altas taxas de cobrança, os comerciantes se viram sem saída e baixaram as portas. "Os lojistas quase foram despejados. Hoje, dos 18 imóveis que o Opportunity tem na rua da Carioca, apenas quatro estão alugados. Eu não acredito em melhorias, está tudo muito difícil". A Rua da Carioca foi tombada arquitetonicamente pelo governo estadual em 1993.
Além da falta de público, também falta gente para cortar o famoso bolo que a Sarco faz em datas comemorativas, como o aniversário da cidade do Rio. Nos 450 anos da cidade, Roberto Cury encomendou um bolo de 450 metros para comemorar com a população. No entanto, atualmente, principalmente depois da pandemia da covid-19, não há mais tanta circulação na região.
Para a proprietária de uma famosa loja de instrumentos musicais e artigos de turismo, Maria del Carmen, de 71 anos, as vendas estão difíceis por causa do baixo fluxo de pessoas. "Só tem poucas lojas abertas aqui perto de mim. Não tem público passando, o que torna tudo mais difícil. Piorou muito com a pandemia", declarou.
"Muita coisa não retornou, os escritórios fecharam, funcionários estão em casa, tudo isso tirou o público que circulava pela rua. As pessoas vêm duas vezes no máximo por semana. As contas aumentaram, as mercadorias aumentaram, como faz para pagar tudo sem vender?", indagou. "Eu acho que tinham que fazer alguma coisa para atrair o público para cá, precisa ter gente aqui. As pessoas estão fugindo do Centro, ninguém vem aqui tirando o pessoal que trabalha. Muitos fatores alimentam esse esvaziamento, como o meio de transporte, que mudou, a violência, entre outros".
Mesmo com as dificuldades, Carmen não desanima e acredita que a situação pode melhorar. "Eu nunca pensei em fechar a loja, mesmo com tudo isso acontecendo. Continuo lutando firme, com a graça de Deus", finalizou.
O cinema mais antigo do Rio, o famoso Cine Íris, que já foi palco de gravações de filmes como "Gonzaga: de pai para filho" e de shows, como da banda Los Hermanos, também foi afetado pela crise. Inaugurado em 1909, o ponto já foi teatro e, por volta dos anos 50, começou a exibir filmes de bangue-bangue, depois passou pelo kung-fu, pela pornochanchada e, no final dos anos 1970, optou por filmes pornô franceses.
O sócio-gerente do cinema explicou que o movimento caiu cerca de 60% depois da pandemia, mas já havia diminuído por causa do baixo fluxo de pessoas. "Depois da pandemia, ficamos seis meses fechados por causa das restrições, de março até setembro. Quando reabrimos, o movimento não voltou", afirmou Raul Pimenta. "O esvaziamento do Centro em geral tem afetado muito. Há muitas lojas vazias aqui na Rua da Carioca. Antes da quarentena isso estava acontecendo já, inclusive. Muitos comerciantes não tiveram condições de continuar pagando o aluguel e fecharam".
Para manter o estabelecimento funcionando, Raul teve que demitir funcionários. Antes, havia nove trabalhando, hoje são apenas três. "A gente está se mantendo com essa queda, mas vamos levando. É um dia após o outro", concluiu. "Temos uma rotatividade de clientes, mas diminuiu muito. É um problema geral. Não para de fechar loja por aqui", acrescentou. Segundo ele, os filmes continuam com seus horários fixos normais, mas não há lotação.
O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio do Rio de Janeiro (SindilojasRio), Aldo Gonçalves, afirmou que a Rua da Carioca é um exemplo da decadência do Centro e, a causa principal desse problema, além da violência, é o excesso de ambulantes e moradores de rua. "Isso tudo afugenta as pessoas. As lojas fecham, ninguém quer vir para cá. Piorou na pandemia, mas nada foi feito e nada tem sido feito para recuperar o Centro do Rio. A Rua da Carioca é um belo exemplo desse abandono que está a região. Já tentamos de tudo, recorremos às autoridades, principalmente as municipais, mas ninguém atende. Prometem e não fazem nada", pontuou.
A tradicional Casa do Choro continua recebendo público para os shows, no entanto, o horário teve que ser mudado para mais cedo, a partir das 19h, por causa da violência. A casa abriu o ano inteiro e, em alguns momentos, chegou a lotar. No entanto, por causa da falta de movimento na rua, o horário precisou foi alterado. Para promover uma melhor segurança do público, a casa contratou um segurança para ficar na porta em dias de shows noturnos. Quem quiser conhecer o espaço durante o dia, precisa agendar um horário.
A diretora e musicista da Casa do Choro, Luciana Rabello, acredita que, antes mesmo da pandemia, as lojas da Carioca começaram a fechar. "Não foi apenas a quarentena que fez isso. Os lojistas não estavam dando conta de manter seus estabelecimentos funcionando por causa dos aluguéis que aumentaram. Depois, com a pandemia, foi o tiro de misericórdia, né? Agora a gente não conta as lojas fechadas, mas sim as abertas", disse.
Segundo a musicista, a casa ficou fechada apenas durante a pandemia, mas se manteve viva nas plataformas online. "Fizemos um esforço imenso para manter as coisas funcionando em ambiente virtual e foi isso que nos salvou. Uma equipe de professores de excelência, pessoas comprometidas com o trabalho que fez a casa não morrer", acrescentou.
O diretor da Escola de Música Villa-Lobos, José Maria Braga, disse que o poder público abandonou o primeiro corredor cultural do Centro, que é a Rua da Carioca. "Essa rua virou um erro porque agora passa carro, ônibus, tudo. Acabaram com o comércio aqui. A pandemia evidentemente ajudou, mas antes dela já estava acontecendo esse processo de esvaziamento da rua e fechamento das lojas", declarou. "Os aluguéis subiram muito depois que o Opportunity comprou e o reajuste no valor ficou impraticável para muita gente. As prefeituras, tanto da época do Crivella quanto agora do Paes, não propuseram absolutamente nada para transformar a região", completou.
Para Braga, os arredores da Rua da Carioca são pedaços privilegiados, recheados de cultura e patrimônios. "O poder público abandonou essa região. Aqui não tem nada, não tem policiamento nem iluminação direito. Quando as peças de teatro acabam ou os concertos aqui da escola terminam, as pessoas ficam com medo de ir para casa por causa da violência e pelo horário, geralmente à noite. Não há proposta, eles só enrolam a gente. Não há guarda municipal aqui, nenhum tipo de segurança. Agora estão invadindo as lojas fechadas também. Um caos", acrescentou.
José explicou que antes a escola de música fechava às 22h mas, por causa do medo e da insegurança, precisou antecipar uma hora, encerrando as atividades às 21h.
Para Braga, os arredores da Rua da Carioca são pedaços privilegiados, recheados de cultura e patrimônios. "O poder público abandonou essa região. Aqui não tem nada, não tem policiamento nem iluminação direito. Quando as peças de teatro acabam ou os concertos aqui da escola terminam, as pessoas ficam com medo de ir para casa por causa da violência e pelo horário, geralmente à noite. Não há proposta, eles só enrolam a gente. Não há guarda municipal aqui, nenhum tipo de segurança. Agora estão invadindo as lojas fechadas também. Um caos", acrescentou.
José explicou que antes a escola de música fechava às 22h mas, por causa do medo e da insegurança, precisou antecipar uma hora, encerrando as atividades às 21h.
Bar Luiz não aguentou
Um dos locais mais simbólicos da cidade na Rua da Carioca também fechou as portas. De acordo com a proprietária do Bar Luiz, Rosana Santos, o estabelecimento fechou após a declaração de falência judicial. Com a pandemia, o fluxo de clientes foi diminuindo, chegando a apenas quatro consumidores por dia. "Não faturávamos nem o valor para cobrir os custos da abertura diária da casa. Quando veio o segundo lockdown, já não tinha mais como reabrir o bar por falta financeira", explicou. "Não tinha como planejar venda, movimento para cobrir despesa nem propor quitação. Então, o juiz achou por bem decretar falência, afinal, era nossa única saída", completou.
Rosana acredita que a inversão de mão do trânsito foi uma péssima alternativa para a Rua da Carioca e para os comerciantes. "A rua já vem sem movimento desde o primeiro lockdown. Começou a ter uma onda de assaltos pequenos, que acontecia muito e tudo isso foi fazendo com que a região ficasse com uma imagem ruim. Hoje está como está".
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