Cabe a Lula não só tratar os problemas internos, mas ser um negociador global das questões ambientais e climáticas, e oferecer voz de liderança para os países do SulEVARISTO SA / AFP
Publicado 26/12/2022 01:00
Durante o anúncio de boa parte dos novos ministérios, na última quinta-feira (22), o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez questão de destacar que ainda há 16 nomes do time para serem definidos. A sinalização não foi aleatória. O futuro governo vem sendo cobrado pela indicação de pessoas que representem a frente ampla que o elegeu, em especial, pela definição de qual será o papel de Simone Tebet (MDB). A senadora foi uma importante aliada de Lula no segundo turno, mas também causa incômodo em parte do Partido dos Trabalhadores, que teme projetá-la demais para a eleição de 2026.
Entre as opções que surgiram para esses encaixes veio o Ministério do Meio Ambiente. Também estariam na disputa pela pasta outros nomes do cenário político, como o da deputada eleita e ex-ministra Marina Silva (Rede-SP), o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Jorge Viana (PT), ex-governador do Acre.
Diferentemente do início dos anos 2000, quando Lula assumiu o país pela primeira vez, as questões ambiental e climática são hoje parte estratégica do legado do futuro governo. Não só pelos desmontes provocados pela desastrosa e retrógrada gestão de Jair Bolsonaro (PL) nas áreas, mas pelo impacto e interesse do mundo quanto ao papel do Brasil no tema.
O Ministério do Meio Ambiente não pode ser tratado como moeda de troca partidária nem como prêmio de consolação para quem ficou sem cargo. A comunidade internacional festejou a eleição de Lula, pela representatividade e respeito que o presidente eleito conquistou no mundo. Cabe ao líder brasileiro não só tratar os problemas internos, mas ser um negociador global das questões ambientais e climáticas, auxiliar no desenvolvimento de nações vizinhas e oferecer voz de liderança para os países do Sul.
Não é só o Fundo Amazônia que está em jogo. O mercado de crédito de carbono pode movimentar até US $100 bilhões e gerar 8,5 milhões de empregos até 2050, segundo dados da consultoria WayCarbon. A pesquisa cita ainda que o Brasil tem condições de atender até 37,5% da demanda mundial do mercado voluntário (empresas em geral) e até 22% da demanda de países que devem cumprir metas em acordos globais até 2030. São potenciais clientes nossos economias como Estados Unidos, Japão, Austrália, Coréia do Sul e alguns países da União Europeia. 
É preciso ainda explorar melhor o potencial oceânico, aumentar as áreas de reflorestamento e de restauração de ecossistemas, mas, principalmente, acabar o desmatamento ilegal, um dos temas de maior retrocesso nos últimos anos. Foi no segundo mandato do então presidente Lula e no primeiro de Dilma Rousseff que o Brasil chegou aos índices mais baixos de desmatamento amazônico. O recorde negativo foi registrado em 2012, na gestão da então ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira. Funcionária pública de carreira e filiada a nenhum partido político, apresentou o Plano Nacional de Produção e Consumo Sustentáveis e conduziu as negociações do Novo Código Florestal. Ela ainda participou da organização da Rio+20, fez parte e liderou as negociações do Protocolo de Nagoya e da Convenção de Minamata, presidiu o Grupo mais complexo de negociação do Acordo de Paris. Já fora do Governo, foi eleita para o cargo de co-presidente do Painel de Recursos Naturais da ONU (Organização das Nações Unidas), dentre outros Conselhos Internacionais.
Os espaços devastados de forma clandestina são hoje inimigos para que o Brasil seja a maior autoridade sustentável do mundo. Ao passo que muitas nações desenvolvidas produzem carbono como resultado da atividade industrial, que gera crescimento econômico, nós lançamos gases causadores do efeito estufa na atmosfera com a prática criminosa, que traz zero contrapartida econômica e social para nós. A Amazônia detém a menor participação no PIB nacional e os menores índices de IDH do Brasil.
Nas décadas de 1960 e 1970, a industrialização obrigou o país a decidir que futuro queria para si. O desenvolvimento demandava energia e era preciso escolher se ficaríamos na dependência dos combustíveis fósseis importados de outras nações ou se buscaríamos um modelo de autossuficiência. A segurança energética e a integração do sistema nacional de energia fundamentam a visão e os interesses brasileiros em torno de sua matriz energética. Começou assim o grande investimento nos recursos naturais que tínhamos em abundância, primeiramente na construção de hidroelétricas e no uso da biomassa e, mais recentemente, em energia eólica e solar. Da mesma forma, o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) surgiu como uma alternativa à crise mundial do petróleo, que encareceu demais o custo dos combustíveis por aqui.
O avanço dos estudos científicos, que comprovaram o impacto do homem como agente causador do aquecimento global, serviu também para mostrar que as escolhas feitas há 50 anos deixaram o Brasil com ampla vantagem na corrida pela economia verde, sustentável e de baixo carbono. Quando ainda nem se sabia ao certo a dimensão e os impactos das mudanças do clima, as escolhas — motivadas por razões financeiras — e os esforços brasileiros no uso de fontes renováveis de energia acabariam por conferir ao país trajetórias alinhadas com os desafios contemporâneos impostos pela crise climática.
Agora, novamente é o momento de decidir para onde vamos. Desta vez, com o saber da ciência mais preciso, podemos tomar decisões mais conscientes. Não adianta olharmos para problemas do presente sem pensarmos se as soluções de agora são viáveis no amanhã. Não resolve querer um país melhor para as futuras gerações se não criarmos as condições necessárias para que elas existam.
Enquanto os países do Norte estão em guerra, seja ela ideológica, econômica ou bélica, caberá a Lula e sua capacidade de dialogar com as mais diversas correntes sentar e apaziguar os conflitos que impactam a vida na Terra. É o próprio presidente, com o reconhecimento mundial e a força de mais de 59 milhões de votos recebidos, quem deve recolocar o Brasil nas mesas de discussão internacionais. Os temas ambiental e climático oferecem ao país a expressão internacional de soft power não somente pelas trajetórias da Rio-92 à Paris (2015), mas também pela possibilidade de estabelecer novas trajetórias com base em soluções e solidariedade com o mundo no enfrentamento à tripla crise ambiental planetária.
O novo governo precisa de uma regência climática contemporânea, subordinada à Presidência da República e que dialogue com todas as pastas simultaneamente para um projeto de país sustentável, inclusivo, mais justo e de descarbonização da sua economia. É como acontece em países como França, Inglaterra e Estados Unidos. Ou seja, para tratar questões, por exemplo, do combate à fome e da erradicação da pobreza, mas que a insegurança alimentar não retorne mais às mesas do brasileiro. Para fazer a planta industrial nacional voltar a crescer, mas sem que essas atividades sejam inviabilizadas no futuro. Não se trata de uma estrutura para executar projetos, mas para orquestrar o governo de forma que todos os segmentos estejam afinados com as melhores práticas sustentáveis e de baixo carbono internacionais. Um órgão com status ministerial, mas que ao mesmo tempo não concorra com as demais pastas. Uma autoridade fora do guarda-chuva do Ministério do Meio Ambiente, uma vez que interferirá em todas as áreas do governo, da economia à agricultura, passando por Saúde, Cidadania e Educação. Por isso mesmo, deve ser liderada por um nome técnico, respeitado dentro e fora do país, com capacidade de abrir portas e dialogar com todos os atores internacionais. Alguém da extrema confiança do presidente e de currículo reconhecido, um quadro que passe longe das trocas de favores da política e sem interesse pelos holofotes.
O Brasil precisa de um novo pacto político sobre o seu futuro e a sua democracia. É importante trabalhar duro para superar os atrasos impostos pelo governo atual. Por outro lado, é preciso que as soluções a serem implementadas nos próximos quatro anos possibilitem aos brasileiros e ao mundo um futuro melhor, menos vulnerável ao risco climático, mais justo e mais feliz. As soluções de um mundo mais digno e democrático e que tem a natureza como uma aliada dos processos de desenvolvimento e de redução das desigualdades passa pelo Brasil, pela nossa ciência, pelo nosso povo.
Se Lula conseguir devolver o protagonismo brasileiro nesta área, ele termina o mandato como forte candidato ao Prêmio Nobel da Paz. A honraria seria merecida pela pacificação de conflitos que hoje podem significar a continuidade ou não da vida na Terra. E para nós, brasileiros, seria a certeza de que estamos criando um país verdadeiramente desenvolvido e contemporâneo. É hora de sermos felizes e de ajudar o mundo a ser feliz.
* Thiago Calil, editor do IG
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