Chico Buarque se apresentou no Vivo Rio, na Zona Sul da cidade, contando com a linda voz de Mônica SalmasoArte de Kiko com fotos de Ricardo Nunes/ Divulgação
Publicado 05/02/2023 09:00
Tenho um roteiro íntimo e bem particular ao me preparar para um show. Falando assim, até parece que sou eu a artista. Mas é no papel de espectadora que sigo o meu ritual antes de um encontro musical. Dias antes do espetáculo, começo a ouvir mais intensamente a voz que estará ecoando pertinho dos meus ouvidos no tão sonhado momento. Afinal, vejo a oportunidade de escutar a arte como um grande evento. Com a poesia única de Chico Buarque não foi diferente. Ela monopolizou o meu aplicativo de música às vésperas do show 'Que tal um samba?', no último domingo, numa casa de shows da Zona Sul do Rio.
No sábado, então, os seus versos viraram os meus companheiros fiéis. De folga em casa, resolvi limpar um par de tênis com uma escovinha e passei a ouvir mais uma vez o repertório de Chico. E parei em 'Sob Medida', composta por ele para o filme 'República dos Assassinos', em 1979: "Se você crê em Deus/ Erga as mãos para os céus/ E agradeça/ Quando me cobiçou/ Sem querer acertou/ Na cabeça..." Ri sozinha tentando imaginar se alguém já teria escutado as suas canções naquela cena tão corriqueira da vida. Mas acredito que não é o cenário que determina o momento em que ouvimos as suas poesias. E, sim, a alma.
No dia seguinte, rumei para o show com o coração sintonizado nas melodias que dão graça à vida. E, já no trajeto para a casa de espetáculos, seu Luiz, motorista do serviço de aplicativo, se revelou um fã do músico. Ele puxou papo assim que viu o destino da corrida e confirmou que somos todos íntimos do compositor: "É para o show do Chico, né?" Em seguida, contou que já havia conferido a apresentação ao lado da filha. E se despediu de forma bem original: "Não vou nem desejar bom show porque é bom mesmo!"
Seu Luiz já sabia e eu também, lá no íntimo, que aquela noite seria especial. Na primeira fila, a presença de Milton Nascimento arrancou aplausos de reverência. Com as luzes da plateia apagadas e as do palco iluminando a arte, a linda voz de Mônica Salmaso nos deu as boas-vindas e a certeza de que "Todos juntos somos fortes/ Somos flecha somos arco/ Todos nós no mesmo barco/ Não há nada para temer".
Quando entrou em cena, Chico confirmou o quanto é único: pelas poesias escritas, pelo charme, pelo talento inigualável. Em determinado momento do espetáculo, inclusive, disse que já aprendeu a lidar com vários tipos de comentários na Internet, mas jamais aceitará os boatos de que ele compra as próprias músicas. E quem poderia acreditar nisso? Chico virou marca registrada ao traduzir os encontros e desencontros do amor, nos fazendo cantar com ele num pacto harmonioso. Como o de quem já se sentiu 'Injuriado': "Não alimentei o seu gênio ruim/ Você nada está me devendo/ Por isso, meu bem, não entendo/ Por que anda agora falando de mim".
Só ele nos dá a paz em tempos tão acelerados nos versos doces de 'Futuros Amantes': "Não se afobe, não/ Que nada é para já/ O amor não tem pressa/ Ele pode esperar em silêncio/ Num fundo de armário/ Na posta-restante..." Como diz uma amiga, dá para imaginar exatamente os escafandristas e uma cidade submersa. A poesia de Chico paira dentro de nós. Talvez seja por isso que a gente mergulhe nas suas canções a qualquer hora, nos momentos mais corriqueiros da vida.
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