Sobreviventes do Morro da Oficina com frequência voltam ao local onde ficavam suas casas e restaram apenas destroços.Divulgação
Publicado 15/02/2023 13:59
Há um ano a cozinheira Cristiane Gross saía de sua casa, no Morro da Oficina, em Petrópolis, para trabalhar. Como sempre fazia, deixou café da manhã pronto para a família e se despediu da filha mais nova e do neto, que pediu um doce para a avó quando está retornasse para casa. O doce foi comprado, mas jamais entregue. A casa de Cristiane foi uma das 54 destruídas na queda de barreira ocasionada pelo temporal que atingiu a cidade naquele dia. Ela perdeu nove familiares, entre os quais uma bebê de apenas 17 dias de vida.

Em 15 de fevereiro de 2022, a Cidade Imperial de Petrópolis era atingida por uma das maiores catástrofes climáticas já registradas no Brasil. O temporal que começou no fim da tarde e continuou naquela noite de 15 de fevereiro provocou inundações, quedas de barreiras e um rastro de destruição que até hoje pode ser visto nas ruas. Ao todo, 241 pessoas perderam a vida, sendo que duas seguem desaparecidas até hoje. Famílias quase inteiras foram dizimadas no trágico dia.

Cristiane perdeu a filha, um neto, a sogra, a mãe de criação e cinco sobrinhos, entre os quais um bebê de 17 dias. Toda semana ela sobe os escombros do morro até o local onde ficava sua casa e fará o mesmo hoje. Junto com a saudade dos que se foram, o sentimento em seu coração é o de revolta com o poder público.

- Hoje completamos um ano de abandono e descaso. Uma briga entre estado e município e nada foi feito, estamos numa cidade colapsada e abandonada pelo poder. E o povo no meio disso tudo com suas dores e perdas, Eu perdi nove pessoas. A saudade estará sempre presente, mas a revolta é muito grande, muito mesmo - desabafou.

Assim como Cristiane, o metalúrgico aposentado Antenor Alcântara, de 64 anos, sofreu uma perda avassaladora. Ao todo, 10 familiares seus morreram no dia da queda de barreira, mas as perdas não pararam por aí. Sua irmã, Lurdes Alcântara sobreviveu, mas perdeu dois filhos e um neto. Devastada pela perda, ela entrou em depressão e morreu em junho do ano passado.

- É um ano completo de tristeza. Eu perdi 10 familiares, mesmo que fosse um já seria uma tragédia, mas foram 10. Pessoas que eu via todos os dias, com quem eu celebração festas, passava os Natais e viradas de ano. Eu estou aqui aguardando uma solução para tudo isso, mas minha irmã não aguentou. Eu a vi adoecer e definhar. A tragédia seguiu para a gente todos os dias. Por fim, ela não aguentou de tristeza e se foi - contou.

Nesta quarta, a Prefeitura de Petrópolis está organizando atos para relembrar as vítimas da tragédia, mas os sobreviventes do Morro da Oficina não querem saber de ações do governo. Eles mesmos organizaram seu ato de protesto, marcado para as 15h. O grupo sairá da Praça da Inconfidência e caminhará até a Câmara Municipal usando roupas pretas em luto pelos mortos.

- Não queremos nenhuma relação com Prefeitura e Governo do Estado. Nós vamos fazer nosso para homenagear todos que se foram e pedindo nossas reivindicações, que são moradia, aluguel social e as obras de prevenção a outra tragédia - afirmou Cristiane.

Obras em andamento

Em dezembro passado, a Justiça chegou a bloquear R$ 2 bilhões das contas do governo do estado que seriam destinados a obras na cidade, mas pouco depois a liminar do juiz da 4ª Vara Cível de Petrópolis, Jorge Luiz Martins Alves, foi cassada pelo presidente do TJRJ desembargador Henrique Carlos Figueira atendendo a um recurso da Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ).

Em nota, a Prefeitura de Petrópolis informou que chegou à marca de 129 obras de grande e médio porte na cidade desde 2022. Dessas, 48 foram concluídas, enquanto outras 41 estão em andamento, e as outras 40 em processo de licitação. Desse total, são 86 intervenções de contenções de áreas com risco de queda de barreiras.

Dois seguem desaparecidos

Enquanto a maioria das famílias vive o processo do luto após enterrarem seus mortos, duas seguem em uma angústia sem fim. Heitor dos Santos, de 61 anos, e Lucas Rufino, de 20, seguem desaparecidos há um ano. O primeiro estava em um dos ônibus arrastados na Avenida Washington Luis após o transbordamento do Rio Piabanha, em uma das cenas mais marcantes da tragédia. Apesar das buscas, ele jamais foi encontrado.

Já o caso de Lucas é mais dramático. Morador do Morro da Oficina, seu corpo teria sido encontrado e identificado por parentes e moradores que fizeram as primeiras buscas após o deslizamento. No entanto, jamais chegou ao instituto médico-legal. Um outro corpo chegou a ser entregue a família, mas exames mostraram que não se tratava do rapaz. A família segue sem respostas.
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