Publicado 31/03/2023 19:26 | Atualizado 01/04/2023 11:55
Rio - A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) celebrou, nesta sexta-feira (31), um dos grandes nomes do jornalismo carioca, especialmente da crônica policial. Luarlindo Ernesto, de 79 anos e 65 deles dedicados à profissão, chegou sorridente para receber uma nova homenagem no encerramento da Primeira Semana Nacional do Jornalismo. Entre idas e vindas, Luar, como é conhecido, acompanha a história do DIA desde 1974 e está em sua terceira passagem pelo jornal - esta ininterrupta há 30 anos. Vencedor de três Prêmios Esso, ele comemora Bodas de Ferro na atividade - um casamento que deu mais que certo e uma história que se entrelaça a sua própria.
Dono de um bom humor incomparável, Luar sentou nas primeiras fileiras para acompanhar a mesa de debate que abriu as homenagens. Ao ser chamado de "senhor", logo rebateu: "Senhor está no céu".
A pauta, a "Conjuntura nacional e os desafios da comunicação", analisou o contexto político brasileiro. Os mediadores comentaram sobre os impactos das fake news no noticiário e outras dificuldades do jornalismo atual. Para Luar, a profissão ainda apresenta desafios semelhantes, como as outroras "cascatas" - termo usado para falar sobre as notícias falsas veiculadas na imprensa. Como bom contador de histórias, ele citou uma de memória para exemplificar.
"As fake news tinham outro nome na época que comecei. Eram chamadas de cascata. Quer saber de um exemplo? Um sujeito apareceu morto do lado do carro em um subúrbio, de madrugada. Não tinha ferimento, não tinha nada. O repórter que chegou lá de madrugada pegou a biqueira do guarda-chuva e fez dois furos no cadáver. E aí começou o mistério. Um assassinato 'com dois tiros no peito', mas no IML não encontraram a bala. O laudo do IML explicou que o cara morreu por ataque cardíaco", contou o jornalista.
Eterno aprendiz
Prestes a completar oito décadas de vida, Luarlindo relembrou ainda os desafios ao começar na profissão, cujos aprendizados carregou para as redações, especialmente no DIA.
"As dificuldades geralmente são as mesmas. Só mesmo na vida prática que você vai fazer jus ao seu diploma. Na minha época, não tinha faculdade de jornalismo. Eu comecei quando tinha 14 anos de idade, em 1958. Eu fui direto para a redação e para a prática, fazendo corrida por telefone de madrugada, procurando notícia para o jornal. É diferente pra caramba. Eu tive que aprender tudo, por não ter faculdade na época, em um empurrão ali na hora o que é o jornalismo. E as malícias e as malandragens que eu uso até hoje. Até hoje eu estou aprendendo, sou um eterno aprendiz. Não abandonei o dia-a-dia", disse.
Satisfeito com a homenagem, o jornalista afirmou que está feliz por continuar contribuindo com o jornal. Para ele, isso é o mais importante, apesar de ainda sentir falta do "barulho" das redações, já que está trabalhando de casa.
"Nessa vida de jornal eu trabalhei em todas as editorias. Tem umas que nem existem mais. Peguei esporte, política, religião, cartas do povo. Só não trabalhei no turfe porque não entendo nada de corrida de cavalos. Tive prêmios, mas a gente não liga para isso. Até hoje eu trabalho. Não sou famoso e fico na minha. Eu e os companheiros escolhidos para essa homenagem estamos satisfeitos. Ainda não parei de trabalhar", completou Luar.
O evento também homenageou os jornalistas Ana Arruda Callado, Arnaldo César Ricci (in memorian), Fichel Davit Chargel, Ivan Proença, Jan Rocha, João Batista de Freitas, João Máximo, José Augusto Ribeiro, José Hamilton Ribeiro, José Trajano, Milton Temer, Muniz Sodré e Sylvia Moretzsohn.
História
Luarlindo Ernesto teve o seu primeiro emprego no jornal Última Hora aos 14 anos. Na época, ele fazia ligações para as delegacias durante a madrugada para 'caçar' pautas. Depois de uma passagem pelo Exército, ele foi admitido, aos 19, como repórter e cuidava do que acontecia no Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon. Esse foi o primeiro passo para veículos maiores.
"Eu passava as notícias que ali surgiam como acidentes, crimes e roubos com vítimas. Mas eu abordava um lado diferente. Não me limitava ao fato acontecido. Eu ia atrás da notícia, quem era quem, o motivo, como vivia as pessoas que ali estavam. Isso despertou o interesse da chefia de reportagem que me puxou para a redação onde fiquei até 1965, quando o golpe militar provocou o bloqueio econômico do jornal. Fui pro Globo, trabalhei muitos anos e consegui um emprego no O DIA, a primeira de uma série de três passagens", contou.
Luar relembrou que trabalhou em vários veículos do estado. No Jornal do Brasil, ele ganhou dois prêmios Esso por equipe. Um pelo trabalho realizado na cobertura do Atentado ao Riocentro, em 1981, e outra por uma série de reportagens que o jornal fez com três repórteres morando em comunidades do Rio contando como a vizinhança vivia e sua realidade.
O jornalista aproveitou para valorizar a experiência adquirida na sua carreira e convidou os presentes na homenagem a prestigiar o seu trabalho diário no DIA, além da sua coluna que sai todos os sábados.
"A cada dia aprendemos coisas diferentes. Foi assim que o jornalismo deixou de ser o boêmio e irresponsável para ser um jornalismo justo, digno, profissional e muito honesto. A minha experiência me fez ser o que sou hoje, ainda trabalhando mesmo após a idade avançada. Trabalho diariamente no DIA. É a terceira passagem por esse jornal. Ainda tenho uma coluna semanal aos sábados chamada 'Histórias do Luar', que eu convido a todos a darem uma espiadinha por curiosidade para verem as histórias do dia a dia do carioca do esperto, do otário, o que é a nossa vida. É bom lembrar que nesse jornalismo atual e sério, nós somos os ouvidos e os olhos da nação", completou Luar.
*Reportagem do estagiário Fred Vidal, sob supervisão de Thiago Antunes
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