Publicado 05/04/2023 08:52
Rio - Uma operação da Polícia Militar terminou com 21 presos nesta quarta-feira (5), no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio. Destes, 16 tiveram a identidade revelada e oito deles têm mandados de prisão em aberto.
De manhã, para escapar da ação da polícia, bandidos invadiram um Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), na favela Nova Holanda. Em imagens que circulam nas redes sociais, é possível ver que dois veículos blindados do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) entraram na escola. Disparos também são ouvidos e houve correria e pânico entre alunos e professores.
Os criminosos ficaram encurralados na escola e, segundo a PM, eles teriam ordenado que a população local fosse até lá para evitar a prisão. "Houve necessidade de uso de equipamentos de menor potencial ofensivo para coibir princípio de distúrbio civil", disse a corporação. As prisões ocorreram após uma negociação com os suspeitos. "Infelizmente, para fazer a condução dos presos à delegacia, veículos blindados precisaram entrar no terreno da unidade escolar para a retirada dos indivíduos", informou a corporação.
A PM informou ainda que, de acordo com o comando do Bope, não havia aula no Ciep no momento da invasão. Além dos presos, o Bope apreendeu, até o momento, três fuzis, quatro pistolas, nove granadas, cinco rádios transmissores e, aproximadamente, três quilos de maconha. O material foi encaminhado para a 21ª DP (Bonsucesso), para onde familiares dos suspeitos detidos também foram.
A operação desta quarta-feira teve o objetivo de verificar o paradeiro e capturar criminosos de outros estados que estariam escondidos na região. Dezesseis pessoas foram presas de manhã e mais cinco foram detidos pelo Bope durante a tarde, sendo um deles do estado do Mato Grosso. Com eles, dois fuzis, uma pistola e três granadas foram apreendidos.
Ao todo, 21 unidades da rede municipal foram impactadas na Maré. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME), 7.491 estudantes foram afetados. Duas escolas da rede estadual também tiveram as aulas suspensas. "A preservação da integridade de nossos alunos e servidores é uma prioridade", informou a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc).
A Secretaria Municipal de Saúde informou ainda que a Clínica da Família (CF) Jeremias Moraes da Silva acionou o protocolo de acesso mais seguro e, para segurança de profissionais e usuários, suspendeu o funcionamento. Já a CF Diniz Batista dos Santos mantém o atendimento à população, mas suspendeu as atividades externas, como as visitas domiciliares.
O governador do Rio usou as redes sociais para parabenizar a ação da PM. "Na manhã de hoje, policiais do Bope prenderam 16 integrantes de uma facção criminosa no Complexo da Maré e apreenderam fuzis, pistolas, granadas e drogas. Para tentar escapar, os suspeitos invadiram uma escola na comunidade, de onde foram retirados pelos policiais. Parabéns ao Bope pelo trabalho de inteligência que levou à identificação, localização e captura dos criminosos!", escreveu Claúdio Castro.
Imagem emblemática
Para o professor de sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), Daniel Hirata, as imagens da invasão ao Ciep são um retrato da maneira como operações policiais mal planejadas afetam o cotidiano de moradores de comunidades como a Maré, que tem mais de 140 mil habitantes. Segundo ele, o episódio deveria servir para que as autoridades repensem o modelo de segurança pública adotado atualmente.
"O que nós vimos hoje foi uma imagem emblemática de como as operações policiais afetam a rotina dos moradores de favelas e periferias do Rio de Janeiro de forma multidimensional, não só do ponto de vista das mortes, mas dos impactos sobre educação, saúde, trabalho, que é o cotidiano dessas pessoas. É uma imagem chocante, me parece que em qualquer lugar do planeta esta seria uma imagem que repercutiria para que a gente pudesse repensar um certo modelo de segurança pública que tem se concentrado, sobretudo, em ações bélicas e militarizada, sem levar em consideração a vida dos moradores", afirmou o prefessor.
Hirata lembrou da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, que ficou conhecida como ADPF das Favelas, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determina uma série de cautelas que devem ser respeitadas durante operações policiais, tais como a proteção do perímetro escolar e das unidades de saúde, aviso às autoridades de Saúde e Educação, entre outras, para minimizar os impactos à população que vive em áreas conflagradas por grupos armados, não só relacionados à letalidade, mas a todo a rotina dos moradores.
"Esses impactos sobre as pessoas vão muito além das mortes que acontecem nas operações policiais. Nós temos impactos de dias de aulas perdidos, de consultas que, por vezes, demoram meses para serem remarcadas, fora a impossibilidade de simplesmente ir trabalhar. É evidente que, por vezes, as operações são necessárias, mas é necessiário, e o STF já se pronunciou com relação isso, que elas sejam feitas de forma segura. São todas medidas para que a gente possa reduzir o impacto dessas operações para a vida das pessoas que moram nesses lugares", disse o especialista, que afirmou a necessidade de maior planejamento para essas ações.
"É fundamental que o Governo do Estado mobilize suas secretarias para que elas possam conversar, tem que ter uma maior comunicação das autoridades de educação, por exemplo, com as autoridades policiais, não dá para a gente imaginar que uma coisa não se relaciona à outra. Parte do problema dramático do Rio de Janeiro que se expressa, por exemplo, na contabilização de crianças mortas em operações policiais, tem a ver com essa ausência de cautelas", completou.
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