Publicado 23/04/2023 09:00
Minhas visitas constantes ao passado não escondem que sou canceriana. Nasci assim, sob o signo da nostalgia e da saudade. É uma característica tão forte em mim que fica evidente na escrita. Minhas palavras percorrem o presente, mas inevitavelmente vão lá atrás e voltam para me mostrar de onde vim e o que já vivi até aqui. É algo tão natural que acontece em diversos momentos, como numa quinta-feira de folga, quando saí de carro de Caxias, no início da noite, para ir ao teatro no Centro do Rio.
O trajeto foi o meu preferido: um vaivém de memórias. Era hora do rush e observei pessoas encerrando mais um dia de batente, num itinerário que já fiz várias vezes nos tempos de trabalho presencial. Achei curioso, aliás, ver um percurso tão familiar sob outra perspectiva. Enquanto o caminho do Rio até a Baixada estava congestionado, eu pegava a pista livre no sentido contrário. Já chegando ao Centro, reparei em pessoas esperando no ponto de ônibus e imaginei que aguardavam o transporte de volta para casa. Também vivi a mesma cena durante anos, carregando na bolsa os potes de marmita já vazios. É incrível também como a gente se reconhece no outro, por mais que sejamos todos diferentes.
Ainda no carro, avistei o tradicional relógio da antiga Mesbla, na Rua do Passeio, iluminando aquela região como um belo farol para as minhas memórias afetivas. Na infância, eu costumava ir à famosa loja de departamentos com a minha saudosa mãe — e essa é uma daquelas histórias que eu irei repetir infinitas vezes sempre que eu passar por lá.
Parei o carro em um estacionamento subterrâneo e, enquanto subia as escadas em direção à rua, senti um cheiro familiar anunciando a presença das barraquinhas de cachorro-quente e salsichão nas redondezas. Mais pessoas recém-saídas do trabalho circulavam por ali. Antes de seguir para o teatro, ainda passei em uma loja e achei graça do diálogo animado de quem trabalhava ali. Uma funcionária falava sobre signos e, curiosamente, comentou sobre a dramaticidade do ex-namorado canceriano! Realmente, tenho que admitir que somos assim.
Chegou, enfim, a hora de entrar no Teatro Riachuelo, onde o pipoqueiro e o antigo letreiro 'Cine Palácio' são mantidos fielmente na entrada. Logo o sinal tocou, avisando que o espetáculo da 'Barca dos Corações Partidos' não demoraria a começar. Já acomodada no lugar, recordei o tempo em que os lanterninhas guiavam as pessoas até os seus assentos nos cinemas. Aliás, recordar é um verbo que conjugo muito, na prática mesmo. Realmente me faz bem viver o presente guiada pela luz do que já aconteceu. É algo que me traz clareza. É como ver o relógio da Mesbla e constatar que essas memórias ainda me fazem andar de mãos dadas com a minha mãe.
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