Publicado 30/04/2023 09:50 | Atualizado 30/04/2023 11:57
‘Você está feliz?’ A pergunta, lançada numa manhã ensolarada de domingo num parque ao ar livre, me pareceu rara. Como relíquia mesmo. Em tempos em que viver numa bolha é visto como cada vez mais confortável e seguro, desejar saber notícias sobre o sentimento do outro soa até incomum. Mesmo que você esteja diante do seu par. Não deveria, mas parece algo escasso até nos namoros. Vai muito além do ‘tudo bem?’ de praxe, que usamos para iniciar várias mensagens de uma forma cordial. Nesses casos, até respondemos de volta, da mesma maneira, mesmo que não estejamos tão bem assim. Vai muito além de apenas satisfazer o nosso ego, mas de se importar se o outro está curtindo o mesmo passeio, apesar de ser tão diferente da gente.
Enquanto recapitulava essa cena feliz, segui nas minhas andanças pelo Instagram e me deparei, num dia desses, com os Stories da Manu, que faz ilustrações para o seu filho, Lulu, entender melhor o mundo. “Temporada de exploração de sentimentos oficialmente aberta!!!”, anunciou ela. Alguns dias depois, vieram as ilustrações, mostrando diferentes emoções. Vi um boneco repleto de nuvens e, para mim, ele se tornou um sonhador. Outro, com um fogo, parecia representar a raiva. E assim, fui tentando advinhar o que simbolizavam. Na minha percepção, havia também o envergonhado, o triste, o criativo... Todos emocionados, adjetivo, aliás, que virou gíria para descrever quem é afetuoso demais no início de uma relação. E, pelo que entendi, os manuais da conquista dizem que ser um emocionado não é algo tão bom quando ainda se está conhecendo o outro.
Fico me perguntando, então, onde foram parar as paixões, os arrebatamentos e os encantos. Precisamos estipular uma medida exata nas nossas emoções para não afugentar o outro? Ainda me intriga o fato de a transparência de sentimentos assustar tanto. De certa forma, até entendo porque já fui uma pessoa que não olhava para o que eu sentia. Demorei um pouco até perceber que precisamos aceitar até a tristeza e o seu tempo de existência dentro de nós.
Hoje, no entanto, gosto mesmo de quem se afeta e se deixa afetar. Sou fã de quem pergunta se estamos felizes ou curtindo o passeio. Para mim, emocionado é quem manifesta emoções e isso é condição básica para existir e se relacionar de fato. Acho lindo quem busca notícias sobre o coração do outro, sem ficar totalmente centrado em si mesmo. Como naquela pergunta do início da crônica, que eu repito agora, certa de que um texto pode ser também um diálogo: E você? Está feliz?
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