Vitrine da tradicional loja de guarda-chuvas Vesúvio, na Rua da Carioca, fundada em 1946 por um imigrante italianoPedro Ivo / Agência O Dia
Publicado 04/06/2023 06:00 | Atualizado 04/06/2023 08:07
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Rio - Desde que o radialista, apresentador de TV e cantor de marchinhas Chacrinha (1917- 1988) inaugurou a loja Vesúvio, em 1946, que o estabelecimento conquistou seu lugar à sombra na Rua da Carioca, 35, no Centro, tornando-se um clássico do comércio do Rio, com centenas de guarda-chuvas e guarda-sóis de fabricação própria e importadas, capas de chuva e bengalas. Posteriormente, a loja incluiu acessórios para praia e piscina em sua linha de produtos.
Fundada pelo imigrante italiano Armando Lauria, que desembarcou no Rio com os pais ainda criança, o estabelecimento segue até hoje no mesmo endereço, com as vitrines de vidros extensos originais, raridades nos dias atuais. Quem entra encontra comandando tudo de perto Armando Lauria Júnior, que há 45 anos assumiu o lugar do pai, levando adiante o legado do Príncipe das Sombrinhas. Em tempo de balcão ele só não ganha de Rita de Cássia, funcionária que está há 56 anos na Vesúvio.
Os balcões de madeira jacarandá maciça e as longas vitrines traseiras, no vasto interior da loja, expõem sortidos modelos de mercadorias, de bengalas clássicas feitas com madeira de reflorestamento (mesmo produto da época da inauguração) aos guarda-chuvas coloridos da marca norte-americana Benetton, trazendo modernidade à loja, mas com o quesito qualidade ainda como o carro-chefe do negócio. Desde os tempos do pai de Armando Júnior, a proposta da empresa é que qualquer item disponibilizado tenha durabilidade de até 10 anos.
"O meu foco é a qualidade do produto. A tecelagem que fabrica os tecidos nos padrões da década de 50 e 60 continua produzindo para nós, a mesma impermeabilização e repelente. A nossa costureira, que confecciona as capas individuais, trabalha para nós há cinco décadas", contou Armando Júnior.
As diferenças que vieram com a 'nova' gestão estão na estrutura em fibra de carbono dos guarda-chuvas longos e dobráveis (eles não enferrujam e não quebram) e na linha diferenciada com guarda-chuvas e guarda-sóis personalizados para empresas ou particulares que desejam investir em um item exclusivo.
Atualmente, artistas de televisão compram no estabelecimento, que também é procurado por produção de novelas e reality shows para fabricar modelos diferenciados para aparecerem na tela.
Tema de marchinha
O ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda figura na lista dos clientes ilustres da loja, ao lado do compositor Pixinguinha e do político mineiro Juscelino Kubitschek, ex-presidente do Brasil - que adorava o fundador do empreendimento, segundo Armando Júnior. 
Já a lista de momentos marcantes tem pérolas como o lançamento da marchinha 'Vesúvio', gravada em 1952 por Chacrinha, cujos versos comparam a beleza de uma garota ao fenômeno de um vulcão:
"Essa garota é um vulcão / Deve causar até insolação / Essa garota é um vulcão / Vesúvio junto dela é sorvete de limão / Até o sol vai comprar uma sombrinha / Pra não morrer de insolação", são alguns trechos.
A canção foi encomendada pela loja, que divulgou um concurso na Revista do Rádio de novembro de 1951, com o prêmio de 5 mil cruzeiros para o compositor vencedor.
O nome escolhido para a loja tem origem no vulcão localizado em Nápoles, na Itália. A família Lauria vem de um vilarejo medieval chamado Castelluccio di Norcia, conhecido pela plantação de lentilhas e seus campos floridos por papoula, flor-de-lis e margarida, fenômeno batizado de La Fiorita, que acontece todos os anos entre maio e julho. A comuna, com menos de 50 habitantes, fica perto da cidade de Pompeia, de onde é possível partir para visitar o Parque Nacional do Vesúvio.
A loja da Rua da Carioca foi a terceira Vesúvio do Rio. A matriz surgiu em 1945, após Armando, o pai, sair do emprego na loja de chapéus e guarda-chuvas Torterolli, na Avenida Marechal Floriano, onde se destacou como funcionário e recebeu uma quantia para investir no seu próprio negócio. Como a origem de seu aprendizado estava nos guarda-chuvas, ele investiu em um comércio especializado no item na Praça Tiradentes. Fez sucesso rapidamente e, no mesmo ano, abriu uma segunda loja, na Rua Sete de Setembro, 202, também no Centro. Até que Armando e o antigo sócio desfizeram a associação e a loja da Rua da Carioca ficou com Armando. Em uma nova estrutura societária, Armando Júnior, a mãe e a irmã passaram, então, a fazer parte da empresa. A irmã de Armando, porém, é advogada e tem uma carreira fora do comércio, deixando apenas Armando com a incumbência de tocar o negócio.
Quando a loja da Rua Sete de Setembro fechou, todo o acervo foi incorporado à casa da Rua da Carioca. Na ocasião, as vitrines eram enfeitadas com móveis de madeira, um toque estético ostensivo para a época.
Em 1978, o local passou por reforma e o piso original, uma espécie de massa que imita mármore, teve que ser revestido por um piso de cerâmica que veio do Nordeste, que lembrava a cerâmica portuguesa comum nos pisos das lojas daqueles tempos.
Recentemente, Armando Júnior precisou ter resiliência para não sucumbir à onda de fechamentos de estabelecimentos centenários e clássicos da Rua da Carioca devido aos altos aluguéis cobrados por um banco, que comprou parte dos imóveis da rua em 2012. Com coragem, enfrentou na justiça o fundo imobiliário para permanecer no local e ganhou o processo, com contrato de aluguel com o preço antigo valendo por tempo indeterminado.
Tais fatos ajudam a traduzir a resistência que envolve a história da tradicional loja de guarda-chuvas e guarda-sóis da Rua da Carioca, refletindo na sua permanência, há 77 anos, em plena forma.
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