O relógio da Central do Brasil completa 80 anos como um ícone histórico para a cidadePedro Ivo
Publicado 07/08/2023 06:00 | Atualizado 07/08/2023 07:26
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Rio – São quatro os seus lados, que se revelam para direções diferentes da região central: Morro da Providência, Avenida Presidente Vargas, estação de metrô Central do Brasil e Palácio Duque de Caxias, embalando o grande fluxo de pessoas impulsionado pelo transcorrer de seus ponteiros. Com toda a sua altivez, o relógio do Edifício Dom Pedro II, conhecido como 'Central do Brasil', o maior de quatro faces do mundo, completa 80 anos não apenas marcando as horas, mas também o território do Centro e a história do Rio como símbolo arquitetônico nacional.
Muitos o chamam de 'Big Ben carioca', mas a comparação não é válida. Com engrenagem original, o relógio da Central do Brasil deixa o cartão-postal inglês no chão - são 117 metros contra 96 do prédio do parlamento britânico. Isto sem falar que ele está no topo de 21 andares, contra apenas 11 do 'colega' londrino.
À medida que se contorna o relógio por um pátio externo, no 21º andar, descobre-se uma vista de 360º do Centro e todas as suas veredas e agitação, mas a sensação é de estar bem longe dali. Somem o burburinho da cidade e o barulho dos carros, e o envolvimento fica por conta de outro som, o do pulsar dos ponteiros do relógio, visto de baixo, mas bem próximo. O equipamento é considerado de utilidade pública pela prefeitura e, à sua volta, não pode ser erguido nenhum outro prédio que encubra a visão.
O equipamento alonga-se do 21º ao 26º andar da torre, do edifício de 30 andares da Central do Brasil e é visto mesmo a quilômetros de distância. O prédio, de responsabilidade da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), é ocupado até o 8º andar pela Seap, pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSODH) e por outras unidades do governo estadual. Do 9º ao 30º, a configuração é de torre. A operação do relógio, onde estão as máquinas de comando e engrenagem, é estabelecida no 24º andar. Já os outros andares da torre são preenchidos pela operação do sistema de comunicação da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Pmerj), da Secretaria de Estado da Defesa Civil (Sedec) e da SuperVia, a concessionária de transporte ferroviário da cidade.
Tombado pelo patrimônio histórico e cultural do Rio desde 1996, o símbolo foi construído pela filial brasileira da International Business Machines (IBM), inspirado no movimento artístico art déco, e inaugurado por Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, no ano de 1943. Naquela época, era tradição acertar o relógio de pulso de acordo com o horário marcado pela torre da Central do Brasil, especialmente para não perder o trem. De lá para cá, a única modernização que precisou ser realizada foi na parte eletrônica do relógio, em 2018. O artefato mecânico é todo original. Ponteiros, marcadores e engrenagens internas, por exemplo, são os mesmos da época de lançamento. Na parte estética, a mudança ficou por conta das lâmpadas dos ponteiros e dos marcadores das horas, que agora são iluminados por LED. O sistema de iluminação é por sensor fotocélula, como o dispositivo que faz as luzes dos postes das ruas acenderem ao anoitecer e apagarem ao amanhecer, evitando desperdício de energia.
Os ponteiros dos minutos são ativados por um comando vindo da caixa de comando principal, que, de minuto a minuto, libera um pulso para os quatro motores das quatro faces do relógio, que geram força e fazem girar, do lado externo, os ponteiros de cerca de 270 quilos, cada. Um pequeno relógio redondo, ao lado do motor de cada face, é sincronizado com o equipamento externo e exibe a mesma hora marcada do lado de fora do prédio, vista pela população. No andar da operação, a cada minuto é possível ouvir o barulho do motor acionando o ponteiro.
"Não tem porque mudar essa parte mecânica, pois ela é muito eficiente e funciona perfeitamente desde que está aqui, há 80 anos. Não dá problema nenhum. A única manutenção que precisamos fazer nesta parte é a verificação das correias do motor e a lubrificação com óleo na caixa de transmissão do mesmo", elogia Cícero da Costa Freire, eletricista da empresa terceirizada contratada para a manutenção do Edifício Dom Pedro II.
Já a manutenção externa é feita por rapel. Os técnicos de uma empresa especializada descem de rapel em cada face, que ocupa cerca de 100 m² de espaço, trocando as lâmpadas queimadas, verificando marcadores, e fazendo a revisão da fiação de cada face, pois o relógio está exposto à chuva, sol e outras intempéries climáticas.
As faces têm o seu sistema de comando independente, então, se um lado atrasa, não compromete o funcionamento dos demais. Para acertar a hora, o eletricista de plantão faz um trabalho manual: caso alguma face esteja atrasada, ele dá um pulso na caixa de comando para compensar a hora. Se estiver adiantado, ele desliga o comando daquela face, até as demais a alcançarem. A ideia, futuramente, é modernizar novamente o painel de comando principal para o ajuste das horas ser mais simples, podendo ser feito remotamente, através de um sistema acessado por senha e wi-fi.
O sistema é alimentado pela energia que vem da rua, mas foi feito recentemente um sistema movido à bateria. Se a energia da Light, empresa de energia elétrica do Rio, acabar, o sistema de bateria consegue manter o relógio por até 12 horas.
Desligado entre 2020 e 2021 por falta de contratação de uma empresa para a manutenção do prédio, o mais famoso relógio urbano da América Latina voltou a funcionar com a ajuda financeira da Seap, sendo novamente ativado no Natal de 2021, com troca de todas as lâmpadas, novas baterias no sistema de energia e ativação das partes mecânicas. Pedro Nader, engenheiro responsável pela manutenção predial do edifício, avalia que foram gastos cerca de R$ 40 mil, para a recuperação e a manutenção do relógio. Hoje, manutenções preventivas acontecem de duas a três vezes por semana.
Peças do sistema eletrônico antigo permanecem no 24º andar do prédio, e Pedro sugere que seja feito um 'Museu do Relógio': "Tem ainda aqui relógio de pêndulo, por exemplo, que era usado antes de o pulso ser liberado eletronicamente. Tem os espaços que funcionavam como apartamentos para os plantonistas de antigamente, que pernoitavam aqui. Os equipamentos estão guardados há mais de 20 anos. Se, futuramente, for feito um retrofit, pode-se fazer uma atração turística, por que não?", questiona o engenheiro. Outra proposta é abrir o prédio para visitação no 21º andar, onde há uma espécie de varanda e mirante aos pés do relógio. Um café ou restaurante poderia contemplar a estrutura da visita, para o relógio mais icônico do Brasil andar no mesmo compasso dos dias atuais.
O servidor público Cid Boechat, que trabalha no prédio da Central do Brasil, engrossa o coro sobre a abertura ao público. "O relógio é um símbolo da cidade. Gosto muito de trabalhar no prédio da Central. Gosto que o relógio agora está aceso e funcionando. Quando passo pela Central de carro com a minha filha, que é pequena, mostro pra ela que trabalho no prédio do relógio", fala, entusiasmado. "O prédio todo da Central é bem legal, inclusive a parte da estação ferroviária. Uma pena que não tem como ir lá em cima no relógio, podia até ser uma fonte de renda para o governo. Acho que seria um ponto turístico muito interessante e o governo poderia ganhar dinheiro com os ingressos. Ou terceirizar. Eu sei que eu gostaria de ir", afirma.
Nayra Garofle, jornalista de 40 anos, torce pela melhor conservação do bem patrimonial: "O relógio é um ícone que representa o coração da cidade. Acho que ele contrasta com a configuração arquitetônica do Centro, entre o passado e o presente. Só acredito que ele poderia ser mais conservado, pois é um símbolo e tem uma presença imponente na paisagem urbana".
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