Mário Marinho, presidente do fã-clube nacional Emilinha Borba, exibe as faixas recebidas pela cantora ao longo de sua carreiraPedro Ivo / Agência O Dia
Publicado 20/08/2023 06:00
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Rio – O que faz uma personalidade se tornar clássica? Apesar da efemeridade de quase tudo nos dias de hoje – principalmente em uma época em que tudo o que se vê, lê e ouve fica velho na velocidade das redes sociais –, há pessoas cuja relevância se mantém intacta com a passagem dos anos. Nestes tempos de celebridades instantâneas, a fama da cantora de rádio Emilinha Borba, que comemora centenário este mês, sobrevive mesmo anos após a sua morte. E o fã-clube carioca da cantora, o primeiro do Brasil, está firme e forte para provar.
Fundado por Eli Mendes em 1952, no auge da carreira de Emilinha, o fã-clube 'Emilinha Borba', com sede na Penha, Zona Norte, chegou a contar com a cantora em reuniões presenciais. À época, ela já era a intérprete mais popular do rádio, a segunda musa de massa do Brasil, perdendo apenas para Carmen Miranda, que deixou o cargo para Emilinha quando se mudou para os Estados Unidos.
Eli se inspirou nos moldes do fã-clube de Frank Sinatra, nos Estados Unidos, para criar a associação de Emilinha com colegas que encontrava em frente ao prédio da Rádio Nacional, na Praça Mauá, onde se concentravam do lado de fora os admiradores da cantora após as suas apresentações, nas quais emprestava a sua voz para marchinhas, sambas e choros de sucesso. O grupo possui carteirinha de associados, estatuto e diretoria.
Emilinha não era vista pelos seus espectadores enquanto se apresentava – visto que era uma cantora de rádio – mas exercia, e ainda exerce, grande apelo no grande público, tanto que o estudante de direito Lucas Antônio Correa, de apenas 21 anos, é integrante e colaborador do fã-clube. Lucas conheceu Emilinha pesquisando Cauby Peixoto, cantor que iniciou a vida artística no final dos anos 1940 e foi amigo íntimo de Emilinha, a quem considerava uma diva insubstituível. "Ídolo" é um dos adjetivos usados por Lucas para se referir à musa.
"Ela não era apenas uma cantora. Eu admirei o estilo e a popularidade dela. Ela representava uma época do Rio e do Brasil, era uma madrinha, de tão importante, e patrona nacional também, eleita em 1947 como a favorita da Marinha do Brasil. Foi a que mais saiu em capa de revista do Brasil. Um ídolo nacional completo", diz Lucas.
A trajetória de Emilinha justifica o seu sucesso e fã-clube apaixonado: nascida Emília Savana da Silva Borba, no bairro da Mangueira, Zona Norte, Emilinha começou ainda muito jovem a frequentar programas de calouros e atuar em diversas emissoras. De rádio. Ganhou o seu primeiro prêmio, aos 14 anos, na 'Hora Juvenil', da Rádio Cruzeiro do Sul. Depois participou de programas de auditório como o de Ary Barroso, de quem recebeu nota máxima pela interpretação de 'O X do Problema', de Noel Rosa.
A mãe da cantora era camareira do Cassino da Urca, no bairro Urca, Zona Sul, onde Carmen Miranda se apresentava. Emilinha era declaradamente fã de Carmen, afirmava que era sua grande inspiração e imitava a cantora desde a infância. Amadrinhando-a, Carmen levou Emilinha, em 1939, para fazer teste para o elenco de crooners – termo utilizado para designar um cantor que canta vários gêneros musicais - do Cassino da Urca. Graças à ajuda de Carmen Miranda, que lhe emprestou um vestido e sapatos plataforma para que ela, menor de idade, pudesse fazer o teste, Emilinha entrou na equipe, onde ficou até 1943, quando foi contratada pela primeira vez pela Rádio Nacional. Daí, Emilinha despontou e se consagrou como a maior rainha do rádio dos anos 1950.
Mário Marinho, de 80 anos, presidente do mais antigo fã-clube da cantora, lembra que a figura da Emilinha dominava o país: "Em cada cidade tinha uma agremiação Emilinha Borba. Ela tinha as mais populares agremiações dos anos cinquenta. Outros, de outros artistas, vieram depois. Tinha até time de futebol que homenageava Emilinha levando o nome dela".
Marinho se encantou pela artista quando tinha apenas 9 anos e assistiu a um filme que ela estrelava. Ele entrou no fã-clube com 16 anos. Os laços da Emilinha com a comunidade se estreitaram a ponto de ela frequentar a casa de Marinho durante as reuniões do fã-clube e outras visitas eventuais. Aos poucos, Emilinha foi passando todo o seu acervo para Mário. Quando ela morreu, vítima de um infarto em casa, em 2005, o filho adotivo da cantora finalizou a doação com os últimos itens da mãe.
O grupo possui, na sede, faixas, troféus, vestidos, capas de revistas estampadas pela cantora e recortes de jornais daquela época. A atriz Stella Maria Rodrigues, que viveu Emilinha no teatro de 2017 a 2019, diz que a coleção é capaz de transportar as pessoas para a época da Era de Ouro do rádio, que vai dos anos 1930 ao final dos anos 1950.
"É como se entrasse naquela época. Tem muito jornal, revistas, peles e roupas que parecem que saíram da loja de tão bem conservadas. Dá para acompanhar a história do país pelo lugar", afirma. "O fã-clube é importantíssimo, pois vivemos uma falta de memória com os nossos artistas. Com o fã-clube, a paixão pela cantora é vivida até hoje", completa a atriz.
Stella diz que passou a gostar de Emilinha ao estudar a figura para interpretá-la nos palcos. Hoje, é paparicada pelos fãs da diva. "Quando a peça estava em cartaz, eu ganhava chocolate, maquiagem, flores. Já até me presentearam com uma bandeja cheia de empadinhas. Lamento que o centenário dela não tenha mais relevância. Ela merecia mais, merecia homenagens mais contundentes", pondera. Na peça, intitulada "Emilinha", ela usava um vestido original, o quepe da marinha, faixa e coroa, elementos cedidos pelo fã-clube.
No próximo dia 31, às 10h, a atriz cantará na missa solene na Igreja São Francisco de Paula, realizada em homenagem à Emilinha, com participação da Marinha do Brasil, de quem ganhou o título de 'Favorita da Marinha', não apenas por conta de sua popularidade, mas também de suas canções dedicadas à instituição, como 'Aí Vem a Marinha' e 'Cisne Branco'. Stella considera que Emilinha conquistou grande sucesso por sua empatia com o próximo: "Além de ser uma princesa, ter uma áurea de delicadeza, ser excelente cantora e bastante carismática, ela era muito empática. Ela era linda, tinha uma voz linda, mas todos relatam também o carinho que Emilinha tinha com os fãs que iam na Rádio Nacional. Era um carinho absurdo com o O Dia público. As cidades paravam quando Emilinha chegava. Ela tinha um poder de sedução artística enorme com o público, que até hoje é apaixonado por ela".
Mário concorda que o centenário de Emilinha deveria ter mais destaque devido à grandiosidade de sua pessoa: "Quem não gosta de Emilinha como artista, não pode deixar de gostar como pessoa, pois ela é muito iluminada e do bem. Como artista era a melhor de todas. A voz não era tudo, tinha a simpatia e o tratamento com as pessoas. A família brasileira passou a adotar Emilinha como membro da própria família. Isso foi após a 2ª Guerra Mundial, quando as pessoas estavam muito fragilizadas. Emilinha surgiu como sucesso naquela época, pois ela tratava as pessoas muito bem e as pessoas se apaixonaram por ela".

Emilinha gravou 117 discos em quase 60 anos de carreira e participou de 42 anos, três como atriz. O primeiro disco surgiu em 1939, mesmo ano em que entrou no Cassino da Urca, e participou do longa 'Banana da terra', com grandes nomes, como Carmen Miranda e Cidinha Batista. Na época, Linda Batista era o maior nome popular, mas Emilinha começou a aparecer após os anos 30, e superou a fama de Linda. Na década de 50, Emilinha era a mulher mais famosa do Brasil, enquanto o então presidente Getúlio Vargas (1951-1954) era o homem.
Marinho avalia que beleza, simpatia e carisma foram os responsáveis por darem à Emilinha tamanha relevância no universo da música: "O repertório era muito bom, mas não foi apenas isso que fez com que ela 'passasse' linda. Ela tinha uma presença magnética".
O escritor, jornalista e musicólogo Ricardo Cravo Albin, amigo de Emilinha e que escreveu e dirigiu seis espetáculos com a artista, é categórico quando se refere a ela como "mito": "Primeiro pelo mito que não se explica. Ela se apresentava em praças lotadas. Tinha uma certa mágica, milagre, pela simpatia, voz, músicas. Ela representava a simplicidade do povo, pois era muito próxima do povo. Há uma certa ingenuidade do povo, lado mítico e semelhança como a mulher média brasileira, por conta da sua simpatia, modéstia e acolhimento especial”. Ricardo e Emilinha se conheceram em 1975, quando ele presidia o Museu da Imagem e do Som (MIS), e foram amigos até ela falecer. "Ela exerceu esse tipo de magia até o final", lembra Ricardo.
De acordo com Ricardo, os fãs são as verdadeiras famílias das divas, pois as amam de fato. Ele afirma que há uma referência fanatizada dos fãs por Emilinha e que davam a vida por ela. “Era uma coisa de verdade. Ela sabia muito bem disso e preferia os fãs à família", afirma.
Os fãs de Emilinha prepararam uma programação especial para comemorar o centenário da Rainha do Rádio, título conquistado em 1953:
19 e 26/8: Festa cultural e musical na Praça Emilinha Borba, na Rua do Lavradio, que recordará os sucessos e marchinhas da cantora.
18 a 27/8, sextas a domingos: Festival de cinema '100 anos de Emilinha Borba', na Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM-Rio)
31/8, às 10h: Missa solene na Igreja São Francisco de Paula, realizada em homenagem à Emilinha, com participação da Marinha do Brasil, Corpo de Fuzileiros Navais, Coral da Escola Ginásio Emilinha Borba e dos cantores Márcio Gomes e Stella Maria Rodrigues. 
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