Especial sobre empreendedorismo feminino, Ong favela mundo Foto: Bruno Kaiuca/Agência O DiaBruno Kaiuca
Publicado 28/08/2023 06:00
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Rio – Para a mulher, ter independência financeira é tomar as rédeas da vida. Com este pensamento e preceito, organizações não governamentais (ONGs) têm dedicado cursos voltados para a capacitação de mulheres de baixa renda e em situação de vulnerabilidade. É o caso da Favela Mundo, que atua no Caju, na Região Central, com o projeto "A arte gerando renda", que formou mais de 6 mil mulheres, entre 2014 e 2023, em cursos profissionalizantes e gratuitos, abertos para toda a população.
A boliviana Roxana Antequera Rodas, de 35 anos, fez o curso de tranças e turbantes, maquiagem artística e decoração e alongamento de unhas, oferecidos pela iniciativa. Ela estava há apenas seis meses no Brasil quando concluiu o primeiro curso, não tinha trabalho e morava em um abrigo da prefeitura na Ilha do Governador, na Zona Norte, para onde foi levada depois de passar dias nas ruas. Após saber, por um programa na televisão, da ONG Favela Mundo, foi ao local e pôde se inscrever mesmo sem documentação brasileira. Atualmente, após a conclusão das aulas, ela trabalha em um salão de beleza e consegue pagar por conta própria um aluguel, para morar sozinha.
"Foi tudo muito difícil para mim. Cheguei ao Brasil em outubro de 2021 sozinha, com a cara e a coragem, sem conhecer nada, sem saber português. Eu chorava porque não comia nada. É bem duro lembrar de tudo isso, mas agora estou trabalhando", diz Roxana. Um dos pontos altos da vida como maquiadora artística foi trabalhar no Carnaval. A professora do curso reuniu um grupo de alunos do Favela Mundo para um trabalho com as escolas Estação Primeira de Mangueira e a Imperatriz Leopoldinense: "Foi algo muito incrível", afirma, feliz.
Moradora do Caju, Márcia Sundin, 51, foi outra mulher impactada pela geração de renda vinda dos cursos do projeto, desta vez ao abrir o próprio negócio, com conhecimento adquirido na ONG. Ela estava desempregada, após fechar a sua empresa de aluguel de brinquedos para festas infantis, quando buscou por aulas de maquiagem artística, sua paixão. O único curso que podia arcar era... o de graça. Matriculada na primeira turma de maquiagem artística do A arte gerando renda, viu a sua vida mudar com a nova profissão: "Eu me tornei uma empreendedora. Por conta disso, já tenho meu próprio nome na maquiagem artística, minha empresa e minha cartela de clientes. Trabalhei, inclusive, no Museu da República, em novembro passado, fazendo caveiras mexicanas em uma oficina. Foi um convite da professora da ONG, à época. Trabalhei também na Expo Favela, que aconteceu na Cidade das Artes. Através deste trabalho de maquiadora artística me sustento e ajudo a família", conta, orgulhosa.
"O projeto foi muito importante para mim, pois abriu a porta para eu mudar minha vida e me tornar uma profissional como queria. E eu consegui isso, porque eu fiz o curso e corri atrás de me aprimorar. Então, a possibilidade virou realidade. Eu tenho gratidão porque eu não tinha como fazer o curso e, como ele é totalmente gratuito na ONG, eu me eu tornei uma maquiadora artística, como era o meu sonho", enfatiza. Márcia também aproveitou para assistir às aulas de maquiagem social, fantasias e adereços e artesanato.
Segundo uma pesquisa da Rede Mulher Empreendedora (RME), que aborda a motivação para abrir um novo negócio, 46% das mulheres o fez por necessidade. Destas, 52% são negras, 71% estão nas classes D e E e 56% possuem apenas o ensino fundamental.
O ator Marcelo Andreotti, de 45 anos, fundador da ONG Favela Mundo e do programa "A arte gerando renda", teve a ideia da iniciativa quando notou uma demanda dentro das comunidades em que operava com a ONG, oferecendo cursos de teatro, música e dança para crianças e adolescentes. Algumas mães e responsáveis aguardavam o final das aulas para voltarem para casa, e sugeriram ao Marcelo que desenvolvesse uma atividade para elas também.
Desta forma, Marcelo percebeu que poderia capacitar aquelas mulheres para gerarem renda e aumentar o orçamento familiar. Em vez de ministrar uma atividade recreativa, ministrou uma turma de maquiagem, prática que domina, e, assim, deu vida ao projeto. A partir daí, a definição dos cursos partiu de pesquisas junto às próprias mães.
"O meu desejo é de contribuir um pouco para que haja menos desigualdade na cidade que eu amo. Eu sou de Porto Alegre, mas o meu sonho sempre foi morar no Rio. Quando cheguei aqui, vi que não é como eu imaginava, mas ainda assim sou apaixonado por esta cidade, e quero fazer algo por ela", conta.

O desenvolvimento social alcançado pela iniciativa é unânime na vida das mulheres atendidas. Cartiane Aparecida Ramires, de 40 anos, e Joaquina do Nascimento, de 72, têm isso em comum: ambas melhoraram a qualidade de suas casas com o dinheiro obtido de oportunidades de trabalho que surgiram após os cursos. Para Cartiane, mãe solo e dona de salão de beleza no Caju, a mudança foi essencial para cuidar melhor de suas duas filhas, uma portadora de Síndrome de Down. Depois de estudar unhas decoradas no projeto A arte gerando renda, passou a oferecer em seu salão e viu o seu orçamento saltar cerca de R$ 3.500 apenas com a técnica. Já Joaquina assiste às aulas de fantasias e adereços: "Estou adorando, fiquei louca quando soube que tinha de graça aqui. E será bom para me ajudar a comprar os meus remédios", diz a aposentada, que pretende produzir máscaras de Carnaval para vender.
Muitas mulheres acham que é complicado conquistar a independência financeira e que não darão conta de se apropriar das finanças. Joanne Cristine da Silva, 42, designer de unhas formada pelo A arte gerando renda e professora do curso de decoração e alongamento de unhas, conta que diversas alunas pensam em abandonar as aulas no meio do caminho. Mas a rede de apoio encontrada nas aulas dá poder e confiança: "Eu falo para as minhas alunas 'eu tive muito obstáculo na minha vida, mas nunca desisti'. Elas ficam achando que não vão conseguir, então eu uso o meu exemplo para motivá-las. Eu falo: 'gente, eu não desisti e hoje eu estou aqui, porque eu tenho força de vontade'. Aqui, a gente gera renda e uma família", diz a empresária.
Após se formar no curso de unhas, Joanne passou a confeccionar manualmente cartelas de adesivos de unhas, que aprendeu nas aulas. Ela pinta à mão, com pincel e tinta, cada adesivo, e tem uma empresa parceira para revender o acessório. Hoje, diversos salões do Rio compram o apetrecho. Joanne afirma que manicure é a melhor tendência atual, no meio da estética, para fazer renda: "Esses adesivos que ensinamos aqui no curso são muito fáceis e rápidos de aplicar, além de ser algo que dá dinheiro. Uma cartela custa em média R$ 20, com cinco pares de desenho. Fora o alongamento de unha. Tem alguns que chegam a custar R$ 190. Se você fizer uma unha por semana, você já está no lucro", enfatiza.
Gisele da Mota Lira, 30, buscou o curso de fantasia e adereços para ajudar com a ansiedade e acabou encontrando uma nova paixão que virou profissão. Após identificar que o trabalho de adereços a fazia muito feliz, trancou o mestrado em Biologia e se dedicou ao ofício. Agora, é professora assistente nas aulas da Favela Mundo e empreende com a professora titular, com quem faz parcerias frequentes de trabalho para produções em festa junina e Carnaval: "A ONG é ótima, pois além de fornecer todo o material, ela fala sobre carreira e sobre empreender. Os professores contam como é trabalhar em escola de samba e também sobre todas as áreas que se pode atuar depois do curso", afirma.
No Carnaval deste ano, o grupo de alunos do curso trabalhou em um camarote na Marquês de Sapucaí, customizando abadás com enfeites e cortes. A ONG já está em negociação para renovar a parceria, em um intuito de fortalecer o comportamento empreendedor dos estudantes. "Carnaval tem uma grande indústria no Rio, mas com falta de mão de obra qualificada", avalia Marcelo.
Para poder empreender com propósito e de fato ter retorno financeiro, além dos cursos, são oferecidas lições de administração. Há um ciclo de palestras de capacitação, que orienta como os alunos devem se colocar no mercado de trabalho, como se tornar um micro empreendedor individual (MEI), como elaborar um currículo e como potencializar as redes sociais do seu negócio.
Inscrições para as próximas turmas
Em 4 de setembro começam as inscrições para as próximas turmas, que têm início em outubro. Os cursos duram cerca de dois meses e meio e acontecem uma vez por semana, por três horas. São 10 aulas, no total. As inscrições e as aulas são realizadas no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) XV de Maio, no Caju, localizado na Rua General Sampaio, 74.
Para se inscrever, é necessário ser maior de 15 anos e levar cópia do RG e CPF. O número de alunos é de 30 por turma. Se houver mais de 30 inscrições, é aberta uma lista de espera. Serão oferecidos cursos de maquiagem social, tranças e turbantes, maquiagem artística, artesanato, decoração de unhas e fantasias e adereços. O concluinte recebe certificado.
Horários:
- Tranças e turbantes: às terças-feiras, das 8h30 às 11h30
- Maquiagem social: às terças, das 13h30 às 16h30
- Fantasias e adereços: às terças, das 13h30 às 16h30
- Maquiagem artística: às quartas, das 8h30 às 11h30
- Decoração de unhas: às quartas, das 13h30 às 16h30
- Artesanato: às quartas, das 13h30 às 16h30
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