Publicado 12/09/2023 08:14
Rio - A arqueóloga Tania Andrade Lima foi uma das vencedoras do prêmio internacional Hypatia Award 2023, da Confederação dos Centros Internacionais para a Conservação do Patrimônio Arquitetônico (CICOP Net), pelos serviços prestados à Arqueologia, à História e ao Patrimônio Cultural da Humanidade. A carioca se destacou pela descoberta do Cais do Valongo, que ajudou a reescrever a história da escravidão nas Américas, em especial no Brasil.
Em 2011, escavações conduzidas pela carioca na Zona Portuária revelaram os vestígios do Cais do Valongo. A estimativa é de que no antigo cais de pedra foram aportados cerca de um milhão de africanos escravizados. Pela importância da descoberta, em 2017, o sítio arqueológico foi declarado Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Tania é a segunda brasileira a vencer o Hypatia nessa área, sendo Niède Guidon a primeira, em 2020, pela criação e conservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, também Patrimônio da Humanidade.
Para a arqueóloga, o reconhecimento é uma "demonstração vigorosa de que uma parte muito expressiva da humanidade rejeita essa ideologia" e ajuda a "deter o violento preconceito racial que vem se alastrando nos últimos anos, não só no Brasil, mas no mundo inteiro". Ainda segundo a profissional, o sítio arqueológico "denuncia a que ponto as pessoas são capazes de chegar no ódio e no desprezo por aqueles que são diferentes delas, ultrapassando todos os limites da intolerância e da perversidade humana". A carioca ressaltou também que "a grande premiada foi a Arqueologia, que nem sempre é valorizada pela capacidade que tem de trazer à tona verdades indesejáveis, dolorosas, que muitos desejam esquecer ou ignorar".
A arqueóloga trabalhou para a Prefeitura do Rio, entre 2010 e 2012, atuando na fase 1 das obras do Porto Maravilha, com intervenções em ruas da região, entre elas a Barão de Teffé, onde foi encontrado o Sítio Arqueológico. Em suas redes sociais, o prefeito Eduardo Paes agradeceu à contribuição de Tania. "Eis aí a pessoa que descobriu o Cais do Valongo como arqueóloga trabalhando para a prefeitura no Porto Maravilha. Lembro como se fosse hoje o dia em que cheguei lá e ela me disse acreditar ter encontrado o Cais do Valongo. Tânia, muito obrigado em nome dos cariocas", escreveu.
Tania é pesquisadora sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professora aposentada do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fundou e coordenou o Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, o qual ainda orienta teses, dissertações e ministra disciplinas. A arqueóloga ainda foi presidente e vice-presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira, integra o conselho editorial de revistas científicas no Brasil, América do Sul e Europa, além de já ter recebido diversas láureas, como a Comenda da Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo presidente Lula, em 2006, e o Prêmio Globo "Faz Diferença", na categoria Rio, em 2016.
A arqueóloga está entre os dez homenageados com o prêmio, que celebra o trabalho de mulheres e homens que contribuem para o progresso do conhecimento científico em suas áreas de atuação. A cerimônia de premiação acontece em 16 de outubro, na abertura da 6ª Bienal de Restauro Arquitetônico e Urbano (BRAU6), em Florença, na Itália. Além dela, entre os brasileiros presentes, também estará o padre Júlio Lacellotti, que receberá a honraria por sua luta contra a arquitetura hostil que impede pessoas em situação de rua de se abrigar em espaços públicos e sua defesa de projetos urbanísticos inclusivos.
Patrimônio
O Valongo foi descoberto em 2011, na fase inicial do projeto Porto Maravilha de revitalização da Zona Portuária. O espaço foi construído em 1811 pela Intendência Geral de Polícia da Corte do Rio de Janeiro, para retirar da Rua Direita, atual Rua Primeiro de Março, o desembarque e comércio de africanos escravizados que eram levados para as plantações de café, fumo e açúcar do interior do estado e de outras regiões do Brasil. A estimativa é de que entre 500 mil e um milhão de escravizados passaram por lá até 1831, vindos principalmente de portos do atual território de Angola e Moçambique.
Patrimônio Mundial da Unesco desde 2017, ele tem uma forte ligação com a história da escravidão no Brasil e é considerado o maior porto receptor de pessoas escravizadas do mundo. Mesmo com a proibição do tráfico negreiro em 1831, continuou sendo um dos principais pontos para compra e venda de pessoas. A escavação de 2011 abriu um pedaço de terreno de quatro mil metros quadrados, de onde saíram centenas de artefatos de matrizes africanas, como contas de colares, búzios, brincos e pulseiras de cobre, cristais, peças de cerâmica, anéis de piaçava, figas, cachimbos de barro, materiais de cobre, âmbar, corais e miniaturas de uso ritual.
Em 2012, a Prefeitura do Rio acatou a sugestão das Organizações dos Movimentos Negros e transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. O Valongo passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na Zona Portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.
Localizada entre os bairros da Gamboa, Santo Cristo e Saúde, a região compreende a Pequena África, ocupada por uma população majoritariamente negra, cuja história está ligada ao tráfico de escravizados, à diáspora africana e ao nascimento do samba.
Desde 21 de março deste ano, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, coordena o Comitê Gestor do sítio arqueológico do Cais do Valongo, entidade responsável por estabelecer diretrizes e monitorar a efetividade das ações de preservação e salvaguarda do bem. O comitê é composto por 15 instituições representativas da sociedade civil e 16 governamentais nas esferas federal, estadual e municipal.
Desde 21 de março deste ano, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, coordena o Comitê Gestor do sítio arqueológico do Cais do Valongo, entidade responsável por estabelecer diretrizes e monitorar a efetividade das ações de preservação e salvaguarda do bem. O comitê é composto por 15 instituições representativas da sociedade civil e 16 governamentais nas esferas federal, estadual e municipal.
Elogios do prefeito
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, exaltou a premiação de Tânia com uma postagem em uma rede social.
"Eis aí a pessoa que descobriu o Cais do Valongo como arqueóloga, trabalhando para a prefeitura no Porto Maravilha. Lembro como se fosse hoje o dia em que cheguei lá e ela me disse acreditar ter encontrado o Cais do Valongo. Tânia, muito obrigado em nome dos cariocas", escreveu o prefeito na X (antigo Twitter).
"Eis aí a pessoa que descobriu o Cais do Valongo como arqueóloga, trabalhando para a prefeitura no Porto Maravilha. Lembro como se fosse hoje o dia em que cheguei lá e ela me disse acreditar ter encontrado o Cais do Valongo. Tânia, muito obrigado em nome dos cariocas", escreveu o prefeito na X (antigo Twitter).
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