Publicado 14/09/2023 17:36 | Atualizado 14/09/2023 20:30
Rio - Um projeto realizado nas redes sociais dá visibilidade e espaço para que mulheres vítimas de violência compartilhem os abusos que as atravessaram na infância, adolescência e na vida adulta, de forma anônima. A iniciativa, intitulada 'Relatos Anônimos', foi criada pela advogada especializada em violência contra a mulher, Rebeca Servaes, de 32 anos. Há dez anos estudando sobre o tema, a profissional carioca observou que os dados disponíveis para a população não refletem os números reais de mulheres violentadas.
Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Instituto Datafolha mostra que 35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto no Brasil em 2022. Isso significa que, em 12 meses, 18,6 milhões de mulheres (28,9%) relataram terem sido vítimas de algum tipo de violência ou agressão.
A advogada explica que muitas vítimas não denunciam, ou sequer contam sobre a violência sofrida para uma amiga ou familiar, e isso se deve por diversos motivos. Entre eles estão a vergonha, a esperança na mudança de comportamento do agressor ou a falta de crença na Justiça. "Senti na prática, e é o que muitos estudos apontam, que há uma subnotificação em relação à violência contra a mulher. Existe um dado social sobre as estatísticas que não condizem com a realidade", afirma Rebeca Servaes.
A especialista ressalta que a questão psicológica dessas vítimas também necessita de atenção. O silenciamento ao longo de anos e, em muitas vezes, por quase toda uma vida, causa feridas psicológicas graves e físicas. "Quando se advoga para mulheres que sofreram algum tipo de violência você tem muito contato com a questão psicológica delas. O silenciamento causa feridas psicológicas graves e até problemas físicos, como estresse pós-traumático. Existem estudos que comprovam que há consequências físicas após a violência", diz.
Qualquer mulher que sofreu algum tipo de violência pode ter o seu relato compartilhado na página da especialista. Nesta quinta-feira (14), foi divulgado o primeiro relato anônimo. No vídeo, uma mulher narra o relato de uma vítima de violência, que quando criança presenciou um homem se masturbando dentro de um ônibus de viagem olhando para ela. A narração é feita por uma voluntária, preservando, assim, a identidade da vítima.
Confira o relato abaixo:
"Esse é um formato feito para que mulheres falem sobre essa vivência sem serem expostas. É uma espécie de cura coletiva, uma transformação com o rompimento do silenciamento. Inicialmente eu chamei algumas amigas, colegas de trabalho, até advogadas que mesmo trabalhando com a pauta nunca denunciaram. Mas o espaço está aberto para todas as mulheres, de qualquer lugar no mundo", convida Rebeca.
Para a vítima do relato, a sensação de compartilhar a história foi transformadora. "Poder compartilhar uma história que nunca contei para ninguém é libertador. Lembrar daquilo é doloroso, mas a sensação de colocar para fora é transformadora", disse.
Com o projeto recém-lançado, a advogada especializada em violência contra a mulher espera ampliar a iniciativa nos próximos anos, como por exemplo escrever um livro.
Mais de 90% dos casos de violência contra mulher são sigilosos
A urgência de uma coletânea que reúna os dados sobre a violência contra a mulher obtidos pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em formato de estatística foi assunto nesta quinta-feira (14), na audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Combate à Violência Cibernética contra as Mulheres, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
De acordo com o setor de Proteção de Dados da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, mais de 90% dos casos de violência doméstica registrados pelo Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) são sigilosos no órgão. O órgão explicou que a ferramenta implementada no sistema interno do órgão tem o objetivo de preservar a imagem das vítimas.
Somente a equipe que atende à mulher vítima de violência tem acesso às informações no sistema. Desde a pandemia, a Defensoria criou o Verde em Dados, uma ferramenta de Business Intelligence utilizada para gerar relatórios a partir das informações disponibilizadas pelos defensores. "Com esse sistema, conseguimos preservar a imagem dessa vítima e manter, assim, a segurança dela. A gente ainda necessita desenvolver um sistema que categorize esses dados para ter um balanço do nosso trabalho", explicou a defensora e encarregada de Proteção de Dados da Defensoria Pública do Rio, Lívia Corrêa.
Para a presidente da CPI, deputada Martha Rocha (PDT), é urgente a necessidade de uma coletânea que reúna os dados obtidos pela Defensoria em formato de estatística. "Gostaria de pedir um esforço do órgão, já que existe esse sistema Verde em Dados, para compilar as informações de 2020 e 2021, por exemplo, especificando os crimes denunciados por essas vítimas, um balanço dos resultados dos processos com a identificação do autor ou autora que cometeu o delito, e qual foi o instrumento utilizado, como uma rede social. Só com dados teremos uma dimensão de grandeza destes crimes e poderemos ter uma produção de políticas públicas", afirmou Martha. A deputada ainda frisou a importância de que esses dados sejam cruzados com as informações coletadas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).
Dificuldade na comprovação da autoria
Entre os principais desafios apresentados pela coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do RJ, Flavia Barbosa, na atuação contra esses crimes está a comprovação do autor. "Temos a materialidade do caso e conseguimos comprovar que houve esse fato e que os direitos daquela mulher foram violados, mas ainda temos poucos instrumentos que nos ajudam a encontrar de onde partiu aquele crime. Temos dificuldade para identificar o equipamento e a máquina que divulgou a informação, além disso, muito conteúdo é produzido na deep web", argumentou Flávia.
Para minimizar o problema, a defensoria argumentou que é preciso mais investimentos nas instituições e que os equipamentos utilizados para as investigações acompanhem a evolução tecnológica dos crimes. Flávia Barbosa ainda informou que entre os registros de ocorrência no ambiente virtual, os que têm maior incidência são os cometidos no ambiente familiar. "Muitos parceiros às vezes criam um perfil falso divulgando fotos da parceira e vendem essa mulher como se fosse uma garota de programa ou cometem golpes usando as informações dessa pessoa", relatou a defensora.
Ela concluiu que as instituições ainda têm muitos entraves burocráticos que dificultam as investigações. "Precisamos fazer um diagnóstico e entender de que forma o Estado pode trabalhar para identificar esses criminosos", concluiu Flávia.
Para a presidente da CPI, deputada Martha Rocha (PDT), é urgente a necessidade de uma coletânea que reúna os dados obtidos pela Defensoria em formato de estatística. "Gostaria de pedir um esforço do órgão, já que existe esse sistema Verde em Dados, para compilar as informações de 2020 e 2021, por exemplo, especificando os crimes denunciados por essas vítimas, um balanço dos resultados dos processos com a identificação do autor ou autora que cometeu o delito, e qual foi o instrumento utilizado, como uma rede social. Só com dados teremos uma dimensão de grandeza destes crimes e poderemos ter uma produção de políticas públicas", afirmou Martha. A deputada ainda frisou a importância de que esses dados sejam cruzados com as informações coletadas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).
Dificuldade na comprovação da autoria
Entre os principais desafios apresentados pela coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do RJ, Flavia Barbosa, na atuação contra esses crimes está a comprovação do autor. "Temos a materialidade do caso e conseguimos comprovar que houve esse fato e que os direitos daquela mulher foram violados, mas ainda temos poucos instrumentos que nos ajudam a encontrar de onde partiu aquele crime. Temos dificuldade para identificar o equipamento e a máquina que divulgou a informação, além disso, muito conteúdo é produzido na deep web", argumentou Flávia.
Para minimizar o problema, a defensoria argumentou que é preciso mais investimentos nas instituições e que os equipamentos utilizados para as investigações acompanhem a evolução tecnológica dos crimes. Flávia Barbosa ainda informou que entre os registros de ocorrência no ambiente virtual, os que têm maior incidência são os cometidos no ambiente familiar. "Muitos parceiros às vezes criam um perfil falso divulgando fotos da parceira e vendem essa mulher como se fosse uma garota de programa ou cometem golpes usando as informações dessa pessoa", relatou a defensora.
Ela concluiu que as instituições ainda têm muitos entraves burocráticos que dificultam as investigações. "Precisamos fazer um diagnóstico e entender de que forma o Estado pode trabalhar para identificar esses criminosos", concluiu Flávia.
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