Anna Carolyne Bernardo da Silva, de 27 anos, morreu em setembro deste ano; família alega feminicídioArquivo Pessoal
Publicado 24/11/2023 17:06
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Rio - A Polícia Civil recebeu um documento, nesta quinta-feira (23), que pode auxiliar na investigação sobre uma morte ocorrida em setembro deste ano em Inhaúma, na Zona Norte do Rio. A família da recepcionista Anna Carolyne Bernardo da Silva, de 27 anos, alega que Magno Gomes dos Santos, marido da vítima, a esfaqueou. Já o suspeito disse que tentou fazer uma traqueostomia na mulher, pois ela teve uma convulsão e não conseguia respirar.
A morte aconteceu no dia 14 de setembro. Anna deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Del Castilho em estado gravíssimo com quatro perfurações na região da clavícula, ferimentos na cabeça e no rosto, além de hematomas nas costas. Ainda havia um corte profundo no pescoço. 
Em depoimento no mesmo dia da morte, Magno alegou aos policiais que a mulher teve uma convulsão em casa e ficou sem respirar. Ele contou que ficou desesperado e tentou reanimá-la, desferiu tapas nas costas da mesma e fez furos na traqueia para ela poder respirar. O suspeito ainda disse que Anna caiu de costas subitamente após passar mal, começou a tremer e espumar pela boca. Por isso, ele teria pego uma faca e tentado perfurar sua traqueia para ajudar na respiração.
No seu segundo depoimento, o suspeito confirmou que perfurou mais uma vez o corpo da mulher porque a primeira facada não deu o resultado que ele esperava, que era de facilitar a sua respiração naquele momento. Ele ainda alegou que as escoriações e hematomas encontradas no crânio e no rosto devem ter sido provocadas pela queda. 
O caso foi registrado na 22ª DP (Penha). No decorrer das investigações, os policiais colheram depoimentos de amigas e familiares próximos da vítima, que alegaram Anna não parecia confortável no relacionamento e que o suspeito apresentava um comportamento abusivo e controlador. Um desses episódios foi presenciado por Cristiane Bernardo, mãe da recepcionista, dias antes de sua morte.
"Dias antes eu comecei a me sentir meio incomodada com algumas coisas que eu estava percebendo. Eu tirei minha total dúvida no dia anterior de sua morte. Ela ficou sem celular e precisou fazer uso do meu. Ao fazer uso, eu percebi a insistência dele ligar para ela e falar com ela. Ela passou quase 12h comigo e ele ficou ligando o tempo inteiro. Eu cheguei e falei com ela 'Você veio ficar comigo ou para ficar falando com ele?' Ele criou um grupo dizendo que ela ia ficar trancada. Ele oscilava e pedia desculpas. Aquilo me incomodou. Eu disse que ia esperar ela ficar com o telefone e marcar com ela para conversar, mas tinha medo de ligar para ela e ela colocar no viva voz. Só que não deu. Isso não ocorreu porque infelizmente ela morreu", contou ao DIA nesta sexta-feira (24).
Em 10 de outubro, a Polícia Civil representou pela prisão temporária do suspeito, alegando que Magno não possui treinamento na área de saúde para dizer que o procedimento feito era adequado; que ele entrou em contradição ao descrever o número de perfurações; que o laudo de necropsia concluiu que a morte da vítima foi causada pelas facadas; e que havia certeza da prática do crime de homicídio qualificado na forma consumada, no mínimo, em dolo eventual.
No mesmo dia, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) concordou com o pedido de prisão temporária. Contudo, a Justiça negou, pois, segundo a juíza de plantão, ainda havia elementos a serem comprovados. Magno continua solto até esta sexta-feira (24), mas os advogados que representam a família da vítima entregaram um parecer com um laudo que apresentam provas de um possível feminicídio. Segundo Cristiane, o documento pode acabar com a sensação de impunidade sobre o caso da filha.
"A Anna era linda, uma menina notável, alegre, divertida e amiga. Ela emanava luz. Com a essência dela, ela contagiava o ambiente. Uma menina fora da curva. Tem sido muito tenso, cansativo e burocrático. Eu não tenho tido tempo de viver a dor do luto porque tenho que provar para a sociedade e a Justiça que não foi acidente. Era uma pessoa de coração íntegro, do bem, mas a Justiça não sabe quem é essa menina. Eu sei. Eu tenho que provar que essa menina foi covardemente morta. Foi muito difícil para mim. Além de viver a minha dor, tenho que viver a dor da impunidade. Isso tem sido muito desgastante. Eu espero que a Justiça agora, que toda dúvida que permeava no processo, não escureça mais, que haja luz, a luz que a minha filha era", completou.
Conclusão do laudo
Para responder as dúvidas da Justiça e auxiliar na investigação, os advogados Leonardo Barreto e Vanessa Gonçalves entregaram um parecer médico-legista ao laudo médico pericial assinado pelo perito Fernando Esbérard.
O documento que o DIA teve acesso apontou incongruências e contradições nos depoimentos de Magno na delegacia. Tais fatos seriam uma justificativa para as agressões que teriam sido cometidas pelo suspeito. Ele teria tentado ocultar um crime alegando que tentou fazer uma traqueostomia na mulher, segundo o parecer do perito.
Esbérard ainda escreveu que o homem era ex-paraquedista do Exército e tinha conhecimento sobre como matar uma pessoa com uma faca, além de ter instrução em primeiros socorros. O parecer ressalta que ambos os treinamentos e o fato de todas as lesões estarem próximas "são mais um indício de que o autor tinha plena consciência do que estava fazendo".
Com o laudo, a advogada Vanessa Gonçalves solicitou o indiciamento do suspeito nesta quinta-feira (23). Para a defesa, a prisão de Magno dá uma resposta para a família de Anna e para a sociedade sobre a violência contra as mulheres.
"A mudança será a partir de ontem. Trouxemos os esclarecimentos necessários. O laudo traz provas contundentes de que ali aconteceu violência que acarretou na morte. Quatro facadas não são para um rasgo de abertura de respiração. Você vê profundidade. Esse laudo é a prova de que vai mudar todo esse cenário. Vai tirar essa toda incerteza. Não resta dúvidas que ocorreu realmente o feminicídio. Eu falo como advogada e como mulher. Nós mulheres sabemos o tipo de violência que sofremos todos os dias. O que esperamos é Justiça como sociedade. Esperamos essa diminuição dessa porção de impunidade que a gente vive e que cada um responda pelo o que pratique. Se ele cometeu esse feminicídio, se ele teve essas atitudes, tudo que aconteceu ali, que ele responda e seja punido pelo o que ele praticou. Não estamos buscando vingança e sim Justiça. O reconhecimento do direito de resposta pela família e como sociedade. Vamos conseguir isso", explicou.
Procurada, a Polícia Civil informou que a investigação está em andamento para conclusão e elucidação do caso.
A reportagem não encontrou a defesa de Magno. O espaço está aberto para manifestação.
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