Sepultamento de Guilherme Santos da Carvalho, jovem morto durante um protesto na Av. Brasil, na Vila Kennedy - Local - Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Segunda-feira (27)Cléber Mendes/Agência O Dia
Publicado 27/11/2023 17:32
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Rio - O maqueiro Eberson Luiz Santos da Silva, de 42 anos, e o auxiliar de mecânico Guilherme Santos de Carvalho, de 18 anos, foram enterrados na tarde desta segunda-feira (27), no Cemitério de Ricardo Albuquerque, na Zona Norte do Rio. Os dois foram mortos na noite de sábado, na Vila Kennedy, na Zona Oeste.
Eberson foi baleado durante uma ação da Polícia Militar na comunidade. De acordo com o advogado da família, Ed Wilson Dutra, o maqueiro foi atingido por um disparo na perna e gritou que era trabalhador, mostrando seu crachá. Em seguida, foi baleado na barriga. Familiares afirmam que o homem ainda levou mais tiros e o corpo ficou irreconhecível.
Pouco depois, moradores realizaram um protesto na Avenida Brasil, onde Guilherme foi baleado e morto. Segundo a PM, um agente de folga alegou ter sido vítima de uma tentativa de assalto por parte do mecânico e, por isso, teria atirado. A família do jovem, no entanto, nega a versão e afirma que a cena do crime foi alterada para que colocassem celulares roubados de posse da vítima. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). 
"Ele errou em ter ido à manifestação, botado camisa na cabeça. Na comunidade, a única voz que a gente tem é fazer um protesto, porque mais cedo morreu outro trabalhador. A gente tem que abrir a boca, não podem matar inocentes. Ele trabalhava, todo mundo sabe. Se meu filho tivesse errado, eu não estaria botando a cara. Meu filho é inocente. Quando caí em cima do corpo, eles me tiraram. Meu filho estava de um jeito e, depois, estava em outra posição. A cena foi alterada, com certeza. Os policiais não podem chegar matando as pessoas. Foi covardia", disse Sandra Silva Santos, mãe do jovem.
Guilherme deixa a namorada e um filho de 1 ano. O mecânico Rodolfo Moreira, chefe do rapaz, disse que trabalhava com ele desde que Guilherme tinha 14 anos, em uma oficina no Jardim Bangu. Rodolfo também contestou a versão de que ele teria assaltado o policial.
"O Guilherme era um filho, um garoto super responsável. Na noite de sábado, ele tinha ficado comigo até às 17h. O Guilherme estava no lugar errado, na hora errada. Quero dizer o seguinte: Guilherme não era bandido, era um garoto de bem. Estão divulgando que ele era ladrão e não, não era. Eu saía [da oficina] e deixava peça, dinheiro... Ele nunca tirou nada do lugar. Consequências de jovem, ele tem uma passagem porque foi rebocar uma moto, pegaram ele numa blitz e levaram para delegacia. Mas não reconheceram ele como autor do furto. Era um jovem de periferia, de favela, sujeito a várias oportunidades. Mas era tranquilo, de família", afirmou Rodolfo.
"Não vou expressar o que eu penso porque tem que ser averiguado. Eu acredito no trabalho da Polícia Civil. Vão chegar no que tem que chegar e a Justiça vai ser feita. Ele era um moleque medroso, não tinha arma. Acho que o erro dele era estar no lugar errado com aquela camisa na cara. Isso sim, reconheço. Estava errado, no 'oba-oba' de uma causa que não era dele. Guilherme não gerou problema para ninguém, então, para mim, não está batendo. Era um cara trabalhador, mão calejada, não tirava nem horário de almoço... Não pode jogar nas costas dele que ele era bandido. Não era", concluiu.
Familiares de Eberson também estiveram no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, onde o maqueiro foi enterrado cerca de 30 minutos depois. Em conversa com o DIA, as cunhadas da vítima, Francilene Romualdo, de 37 anos, e Ana Beatriz da Silva, de 34, disseram que a delegada que as atendeu ficou surpresa quando elas mostraram o crachá de Eberson.
"Mostramos o crachá para delegada e ela não acreditou. Perguntou: 'Como assim? Ele não tem envolvimento com o tráfico?'. Não tem. Ele estava conduzindo a própria moto. Nem gosto de falar disso, mas, na delegacia, tinha um bandido preso. E o Eberson, que é trabalhador, está morto", lamentou Ana.
Eberson seguia para o trabalho na própria moto quando policiais do 14º BPM (Bangu) entraram em confronto com criminosos da região. O maqueiro foi atingido e levado para o Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, mas ele não resistiu.
"Era um cara tranquilo, calmo, prestativo, amigo... Sempre ajudou a todos, nunca falou 'não'. Era trabalhador, uma pessoa maravilhosa. Os PMs chegaram atirando, o tiro pegou nele e ele caiu. Ele gritou 'me socorre, sou trabalhador', mostrando o crachá. Os policiais continuaram atirando, o corpo dele ficou muito feio. Não foram só dois tiros como disseram, praticamente todos os tiros pegaram nele. Não deixaram socorrer. Os moradores tentaram ajudar e a polícia não deixou ninguém chegar perto. Jogaram spray de pimenta, bala de borracha e mandaram todos voltarem para casa. O que está me incomodando é porque estão colocando ele como traficante e é mentira. Ele trabalhou por 12 anos na UPA de Costa Barros e esse ano foi para o Hospital Miguel Couto. Infelizmente, estava no local errado e na hora errada", disse Franciele.
Por meio de nota, a PM informou que o caso foi encaminhado para a 34ª DP (Bangu) e também é alvo de procedimento interno da corporação. As armas dos militares foram apreendidas para perícia.
Desde julho, Eberson tinha contrato de trabalho ativo com a RioSaúde para atuar no Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, Zona Sul. Ele morava com a mãe na Vila Kennedy e não tinha filhos.
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