Publicado 11/12/2023 13:22
O Exército e a Polícia Civil do Rio de Janeiro teriam negociado com um integrante do Comando Vermelho (CV) a devolução de dez das 21 armas furtadas da base do Exército em Barueri, São Paulo, em setembro deste ano. É o que afirma o inspetor Christiano Gaspar Fernandes, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes do Rio, em depoimento como testemunha da apreensão do armamento. As informações foram divulgadas pela Coluna do Guilherme Amado, do portal "Metrópoles", nesta segunda-feira, 11. Em nota, corporações negam ter discutido a entrega das metralhadoras com criminosos.
No documento da Secretaria de Estado de Polícia Civil fluminense, o agente relata como ocorreu o acordo. O inspetor não informa o que teria sido oferecido em troca, mas diz que as negociações ocorreram com um "colaborador" do Comando Vermelho, que não foi identificado no depoimento, e com um traficante de armas.
Segundo o agente, o "setor de inteligência da DRE trocou informes com a inteligência do Exército Brasileiro" que "davam conta de que os armamentos arrecadados estariam na posse do grupo armado Comando Vermelho, na Comunidade Cidade de Deus" com um traficante, de apelido Dedei, que as negociava.
No documento, há menção ainda de que "os armamentos teriam passado, antes de chegarem à Cidade de Deus, nas comunidades da Rocinha, Penha e Vila Cruzeiro, todas dominadas pelo Comando Vermelho".
O policial acredita que as metralhadoras foram adquiridas pelos traficantes para atacar aeronaves e veículos blindados das forças de segurança durante operações nas favelas.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra quatro armas furtadas. As imagens teriam sido usadas em uma tentativa de venda. O vídeo foi encaminhado para o Exército e incluído no Inquérito Policial Militar que apura o desvio do armamento.
Em outubro, a Polícia Civil anunciou "ter encontrado" oito das 21 armas que haviam sido roubadas do Exército, na Gardênia Azul, Zona Oeste do Rio. As metralhadoras estavam dentro de um carro que saiu da Rocinha, na Zona Sul. Na ocasião, ninguém foi preso.
No total, 19 armas do arsenal roubado foram encontradas: oito no Rio de Janeiro e nove pela Polícia Civil de São Paulo, em São Roque. Outras duas metralhadoras ainda são procuradas.
No depoimento, o inspetor Fernandes continua o relato sobre a recuperação das armas. O agente contou que o Exército e a Polícia Civil chegaram ao traficante de armas "Jesser", conhecido como "Capixaba", que passou a colaborar com a devolução das armas em tratativas com os militares e agentes.
Ainda no documento, há a informação de que "foi aberto um canal de comunicação" com o companheiro da sogra do segundo traficante. Que esse homem entrou em contato com o criminoso, "que parecia estar preocupado com a situação", "passando a negociar a entrega de mais 2 (duas metralhadoras) calibre .50". Esse homem então seria um "colaborador" da investigação e não um criminoso, apesar de ter contato com integrantes do Comando Vermelho.
Em nota, o Comando Militar do Sudeste (CMSE) — que investiga o desvio do armamento — nega a veracidade do depoimento e que as ações da corporação são "pautadas pelo princípio da legalidade".
"O Comando Militar do Sudeste (CMSE) destaca que a informação questionada não procede. O CMSE ressalta que as ações tomadas são sempre pautadas pelo princípio da legalidade. As investigações do caso continuam e, em caso de novas informações, serão passadas oportunamente", diz a nota.
Ao O DIA, a Polícia Civil do Rio também afirma que não houve negociação com os traficantes, mas aponta que o setor de inteligência e monitoramento localizou onde as armas estavam e que um informante ajudou na recuperação das metralhadoras.
A corporação esclareceu que essa informação foi omitida do documento que consta o depoimento do inspetor Christiano Gaspar Fernandes, para preservar a vida do informante. A polícia também afirma que o responsável pela venda do armamento já foi identificado e que as buscas para prisão estão sendo realizadas.
"Não procede a informação de que houve negociação com traficante para devolução das armas furtadas do Exército. O trabalho de investigação, inteligência e monitoramento apontou onde estava o armamento. Desta forma, foi possível contato com um informante — que não é integrante de organização criminosa — que auxiliou na recuperação, de forma a evitar qualquer efeito nocivo à sociedade. Tal fato foi omitido do documento justamente para preservar a vida do mesmo", diz um trecho da nota.
"Vale ressaltar que a Polícia Civil já identificou o responsável pela venda do armamento à facção criminosa e segue com diligências para localizar e capturar o indivíduo. As investigações continuam", acrescenta.
O desvio, considerado o maior Exército brasileiro desde 2009, de acordo com o Instituto Sou da Paz, só foi descoberto mais de um mês depois, em outubro, durante recontagem das armas no Arsenal de Guerra de São Paulo (AGSP), em Barueri.
Militares suspeitos
Desde o furto das metralhadoras, o Exército investiga possíveis militares envolvidos na ação. Em outubro, a corporação identificou agentes suspeitos de ligação com o furto.
O Comando Militar do Sudeste manteve cerca de 480 militares aquartelados para a apuração do caso. "Os militares estão sendo ouvidos para que possamos identificar dados relevantes para a investigação", dizia a nota.
"Os armamentos são inservíveis e estavam no Arsenal que é uma unidade técnica de manutenção, responsável também para iniciar o processo de desfazimento e destruição dos armamentos que tenham sua reparação inviabilizada", informou o Exército.
Foram levadas 21 metralhadoras (13 metralhadoras antiaéreas calibre .50 e oito metralhadoras calibre 7,62). Para isso, teriam desligado as câmeras de segurança e usado um carro oficial do então diretor da base militar para transportar o armamento para fora do quartel. O oficial não tem participação no furto.
Ao menos seis militares do Arsenal de Guerra em Barueri e três criminosos ligados a facções criminosas são investigados pelo Comando Militar do Sudeste e pelas Polícias Civis do Rio de Janeiro e de São Paulo, devido à participação no crime. Todos foram identificados, mas não foram presos.
Parte das armas foi para o Rio, para serem vendidas ao Comando Vermelho, e o restante ficou em São Paulo, onde seria comercializado com o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Metralhadoras calibre .50 são equipamentos de alto interesse de grupos criminosos organizados, como o PCC, que é conhecido por "alugar" armas de alto calibre para assaltos a carros-fortes, transportadoras e agências bancárias.
De acordo com a polícia, a oferta das armas foi feita ao traficante William de Souza Guedes, o Corolla, criminoso que, atualmente, chefia a comunidade de Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Ele é apontado como um dos homens de confiança dos chefes da facção Comando Vermelho.
A corporação ainda apura se o negócio foi realmente fechado ou se não passou de uma oferta. Uma metralhadora calibre .50 teria sido oferecida por R$ 180 mil reais.
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.