Publicado 07/04/2024 11:07
Rio - O escritor e desenhista Ziraldo foi velado na manhã deste domingo (7) no Museu de Arte Moderna (MAM), no Aterro do Flamengo. Além do carinho da família e de amigos, a cerimônia contou com a presença de fãs que homenagearam o criador do personagem 'Menino Maluquinho' com camisetas e cartazes. O sepultamento foi realizado às 16h30 no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul.
Filha de Ziraldo, Fabrizia Pinto contou que o pai atuava como um "salva-vidas do planeta", tamanha a generosidade com que tratava as pessoas. Além disso, carregava desde pequeno o desejo por salvar o mundo.
"Ele queria salvar o mundo desde que se entende por gente. Ele tinha essa coisa que ele tinha que fazer comida, macarrão pra salvar todo mundo, que todo mundo plante flores pra que tudo fiquem lindos. O meu pai era um ser muito generoso, muito, muito, mas às vezes até atrapalhava. Porque ele contratava alguém que não tinha o menor talento para ajudar ele, mas é porque ele tinha que salvar aquela pessoa. Ele era um salva-vidas do planeta", disse.
Pedido de estátua ao lado de Carlos Drummond de Andrade
Fabrizia também aproveitou a cerimônia para pedir um antigo desejo de ver uma estátua de bronze do desenhista ao lado de Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana, como se os dois estivessem conversando. Além disso, disse que pretende fazer um centro cultual permanente em homenagem ao Ziraldo, como a exposição "Mundo Zira - Ziraldo Interativo" que acontece no Centro Cultural Banco do Brasil até o dia 13 de maio.
Daniela Thomas, filha do cartunista, ressaltou o legado que o pai deixou tanto para a família quanto para sociedade, destacando a ambição por fazer o bem para as pessoas que ele carregava.
"O senso de responsabilidade não era exatamente porque tinha poder, mas ele tinha um desejo violento de fazer a diferença na vida das pessoas para o bem. Acho que esse desejo guiou a vida dele o tempo todo e o poder veio com essa capacidade de realização que ele tinha. era um desejo que ele fazia acontecer, escrevia um livro atrás do outro, fazia uma palestra atrás da outra e viajava atrás das crianças. Ele deixa a curiosidade, a gana de viver, de aprender, de trabalhar", comentou.
Antônio Pinto, também filho do escritor, escolheu um colete do Flamengo dentre a coleção com mais de 600 peças deste estilo que o pai guardava. Durante a cerimônia, ele comentou sobre a grandiosidade do artista.
"Ele tinha noção e ele tinha uma relação muito boa com isso, porque ele nunca manipulou isso, ele sempre viveu da maneira mais bonita de se doar. Ele tinha uma história muito legal, que ele tinha a Bienal do Livro em São Paulo, e todo ano que ele ia, ele tinha a maior fila da Bienal. Era uma fila quilométrica, enorme, e isso era a coisa que mais fazia, que ele mais se gabava, ele sempre chegava e perguntava assim: 'como é que tá a fila'", recordou o filho.
A fã Sandra Henrique, de 64 anos, contou que passou a admirar Ziraldo por meio da obra 'Turma do Pererê', porque se identificava com os personagens e a brasilidade passada pela obra.
"Comecei mesmo com a 'Turma do Pererê', sentia que os personagens dele pareciam com a minha etnia. Tinha todos os personagens que falavam sobre a nossa brasilidade", explicou.
O irmão Geraldo Pinto contou que tinha Ziraldo como um tio por conta da diferença de idade. A admiração por parte do designer alcançava tanto pelos livros quanto pela atuação política.
"Ele se inspirou muito nele mesmo, teve essa oportunidade de ser essa criança feliz. Não vi porque eu era muito pequenininho, já sou meio sobrinho do Ziraldo, porque a gente tem mais de 20 anos de distância. Ele foi um menino feliz, sem dúvidas. Ziraldo sempre teve compromisso com a liberdade e a democracia, é uma constante da nossa família e a gente sentia em cada gesto e atitude. É um personagem incrível politicamente também, um orgulho", homenageou Gê Pinto.
O prefeito Eduardo Paes, presente no velório, afirmou apoio ao Instituto Ziraldo e destacou a boa relação que tinha como artista. "Tive a alegria e honra de conviver com o Ziraldo. A gente sabe que Minas Gerais tem uma coisa muito conectada com Rio, mas o Ziraldo era um desses mineiros que marcou a história dessa cidade. Uma vida muito bem vivida, soube que ele morreu em paz. Estava previsto chover e fez até sol para homenagear o Ziraldo nessa partida dele", contou o prefeito.
O chargista Renato Aroeira citou o jornal 'Pasquim', do qual Ziraldo foi um dos fundadores, para destacar a importância do escritor para o jornalismo.
"Ziraldo foi essencial. Como jornalista também, ele abriu projetos que, na verdade, mudaram a linguagem jornalística. Nenhum jornal brasileiro é o mesmo depois do 'Pasquim'. Ziraldo é um grande louco genialmente. Todo desenhista brasileiro tem Ziraldo em sua mão, não tem como não ter", ressaltou Aroeira.
Ziraldo morreu aos 91 anos, enquanto dormia em seu apartamento na Lagoa, na Zona Sul do Rio, no início da tarde de sábado. Nascido em 1932, na cidade de Caratinga (MG), o cartunista apresentou seu primeiro desenho aos 7 anos no jornal 'Folha de Minas'. Já em 1949, se mudou para o Rio de Janeiro, onde fez carreira.
Ainda no sábado, o Governo do Rio decretou luto oficial de três dias e diversos famosos compartilharam homenagens ao artista nas redes sociais, como Walcyr Carrasco, Zeca Camargo, Mauricio de Sousa e Xuxa.
Criador do 'Pasquim' e preso pela Ditadura Militar
Formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ziraldo nunca exerceu a profissão e começou na imprensa em 1954, no jornal 'Folha da Manhã'. Continuou publicando seus textos de humor na revista 'O Cruzeiro' e no 'Jornal do Brasil' no início dos anos 1960. Foi nesta época que começou a criar seus primeiros personagens, como Jeremias, o Bom e a Supermãe. Ele lançou a revista em quadrinhos 'A Turma do Pererê', que teve 43 edições, com tiragem média de 120 mil exemplares. Mas a publicação foi censurada e impedida de circular pelo regime militar em 1964.
Em 1969 ele foi um dos fundadores do 'Pasquim', que usava a ironia fina e o deboche para criticar os militares durante os anos de chumbo, driblando o Ato Institucional nº 5 (AI-5) - no dia seguinte à edição do ato, editado no dia 13 de dezembro de 1968 durante o governo do general Costa e Silva, Ziraldo foi preso em casa e levado para o Forte de Copacabana por ser considerado um 'elemento perigoso'.
O jornal, que tornou-se um símbolo de resistência, tinha ainda grandes nomes como Tarso de Castro, Jaguar, Sérgio Cabral, Millôr Fernandes, Luiz Carlos Maciel, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa, Claudius Ceccon e Carlos Prósperi. Apesar da perseguição imposta pelos militares, o 'Pasquim' teve 1.072 edições e circulou por 22 anos.
Ziraldo ficou mundialmente famosos por ser o 'pai' do 'O Menino Maluquinho', um clássico da literatura infanto-juvenil do país - o livro teve 110 milhões de exemplares vendidos -, além de ter criado personagens da 'Turma do Pererê', tornando-se um dos escritores infantis mais aclamados do Brasil.
Sua mais conhecida criação, o 'Menino Maluquinho', nasceu nos anos 1980 e foi inspirado no filho do escritor. O personagem deu origem ao livro campeão de vendas e ao filme de grande sucesso nos cinemas do país. O livro foi traduzido para o inglês, espanhol, basco, alemão e o italiano e teve adaptações para o cinema, teatro e TV.
Ziraldo parou de produzir textos e desenhos em setembro de 2018, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Seu estúdio, onde trabalhou durante 70 anos, na Lagoa, Zona Sul do Rio, está sendo transformado no Instituto Ziraldo.
Na TV Brasil, os 26 episódios do programa 'Um Menino muito Maluquinho' foram apresentados ao longo de 2006. O cartunista e escritor ainda apresentou o ABC do Ziraldo durante cinco temporadas. Foram 189 episódios onde o tema era sempre incentivar jovens e crianças ao hábito da leitura.
*Reportagem de Bruna Bittar e Fred Vidal
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