Manifestantes destacam importância cultural e histórica em ato pelo Beco das GarrafasRenan Areias/Agência O Dia
Publicado 23/05/2024 13:39
Rio - Músicos, comerciantes e moradores de Copacabana, na Zona Sul, realizaram um ato, nesta quinta-feira (23), pela revitalização do Beco das Garrafas. A travessa sem saída na Rua Duvivier foi, durante as décadas de 1950 e 1960, o primeiro palco de nomes da Bossa Nova que viriam a se tornar grandes ícones da música brasileira. O local continua oferecendo shows todas as noite, em duas casas de show. 
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A manifestação contou com a presença de artistas para reivindicar melhorias na segurança e infraestrutura da região e assinaturas dos participantes foram recolhidas. Sócia do Beco das Garrafas desde 2014, a cantora e produtora Amanda Bravo aponta que, apesar de ser um dos espaços mais importantes da música brasileira, o local não recebe atenção com outros pontos turístico da cidade. 
"A parte externa do Beco é muito abandonada, precisa urgente de um cuidado maior, como deveria ter um ponto turístico da cidade. À noite, mesmo com os shows, a gente não tem segurança, também. A gente precisa de iluminação, calçamento, que seja fechado o beco com portão, que seja bem sinalizado, um painel, como um ponto turístico é. Isso aqui já é um patrimônio, é um absurdo a gente ter que fazer um ato para mostrar que está abandonado", apontou Amanda. 
As duas casas de show recebem cerca de 60 apresentações por mês e, segundo Amanda, que é considerada uma legítima "filha da Bossa", seu pai, o violonista e compositor Durval Ferreira, um dos criadores do gênero, também lutou para manter o Beco das Garrafas ativo. Ela diz que acredita que a partir da revitalização, o espaço pode atrair mais atenção e conseguir investimentos. "Se revitalizar a parte de fora, quem sabe viriam patrocinadores interessados", argumentou. 
Responsável pela produção de shows nos espaços há cerca de três anos, o jornalista e produtor cultural João Luiz Azevedo destaca a relevância do Beco das Garrafas para a música brasileira. Ele descreve o local como o único da país a tocar somente Bossa Nova e um grande museu que mantém o gênero vivo para as novas gerações. 
"Esse espaço tem uma importância total, porque é o único lugar do Rio de Janeiro e talvez do Brasil que só toque Bossa Nova o ano inteiro, todos os dias. A história do Beco vem dos anos 1950, mais fácil do que citar quem tocou no Beco, é falar quem não se apresentou ali, de Roberto Carlos a João Gilberto, Jorge Ben Jor, Elis Regina (...) O Beco é um museu da Bossa Nova, não com cheiro de naftalina, de passado, mas que mostra à nova geração onde a Bossa Nova começou. É muita história valiosa e isso tem que ser preservado", declarou João Luiz, que lamentou a atual situação da região. 
"Essa situação é vergonhosa, porque um local que existe desde os anos 1950, que abrigou esses artistas todos, precisar disso é uma vergonha. A cidade não tem segurança, policiamento, saúde pública, falta tudo. Isso não é só Beco, mas nós acreditamos que, por ser tão importante, merecia ser melhor tratado", desabafou. O produtor relatou ainda que os shows que antes começavam às 22h, hoje têm início entre 20h30 e 21h, porque o público não se sente seguro para circular pela região. 
Para continuar atraindo o público para o local, os donos das casas de shows costumam divulgar as atrações nos hotéis da Zona Sul e os funcionários indicam o local para os turistas interessados em conhecer mais da música brasileira. Os ingressos custam cerca de R$60. Para o João Luiz, ao longo dos últimos anos, os casas de espetáculos foram perdendo espaço e algumas até fecharam as portas, por falta de investimentos e revitalização por parte do poder público. Ele teme que o Beco das Garrafas tenha o mesmo destino. 
"Esse ato hoje é para abrir os olhos para que o Beco seja preservado, não seja fechado. É segurança que você quer na sua rua, no seu bairro, não é nada demais. O Beco precisa de segurança, investimento da prefeitura, (o local) deveria ser pavimentado, ter mais iluminação. O que o Beco quer é continuar sem esse tipo de problema", desabafou. 
Determinada a preservar o Beco das Garrafas, a cantora Jehane Saade fundou e é líder do movimento One Real (R$1 onereal.tv), que promove uma série de shows apresentando artistas e músicos no espaço. "O Beco das Garrafas é um patrimônio de valor imensurável, porque ali teve o início da Bossa Nova. É um lugar muito ecumênico, é um patrimônio histórico-cultural nosso e deve ser mantido pelos governadores, pela prefeitura, porque ele representa nossa memória", afirmou a artista. 
"Até hoje as pessoas se nutrem do Beco das Garrafas, está mais do que na hora dos políticos e todos aqueles que podem, de fato, fazer algo, fazerem, porque é um patrimônio de todos, ele precisa ser olhado, precisa de revitalização, para que mais pessoas possam usufruir culturalmente", completou. 
Bem Cultural de Natureza Imaterial
O Beco das Garrafas foi declarado Bem Cultural de Natureza Imaterial pela Prefeitura do Rio, como forma de preservar parte da memória musical da cidade. Localizado entre os números 21 e 37 da Rua Duvivier, as casas de shows foram palcos de Dolores Duran, Elis Regina, Wilson Simonal, Leny Andrade, Jorge Ben, Sérgio Mendes, Dom Salvador, Edu Lobo, Tamba Trio, Baden Powell, além dos produtores Luiz Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli.
Algumas histórias estão por trás do nome do berço da Bossa Nova. Uma delas diz que o local foi batizado assim por conta do rastro de garrafas vazias abandonadas pelos frequentadores. Outra versão conta que a movimentação dos shows, as conversas altas nas saídas dos bares e o barulho dos carros particulares começaram a incomodar os moradores dos antigos prédios de Copacabana, que passaram atirar garrafas na direção dos boêmios para de expulsá-los da rua.

O fato ganhou os jornais e o cronista Sérgio Porto, que assinava textos com o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, se referiu ao local como "beco das garrafadas", nome que depois foi reduzido para Beco das Garrafas. Com o sucesso da Bossa Nova, artistas que começaram na Rua Duvivier partiram para turnês em outros estados e países. O gênero ganhou o mundo e as pequenas casas de shows não tinham mais capacidade para o grande público.
Os empresários também não conseguiam mais arcar com os altos cachês que os artistas passaram a solicitar, os bares foram perdendo clientes e o Beco caiu no esquecimento. Depois de muitos anos de abandono, em 2014, a produtora Amanda e o empresário Sérgio Martino revitalizaram o espaço e reabriram o Little Club e o Bottle's Bar, que atualmente têm capacidade para receber de 40 a 60 pessoas todas as noites.

 
 
 
 
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