Fabiane Simão e o filho DanielAcervo pessoal
Publicado 02/06/2024 00:00
O menino Daniel Simão nasceu prematuro extremo, com apenas cinco meses de gestação, e teve que ficar internado para se desenvolver, fazendo uso de ventilador pulmonar para ajudá-lo a respirar. Com 4 meses, ainda internado, pegou uma bactéria multirresistente hospitalar, que não o permitiu se livrar da ventilação mecânica. Aos 8, teve um choque séptico que desencadeou em uma parada cardíaca respiratória, levando a uma paralisia cerebral. Hoje, com 9 anos, e diagnosticado com transtorno do espectro autista, Daniel tem uma rotina diária de reabilitação multiprofissional que envolve terapias motora, respiratória e ocupacional, sessões com fonoaudiólogo, psicomotricista, psicólogo e psicopedagoga.
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Porém, desde outubro de 2023, o tratamento do jovem está interrompido pelo plano de saúde. Mesmo com uma decisão liminar proferida pela justiça, a empresa manteve o cancelamento, alegando que estava encerrando os contratos das carteiras vinculadas a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
"O que nos deixa mais tristes é que levamos cinco anos para Daniel não respirar mais com a ajuda de oxigênio e seis para ele andar. E agora, com apenas alguns meses sem tratamento, ele retrocedeu no desenvolvimento. É bem cruel tudo o que os planos de saúde estão fazendo", afirma a fisioterapeuta Fabiane Simão, mãe de Daniel.
A pausa nos cuidados levou Daniel a voltar a alimentação por gastrotomia e, sem o hábito de mastigar, os dentes estão nascendo encavalados. A parte vocal também foi prejudicada. Daniel não consegue mais falar, fica nervoso com a limitação e se mutila.
O caso de suspensão unilateral do contrato de Daniel é apenas um entre as mais de 5 mil reclamações feitas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). As rescisões são questionadas por órgãos de defesa do consumidor.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) no dia 23, investigará o descumprimento de contratos de planos de saúde com pessoas com deficiência (PCDs). A CPI foi requerida em março deste ano pelo deputado Fred Pacheco (PMN), presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência. Os membros serão anunciados no dia 11 de junho.
A CPI é resultado de uma campanha intensa realizada pelo parlamentar e por pais e mães atípicas. Dentre as diversas manifestações, destacam-se um ato unificado em frente à sede da Unimed Rio, na Barra da Tijuca, Zona Oeste, com a presença de mais de 200 famílias, no dia 5 de março, e uma manifestação em frente do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), no dia 2 de abril.
No mesmo dia, houve uma reunião no gabinete de Fred Pacheco com o presidente da ANS, Paulo Rebello. Ele informou que criaria um grupo de trabalho no Rio de Janeiro para resolver o impasse. Porém, o parlamentar não conseguiu mais contato com Rebello.
"Lutamos para que essa CPI possa resolver a angústia de pais e mães de pessoas com deficiência. Saúde não é mercadoria", afirma Pacheco.
Famílias prejudicadas estão esperançosas com o trabalho de fiscalização das agências reguladoras de planos de saúde. O presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-Al) anunciou, na última terça-feira (28), um acordo com operadoras para anular os cancelamentos unilaterais de planos de saúde dos últimos dois anos de pessoas em tratamento de doenças graves e TEA (Transtorno do Espectro Autista). Novos cancelamentos unilaterais de planos coletivos por adesão também serão suspensos, de acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Mesmo com o desdobramento, o gabinete do deputado Fred Pacheco garante que a CPI acontecerá.
Direitos do Consumidor
A advogada especialista em Direito do Consumidor Cátia VitaAriane Schmitz
A advogada Cátia Vita esclarece que o beneficiário do plano de saúde pode pedir indenização de danos materiais e morais por constrangimento. Se tiver feito o pagamento, pode requerer na justiça o valor e pedir uma obrigação de cumprir o contrato com aplicação de multa diária.
Mas ela alerta que, antes de procurar a esfera jurídica, o contratante deve tentar resolver o impasse administrativamente, com envios de e-mails e mensagens por WhatsApp para a empresa, para ter provas de que teve a solicitação negada.
Cátia conta que um dos seus clientes com filho autista tem medo de transferir a criança de plano de saúde e não conseguir ser atendido por outro convênio: "Eles não têm a igualdade que outros consumidores têm por conta de medo e constrangimento que os outros não têm", finaliza.
Karla Penna, advogada, complementa que a seleção de doenças pré-existentes na hora de contratar um plano de saúde é ilegal e vai contra as leis que garantem igualdade de acesso aos serviços de saúde para todas as pessoas. "Negar clientes com deficiência física com base em doença pré-existente configura discriminação". A prática deve ser denunciada à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e procurar orientação jurídica para garantir os direitos. É importante lembrar que as operadoras de planos de saúde são obrigadas a oferecer cobertura para tratamento de todas as condições de saúde, incluindo as pré-existentes, de acordo com o que está estabelecido no contrato e na legislação vigente.
Considerando as reportagens a respeito de cancelamento de contratos de planos de saúde coletivos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) esclarece em nota que "é proibida a prática de seleção de riscos. Não pode haver seleção de riscos pelas operadoras de planos de saúde no atendimento, na contratação ou na exclusão de beneficiários em qualquer modalidade de plano de saúde. Ou seja, nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano de saúde em função da sua condição de saúde ou idade, não pode ter sua cobertura negada por qualquer condição e, também, não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos. 
Além disso, o art.14 da Lei 9.656/98 estabelece que 'em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados.'"
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