Mais de 130 imóveis foram considerados aptos para fazerem parte da iniciativa no Centro do Rio de Janeiro. Reviver Centro Cultural Ana Alexandrino/ Divulgação
Publicado 16/06/2024 00:00
As ruas de paralelepípedos no Centro do Rio rodeadas de casarões com as tinturas descascadas e com construções que foram levantadas nos séculos passados carregam anos de história que passam despercebidos aos olhares desavisados. Tão características para os moradores, essas ruas estão voltando a ser frequentadas devido ao programa Reviver Centro Cultural, uma cooperação promovida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico e da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) para revitalizar a região.
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Lançado em julho do ano passado, o projeto busca fazer com que imóveis no quadrilátero formado pelas avenidas Presidente Vargas, Rio Branco e Primeiro de Março, pela Rua da Assembleia e por parte da Orla Conde sejam ocupados com projetos culturais, como livrarias, galerias de arte, escolas de dança e escolas de fotografia.
No total, dos 136 imóveis considerados aptos para fazer parte da iniciativa, 39 endereços foram inscritos para participar. O programa abrange espaços desocupados e voltados para a rua. Ainda foram incluídos 132 projetos culturais, dos quais 84 foram habilitados para ocupar os espaços. Ao fazerem o credenciamento, os donos dos projetos devem procurar os proprietários dos imóveis e corretores para realizar o aluguel do espaço pelo qual tiverem interesse. De todos os projetos inscritos, 26 já estão em desenvolvimento.
Para estimular os novos ocupantes, a prefeitura também fornece um auxílio para a reforma dos imóveis abandonados, além de repasses para despesas mensais, como aluguel, água e luz por no máximo quatro anos. Os auxílios para a reforma podem chegar a até 192 mil reais, calculados a 1 mil reais por metro quadrado. E as despesas fixas podem ser de até 14,4 mil reais, estabelecido em 75 reais por metro quadrado.
Um dos casarões abertos é a “QueeRIOca”, localizado na Rua da Travessa, número 16. O ambiente, idealizado pelo casal Laura Castro e Cristina Flores, foi pensado durante a pandemia para ser um espaço para criação e exposição de trabalhos de artistas LGBTQIA+. A casa atualmente se dedica à literatura, ao teatro e à música, com ênfase na produção artística queer.
Laura contou que foi amor à primeira vista ao encontrar o imóvel. “O corretor estava mostrando para a gente as casas, e eu olhei uma de portas vermelhas. A gente chegou perto e tinha um grafite com duas noivas. E eu disse para a Cristina: ‘É aqui mesmo, essa casa tá marcada’.”
No entanto, o espaço não estava preservado e precisou de uma grande reforma, que durou dois meses. “A fachada estava muito preservada, mas por dentro o teto estava com o gesso quebrado, as paredes estavam todas descascadas, o andar do subsolo estava meio inundado e a situação hidráulica e elétrica estava bem complicada”, relata.
Após fazer todos os ajustes, a casa foi inaugurada no final de abril deste ano. “As nossas visitas estão aumentando semanalmente. As pessoas ficam muito felizes de verem que o Arco do Teles está com eventos. Elas desacostumaram a fazer esse trajeto”, diz Laura, com entusiasmo.
O ator e atendente da QueeRIOca Áquilas Lourin explicou que a revitalização tem sido um fator atrativo para os novos visitantes que chegam. “Essa área está começando a ser revitalizada agora. Era um espaço que, desde a pandemia, estava todo fechado. Ninguém tinha interesse nem de passar por essa rua. Agora, a gente tá no processo de mostrar um pouco do Arco do Teles para quem aparece”, revela ele.
Na mesma região, outro casarão que foi aberto é a “Casa Tucum”, situada na Rua do Rosário, 30. O empreendimento foi desenvolvido pela mineira Amanda Santana há 10 anos, quando trabalhava como cabeleireira e maquiadora em um ateliê de beleza. Na época, ela divulgava e vendia artesanatos de povos originários para suas clientes, contando a história por trás desses produtos.
Ao se deparar com o edital, durante a pandemia, Amanda resolveu inscrever o seu projeto, que além de uma loja conceito, também conta com uma galeria de arte, oficinas, palestras e rodas de conversa.
“A gente já sente uma grande mudança na região. A cada dia um novo parceiro abrindo seu espaço. Eu percebo que a cidade vai ganhar muito. O Centro do Rio sempre foi um lugar de referência cultural para o Brasil”, afirma Amanda, sócia do empreendimento.
A artista Eliza Lacerda conta que conhecia o espaço e resolveu visitá-lo. “Eu acho que o projeto é uma maneira de reocupar esses casarões e ressignificar esses lugares. Nesse caso aqui, por meio da história dos nossos ancestrais.”

* Reportagem da estagiária Luana Pilatti, com supervisão de Ana Carla Gomes
Patrimônio histórico
Vizinhos do Arco do Teles, da Candelária e da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, onde foi proposto o Dia do Fico, os casarões históricos reabertos remontam a história do Rio de Janeiro entre os séculos XVII e XX.
Embora sejam de grande importância histórica, as fachadas desgastadas revelam que estes espaços não foram preservados ao longo de sua história. Um exemplo recente é o imóvel de número 19 na mesma rua da QueeRIOca, que desabou em outubro do ano passado.
Para o historiador e advogado Bruno Cerqueira, a falta de reconhecimento e preservação dos casarões impede que os visitantes conheçam a história por trás deles. “Às vezes, num casarão morou um grande escritor ou um titular do Império. Não há uma preocupação com o registro disso. Quando você anda nas ruas do Rio, não fica sabendo quem morou em qual lugar”, avalia. “A história do Rio de Janeiro é uma história de destruição do patrimônio histórico”, completa.
O motivo desse abandono ocorre, segundo Cerqueira, devido ao esvaziamento das residências nos Centro, que são substituídas pelo surgimento de centros comerciais. “Tudo que havia no século 17, 18 e 19, que era morada e comércio, deixa de existir, e fica sendo só comércio. Depois, o próprio comércio vai à falência.”
O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, Chicão Bulhões, comentou a importância da iniciativa para a cidade e destacou que ajudará a manter vivo o patrimônio do Rio de Janeiro. “É essa a nossa expectativa com o Reviver Cultural: levar pessoas que não frequentavam mais a região, atrair outros cariocas que não tinham o costume de curtir o Centro e, em paralelo, reaquecer o comércio daquela área, dando nova vida a imóveis e ao bairro histórico”, ressalta.
Para os projetos que quiserem participar do programa, devem cumprir alguns critérios, como incluir horário de funcionamento noturno, disponibilidade para dirigir o espaço por, no mínimo, 30 meses e exercer algumas das atividades comerciais, artísticas ou culturais listadas no edital.
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