Publicado 03/07/2024 16:09 | Atualizado 04/07/2024 11:20
Rio - Diversos equipamentos e mobílias do histórico Cine Pathé, na Cinelândia, no Centro do Rio, foram resgatados pelo Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (Lupa-UFF). Os materiais, que seriam descartados, agora serão preservados em um acervo da universidade, que tem um projeto para construir um museu aberto ao público.
PublicidadeEm entrevista ao DIA, o professor e coordenador do laboratório, Rafael de Luna, de 44 anos, disse que a ideia de resgatar os equipamentos surgiu no segundo semestre do ano passado, após levar seus alunos para visitarem o prédio do antigo cinema, onde hoje funciona uma igreja evangélica.
Na ocasião, Rafael, que também é pesquisador, entrou em contato com Helena Ferrez - uma das proprietárias do espaço - para escrever uma tese sobre a relação de sua família com o cinema nacional e aproveitou para perguntar sobre a possibilidade deles doarem os equipamentos à universidade. Foi quando ele descobriu que os materiais seriam jogados fora.
"Naquela oportunidade, nós conseguimos entrar na cabine e vimos que os projetores estavam lá, aí eu fiquei com isso na cabeça. Por sorte, a igreja que aluga o espaço ainda não tinha descartado os equipamentos. Foi uma série de coincidências. Quase que foi um final trágico, mas por sorte a gente conseguiu chegar a tempo. Os equipamentos ficaram lá por 30 anos e iriam ser descartados. Aconteceu no momento certo", comemorou Rafael.
Ao todo, o laboratório conseguiu resgatar dois projetores antigos, de 35-70mm da marca Incol, além de lentes, rolos de filmes e uma mesa para guardar esses filmes, típica de cinemas antigos. Segundo Rafael, foram necessárias três visitas para desmontar e retirar todos os equipamentos.
"Primeiro nós tiramos as peças mais frágeis, como lentes de vidro, que conseguimos levar de carro. Depois fomos mais duas vezes ao espaço, com uma equipe da UFF, para desmontar as partes mais pesadas. Na segunda visita foi uma equipe menor e só conseguimos tirar um projetor. Já na sexta-feira, fomos mais preparados, com mais gente, então conseguimos levar tudo que queríamos. Como fomos outras vezes ao local e percebemos que os equipamentos eram grandes, já embalamos tudo e planejamos como seria essa retirada. Acabou que foi tudo bem rápido e ágil, apesar de ter sido bem pesado. Isso só deu certo graças a um trabalho coletivo da UFF, além da família Ferrez e da igreja que aluga o espaço. Só aconteceu graças ao empenho de todos", lembrou.
Todos os materiais resgatados serão incorporados ao acervo do laboratório da universidade. De acordo com Rafael, desde que a LUPA foi criada, em 2017, eles vêm realizando trabalhos de recuperação de acervos e equipamentos para criar um museu dentro do prédio do Instituto de Arte e Comunicação Social, na Rua Professor Lara Vilela, em Niterói, Região Metropolitana.
A ideia é que o espaço seja aberto ao público, privilegiando a comunidade local e recebendo visitas de escolas e pesquisadores. Um dos projetos é de reproduzir a cabine do Cine Pathé, com os mesmos projetores e equipamentos. O museu, no entanto, ainda não tem data para inaugurar.
"Nesses últimos dois meses nós estamos organizando a reserva técnica desses equipamentos. Depois, nós vamos pensar em um projeto para montar esse espaço expositivo. Temos o espaço, mas ainda precisa de um tratamento de iluminação, cenografia e mobiliário. Estamos buscando uma parceira para abrir essa exposição de forma mais organizada possível", explicou Rafael.
Atualmente, o edifício onde funcionava o Cine Plathé está alugado a uma igreja evangélica, mas ainda pertence a família Ferrez. Helena Ferrez é uma das proprietárias do imóvel e mediou as conversas para a doação dos equipamentos. Para a documentalista, de 76 anos, o resgate dos materiais foi importante para a preservação da memória do cinema e da família.
"O lado da família Ferrez ligado ao cinema ainda não foi muito explorado. O enfoque sempre foi muito em cima da fotografia, devido ao Marc Ferrez (1843-1923). E isso ajuda a preservar um pedacinho da história da família e do cinema. Estamos felicíssimos em saber que esse material não foi para a sucata. A família tem que agradecer a UFF por ter resgatado os equipamentos, preservando um pedacinho da história", reforçou.
De acordo com Helena, assim que conversou com Rafael, cerca de um ano atrás, ela falou com seu primo Eric Ferrez, que é o encarregado de cuidar do aluguel do imóvel. Ele conversou com a igreja, que também topou realizar a doação.
"A família Ferrez ajudou, a igreja ajudou e o Rafael também. Na vida, quando tem que ser, é. Foi uma conjuntura que casou tudo. É muito melhor ter essa história preservada do que ir para a sucata. Hoje, talvez a gente não tenha a dimensão da importância dessa ação. Mas daqui há alguns anos, quem sabe esse acervo se junta com outros e ganha uma outra dimensão", comentou Helena.
Segundo Rafael de Luna, os equipamentos doados pela família estão completos e devem funcionar bem. O pesquisador explicou que eles estão montando uma oficina de restauração, junto com os estudantes da universidade. Ele acredita que como os materiais foram feitos para durarem por anos, será possível recuperá-los.
"Ainda não conseguimos ver como está o estado dos equipamentos. Como recuperamos quase agora, eles ainda estão desmontados. Mas provavelmente vai ser só colocar um pouquinho de graxa, lubrificar, trocar as borrachas e correias e revisar o sistema elétrico. Geralmente a gente costuma ter muito sucesso nessas restaurações, porque são equipamentos feitos para durarem muitos anos, diferente dos equipamentos eletrônicos e digitais, por isso são grandes e pesados", explicou.
Para o pesquisador, o resgate dos materiais do antigo cinema foi um raro caso de final feliz no momento recente do audiovisual nacional. Rafael disse estar realizado por ter conseguido atingir o objetivo de resgatar e preservar um pouco da história do cinema brasileiro.
"Nós, que somos do cinema, estamos recebendo muitas notícias ruins. É sala que fecha, equipamentos jogados fora... então eu fiquei muito feliz porque deu tudo certo. Quando nós temos a oportunidade de preservar algo que é importante e raro, e que não são todas as instituições que valorizam, a gente tem um carinho maior", comemorou.
Conheça a história do Cine Pathé
Fundado em 18 de setembro 1907, pelo fotógrafo Marc Ferrez, o Cinematographo Pathé ficava na recém inaugurada Avenida Central - hoje Avenida Rio Branco - e ocupava dos espaços, na altura dos números 147 e 149.
Ele foi o terceiro cinema do Rio de Janeiro, que até os anos 1930 era a cidade que tinha os cinemas mais importantes e lucrativos do Brasil. A sua existência só foi possível devido a uma sociedade da Marc Ferrez com a francesa Pathé, maior empresa cinematográfica mundial até a década de 1920.
O Cine Pathé exibia grandes sucessos de público, estrelados por personagens que se destacaram na história do cinema, como Max Linder, Charles Chaplin e Tom Mix.
Em 1912, o cinema Pathé se transferiu para o número 116 da Avenida Central e em abril de 1928, após a morte de Marc Ferrez, foi inaugurado o Pathé Palace, na Cinelândia, com a exibição de uma extensa programação.
De acordo com o historiador Rafael de Luna, conforme os filmes foram tendo mais tempo, com as grandes produções de Hollywood, as salas do início do século XX foram ficando pequenas e defasadas, criando uma demanda por cinemas mais modernos, maiores e mais confortáveis.
"Foi a Cinelândia que marcou a incorporação desse modelo de palácios de cinema, com a abertura de vários cinemas no térreo de um dos edifícios mais altos da cidade. O Pathé foi quem iniciou a criação desse espaço. Esse projeto não só mudou o eixo da diversão no Rio, como também mudou a face urbana da cidade. Isso levou a renomear esse trecho de Cinelândia", explicou.
O Pathé fechou as portas no final dos anos 1990 e parte de seu acervo foi doado ao Arquivo Nacional e ao Instituto Moreira Salles. O espaço, localizado na Praça Floriano 45, no Centro do Rio, está alugado para a Igreja Universal há cerca de 20 anos.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Flávio Almeida
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