Arte para matéria do stalkingArte: Kiko
Publicado 14/07/2024 00:00
A sensação constante de medo e insegurança e a suspeita de que está sendo seguido por um estranho, recebendo mensagens indesejadas e insistentes de um desconhecido podem ser perturbadoras. Essa prática, conhecida como perseguição ou 'stalking', em inglês, se tornou crime no Brasil em 2021. Famosos como Débora Falabella, Sophia Abrahão, Ana Hickmann, Selena Gomez e muitos outros já foram vítimas desse crime, mas o problema está longe de ser só com pessoas públicas. No cotidiano, a perseguição geralmente se desenvolve de forma gradual. Entre a população geral, o perseguidor tende a ser um ex-companheiro ou alguém que deseja se aproximar da vítima.
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Recentemente, a série 'Bebê Rena' trouxe à tona o tema ao narrar a história de Donny Dunn, um atendente de bar cuja vida foi virada de cabeça para baixo por sua stalker, Martha, uma suposta advogada que se tornou cliente assídua e passou a persegui-lo incansavelmente. Além da trama, há casos como o da atriz Débora Falabella, que revelou conviver com a situação há mais de 10 anos. Em 2013, uma fã entrou no mesmo elevador que a artista e pediu uma foto e, desde então, o caso ficou preocupante com visitas frequentes a peças de teatro, envio de presentes ao camarim, como uma toalha branca, objetos pessoais e uma carta com conteúdo íntimo e invasivo. Já Sophia Abrahão, outra atriz que sofreu com o stalking, relatou que, na época em que fazia parte do grupo 'Rebelde', entre 2011 e 2012, recebia presentes e sua família também era alvo do stalker.
A maioria das vítimas é do sexo feminino, aponta o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Em 2022, o Brasil registrou 56.560 ocorrências de stalking, um aumento de 75% em relação ao ano anterior, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. No Rio, foram contabilizados 2.642, sendo 31,6% dos casos.
Já em 2021, mais de 600 mulheres no Rio foram vítimas do crime de perseguição, sendo a maioria dos agressores os companheiros ou ex-companheiros com 87,1% e cerca de 59% das ocorrências aconteceram em dentro de casa, apontam os dados da 17ª edição do Dossiê Mulher divulgado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).
Segundo o advogado especialista em direito digital, Daniel Blanck, o 'stalking' ou perseguição refere-se a perseguir alguém de forma persistente e repetitiva por qualquer meio, inclusive de forma eletrônica como as redes sociais, entre outros, com o objetivo de causar medo, angústia, incômodo ou perturbação emocional na vítima. "A tipificação do stalking exige a reiteração da conduta", afirma Blanck.
O stalking pode ser dividido em duas categorias: o cyberstalking, que ocorre através da internet, e o stalking offline, que ocorre fora do ambiente virtual. Ambos são considerados crimes no nosso ordenamento jurídico. O cyberstalking envolve o uso de meios eletrônicos, como redes sociais, e-mails e mensagens de texto, para perseguir, assediar ou intimidar alguém repetidamente. Com a internet, os perseguidores podem coletar uma quantidade significativa de informações sobre suas vítimas, tornando a perseguição virtual potencialmente mais invasiva e perigosa.
Como identificar e denunciar
Identificar que está sendo vítima de perseguição pode incluir sinais como a sensação de estar sendo constantemente observado por alguém com comportamento suspeito e repetitivo, ou monitoramento on-line excessivo. Alguém constantemente vigiando suas atividades nas redes sociais, enviando mensagens indesejadas ou invadindo sua privacidade online pode ser um sinal de perseguição.
“O elemento subjetivo do injusto penal é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de perseguir alguém, perturbando-lhe a liberdade física ou psíquica e a sua tranquilidade, não se exigindo um resultado específico. O crime de perseguição pode ser configurado quando uma pessoa passa a perseguir, de forma reiterada e indesejada, outra pessoa, causando-lhe um sentimento de ameaça, incômodo ou constrangimento. O elemento crucial para a caracterização do crime de perseguição é a conduta reiterada e indesejada, que causa prejuízo à tranquilidade e à liberdade da vítima. O medo ou insegurança podem ser consequências dessa conduta, mas não são requisitos indispensáveis para a configuração do crime”, explica o advogado.
Blanck ainda recomenda que, caso a pessoa esteja sendo vítima de perseguição, “é crucial gravar todas as possíveis provas, especialmente aquelas que são explicitamente abusivas ou ameaçadoras, pois podem servir de evidências para registro de ocorrência por meio das autoridades”.
Os direitos da vítima incluem:
- Direito à privacidade: A participação da vítima na persecução penal deve ser acompanhada da garantia de sua segurança, para evitar que a busca por justiça lhe exponha ao risco de um novo trauma.
- Direito à informação: A vítima tem o direito de receber informações claras e precisas sobre seus direitos e opções de apoio disponíveis.
- Direito à assistência jurídica: A vítima tem o direito de receber assistência jurídica para esclarecimentos técnicos sobre o direito aplicável ao caso concreto e para tirar dúvidas sobre o trâmite das investigações e do processo.
- Direito a medidas protetivas: A vítima tem o direito de receber medidas de proteção, como ordens de restrição ou afastamento, para garantir sua segurança.
-Direito à reparação de danos: A vítima tem direito a buscar a reparação dos danos sofridos, sejam eles morais ou materiais.
Obsessão, motivação e comportamento
Conforme explica o psiquiatra Alexandre Proença, a obsessão se torna uma patologia quando se torna algo insistente, repetitivo, intenso e desproporcional. "Ao contrário dos casos que vieram na mídia recentemente, a maioria dos stalkers são do sexo masculino e apresentam histórico de comportamento violento e ameaçador", afirma ele.
A psicóloga Sandra Salomão descreve as características dos stalkers, relacionando-as com o perfil psicológico dos agressores. Ela menciona que uma das motivações para esse comportamento pode ser a necessidade de ferir após se sentir ferido. Além disso, indivíduos com personalidades mais comprometidas podem ter questões de baixa autoestima e uma necessidade de provocar sofrimento nos outros, sentindo prazer em criar situações que afetam e assustam outras pessoas.
“Não existe um perfil típico de stalker, mas a maioria são homens com histórico de agressividade e ameaças. Os transtornos psiquiátricos mais comuns entre eles são os transtornos de personalidade antissocial ou borderline e o transtorno por uso de álcool e outras drogas. Além disso, pode ocorrer a erotomania, onde a pessoa desenvolve a convicção delirante de que outra pessoa, geralmente de posição social mais alta, está apaixonada por ela, mesmo sem isso ser real”, exemplifica o psiquiatra.
Para ele, as motivações para o stalking variam, a reconciliação é uma motivação muito comum, especialmente em casos que envolvem ex-maridos ou ex-namorados. Outra é a tentativa de criar intimidade, geralmente com conhecidos ocasionais, como clientes ou vizinhos. O ressentimento pode levar ao stalking como forma de vingança por situações passadas. Por último, há a motivação de cunho sexual, onde o objetivo é cometer algum tipo de abuso.
Impacto psicológico e como superar o trauma
As vítimas de stalking frequentemente sofrem de medo, ansiedade, tristeza e insônia, o que pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais. “Elas podem enfrentar prejuízos significativos em várias áreas da vida, incluindo a esfera social, econômica e profissional. Evitar locais ou até mesmo sair de casa, gastar mais com segurança e transporte, mudar rotinas de trabalho ou estudos e desenvolver condições como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático são consequências comuns”, pontua o psiquiatra Alexandre Proença.
Segundo a psicóloga Sandra Salomão, as vítimas experimentam efeitos psicológicos profundos e esse terror interno é especialmente intenso entre os jovens, mas também afeta os adultos de maneira significativa. Ela destaca que “quanto mais jovem a vítima, maior é a desestabilização causada pela perseguição. O sentimento profundo de insegurança resultante desse trauma persiste por um longo período, mesmo após a perseguição ter cessado, necessitando de intervenção terapêutica para uma resolução efetiva”, diz.
Para as vítimas, “é crucial procurar amparo profissional e buscar acompanhamento psicológico e psiquiátrico”, salienta o psiquiatra. Para ele, quando necessário, o tratamento farmacológico pode ser uma parte importante do processo de recuperação.
Salomão acredita que, embora a medicação possa tranquilizar temporariamente, o trabalho terapêutico é essencial para lidar com questões subjacentes de insegurança e medo. “A terapia deve focar em tratamentos para o estresse pós-traumático ou protocolos específicos para traumas, ajudando a vítima a aprender a se tranquilizar e a lidar com os efeitos duradouros da perseguição”, afirma.
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