Publicado 28/07/2024 05:00
Rio - Autor de sambas e marchinhas de sucesso, o guitarrista e maestro Mirabeaux Pinheiro, de 82 anos, é um dos 50 residentes ilustres do Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, na Zona Oeste. Morando há oito meses na centenária instituição, o viúvo da cantora Lana Bittencourt (1932-2023) transformou o novo lar em uma pequeno museu, ou na "casa do amor", como ele mesmo define, decorado com dezenas de fotos e objetos da diva da Era do Rádio. Em entrevista exclusiva ao DIA, o veterano conta que decidiu se aposentar dos palcos, no entanto, ainda quer lançar uma marchinha para o próximo Carnaval: "Espero que vire hit."
PublicidadeMirabeaux passou a viver no Retiro três meses após a partida de Lana, em agosto do ano passado, em decorrência de complicações cardíacas durante uma cirurgia para tratar de problemas de circulação nas pernas.
Segundo o músico, a ideia era que eles fossem morar juntos em Jacarepaguá. Entretanto, Lana não queria abandonar o local onde dizia ter sido mais feliz com o marido: Pedro do Rio, em Petrópolis, na Região Serrana. Antes de morrer, inclusive, a intérprete fez questão deixar registrado o pedido para que suas cinzas fossem espalhadas na região.
"Ela ficou cerca de um ano enfrentando esse problema. Eu parei de tocar para ficar ao seu lado. Fiquei até o último momento com ela. Agora estou aqui no Retiro dos Artistas, achando maravilhoso. Estou muito feliz e acho que a Lana também está muito contente por eu viver aqui. A minha vida hoje é esse lugar! Estarei aqui até quando Deus quiser", revela o maestro, que recentemente gravou um vídeo especial para uma série no Instagram sobre os moradores do Retiro.
Para homenagear Lana, com quem viveu por 51 anos, o músico adornou o novo lar com fotos da trajetória do casal, eternizando o relacionamento a partir de um dos hits do repertório da diva, "Hino ao Amor", versão brasileira para um clássico de Edith Piaf (1915-1963).
Aos visitantes, o maestro gosta de mostrar uma guitarra personalizada com enfeites brilhantes, seu principal passatempo. Ele, também, adora relembrar histórias e rever vídeos de shows em que se apresenta ao lado de Lana. O casal não teve filhos. O veterano, porém, teve dois com a primeira mulher.
Todos os dias, ao acordar, Mirabeaux reza e revive a música que tocou para a amada no primeiro encontro: "Alfie", de Burt Bacharach (1928-2023). "A morte de Lana me afetou muito. Até hoje eu espero um sonho com uma mensagem dela. Quando vim para cá, comecei a ajeitar a casa com as fotos dela e fiz um pacto de não tocar para mais ninguém. Agora, eu só toco aqui dentro, para meus filhos e meus amigos. Estou aposentado, não tenho mais apetite para ficar tocando de madrugada", diz.
Depois de 65 anos dividindo palcos com grandes nomes da música, entre eles o cantor Cauby Peixoto (1931-2016), com quem trabalhou por cerca de 15 anos, Mirabeaux "pendurou" a guitarra. No entanto, apesar da aposentadoria, ele ainda pretende lançar uma canção: a marchinha "Chá de Nabo Seco", escrita por Lana, que deve ser gravada até o fim do ano.
"As marchinhas são coisas que a gente vê no dia a dia e coloca em canção. Essa que a Lana fez foi baseada na história de um antigo vizinho dela, que estava velho, fraco e não andava mais. Eu vou chamar uma cantora para gravar e eu que vou produzir a parte musical", conta Mirabeaux, autor de marchinhas famosas, como "Cachaça Não É Água" e "Turma do Funil", em parceria com o tio, o compositor Mirabeau Pinheiro (1924-1991)". "Se passar na censura, pretendo lançar a música e espero que vire hit no Carnaval", aposta.
Trajetória
Nascido em Niterói, na Região Metropolitana, ele começou a tocar violão aos 14 anos. "Quando eu era garoto, o diretor do colégio em que eu estudava chamou minha mãe e disse que ela estava jogando dinheiro fora, porque eu não queria saber de estudar. Meu negócio era festa. Então, ela me colocou em uma aula de violão. A partir daí, eu passei a procurar a tocar nas boates do Rio", recorda.
Anos depois, Cauby, primo de Lana, o viu tocar, gostou e o convidou para fazer shows. Mirabeaux tocou, também, com Ed Lincoln (1932-2012) e Pery Ribeiro (1937-2012), além de participar da Banda Veneno.
Paraíso na Zona Oeste
Fundado em 1918, o Retiro dos Artistas abriga nomes que fizeram história na música, na TV, no teatro, no cinema, no circo e no esporte, como o músico Carlinhos Pandeiro de Ouro, o baterista Robertinho Silva e o ator Rui Rezende.
"É um privilégio ter o Mirabeaux vivendo conosco. Não só ele, mas todas outras pessoas que contribuíram muito para a arte e a cultura do nosso país. Além de toda a experiência, eles nos passam muita cultura, muita arte e muita vida", destaca Cida Cabral, administradora do Retiro.
Atualmente, a instituição, que possui 50 residências, está operando com capacidade máxima. Em breve, entretando, o local vai ganhar três novas casas.
"Nós recebemos artistas não necessariamente por passar por problema financeiro, mas também com problemas psicológicos ou familiar e até os que querem viver aqui para estarem perto de amigos. E para viver aqui, a pessoa tem que entrar em contato e solicitar uma vaga. Nós fazemos um estudo com uma equipe técnica, com psicólogo, assistente social e médios, para entender qual o problema. Entre as pessoas que estão aguardando, nós vamos atender quem tem mais necessidade, de acordo com os resultados dos estudos da nossa equipe", explica Cida.
Com aproximadamente 15 mil m², o Retiro conta com teatro, cinema, biblioteca, salão de beleza, clínica de fisioterapia, lavanderia e diversos serviços para atender os moradores. Sem fins lucrativos, a instituição sobrevive por meio de doações, que podem ser feitas pelo site oficial, e de um bazar.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Raphael Perucci
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