A artista plástica expõe seu trabalho no Instituto dos Pretos NovosArquivo Pessoal
Publicado 25/07/2024 06:00
Ao longo da história, a mulher vem sendo aviltada em diversos aspectos: não podia votar, o CPF era o mesmo do marido, não usava calças compridas e nem maquiagem. Ainda hoje, a maioria das mulheres ganha menos do que os homens com funções iguais. Se para mulher branca já é difícil, o que dizer, então, da mulher negra que sempre esteve na base da pirâmide social e toma até menos anestesia na hora do parto porque alguns médicos afirmam que a mulher negra é mais forte. A situação até melhorou um pouco pois hoje há mulheres negras juízas, médicas, sociólogas, professoras, mas falta muito para chegar ao ideal. De acordo com o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os estupros acontecem mais com meninas negras (52%) com idade no máximo de 13 anos (61,6%).
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Para reverter a situação e unir ainda mais as mulheres negras de todo o mundo na luta contra o racismo e machismo, é comemorado, há 32 anos, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A ideia surgiu em 25 de julho de 1992, no 1º encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, em Santo Domingo, República Dominicana. No Brasil, a data foi oficializada com a promulgação da Lei 12.987/2014. Em 25 de julho, também é celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela, uma líder quilombola de destaque que resistiu à escravidão durante duas décadas no século XVIII, lutando pela comunidade negra e indígena que vivia sob sua liderança. Para marcar o dia, haverá eventos no Instituto Pretos Novos, na Gamboa, no Centro Cultural PGE-RJ (antigo Convento do Carmo), na Praça XV, e em Campo Grande.
Diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, fala da importância do dia, mas afirma que o avanço é muito lento. "Nós, mulheres negras, somos o maior segmento “invisibilizado’’. Coloco entre aspas porque somos vistas, mas o acesso aos nossos direitos não. As mulheres negras são empurradas para margem das margens", diz ela, acrescentando que em 1992 era ativista e quando houve o encontro a data foi abraçada pelo movimento. "Esse dia faz parte da luta".
Para Werneck, apesar da melhora, ainda falta muito para que a mulher negra tenha mais reconhecimento. "Até o acesso às políticas púbicas é freado para as mulheres negras. Há quantos séculos, existe a mulher negra? E ainda hoje se sofre até nos hospitais. Pela taxa de morte materna, o atendimento é falho, a assistência é ruim e discriminatória", diz Werneck, finalizando: "A dívida do Brasil é muito grande com as mulheres negras".

Para a socióloga, ativista e mestre em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Elizabeth Viana, 69 anos, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é de suma importância para a sociedade. "Traz luz ao movimento e é uma data de reflexão que você pode trazer para o jornal, para a família, para a escola. É uma das possibilidades de lançar luz, não só de visibilidade, mas de mostrar o potencial da mulher negra latina". 
Ela conta que em 30 anos várias situações foram modificadas a partir da militância. "Lembro do caso de um desembargador que não deixava a mulher surda e muda fazer nada Quando saiu do domínio dele, conseguiu aprender os sinais básicos de libra. Hoje a mulher negra já tem consciência de quando é maltratada no hospital  e em outros lugares".

Solidão negra no Parlamento

Para a socióloga e deputada estadual pelo Rio Grande do Norte, Divaneide Basílio, houve uma grande melhora na questão das mulheres negras. “Avançamos bastante, mas ainda estamos sub-representadas. Sou a primeira mulher negra autodeclarada eleita na Câmara Municipal de Natal e agora a primeira deputada estadual autodeclarada negra. Me sinto feliz em ocupar esse espaço, mas ainda muito reflexiva em ser exceção’’, diz ela que sente um pouco sozinha na política. "É muito desafiador a solidão negra no Parlamento. Por isso, torna-se cada vez mais importante aquilombar os espaços de decisão. Tenho apresentado diversos projetos de lei com esse objetivo, na busca de enfartarmos o racismo em todas as suas dimensões, sobretudo, no que diz respeito as mulheres. Tem sido assim com o projeto que cria o dia Estadual Marielle Franco e o Dia Estadual Tereza de Benguela".
De acordo com Divaneide, foi aprovada a semana da África na escola e tem sido realizada audiência pública para reforçar o julho das pretas no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia. “Nesse mês dedicamos a falar em todas as edições sobre mulheres negras o nosso café com Diva. Abordamos temas sobre participação política, cultura, arte das tranças e saúde mental. As mulheres negras estão em todas as áreas, mas queremos avançar para deixarmos de ser exceção e nos tornamos regra comum nos lugares de destaque”, finaliza.
Direitos renegados
O professor de História Roberto Antunes expressa sua opinião a respeito. "A comemoração da história e das lutas das mulheres negras latino-americanas e caribenhas é uma data perfeita às necessárias reflexões que precisamos ter. Quanto essa data é realmente reconhecida e valorizada na sociedade? Uma sociedade, como a brasileira, onde a mulher negra é força vital de trabalho doméstico, constantemente explorada em sua energia e tendo seus direitos renegados sempre, historicamente". O profissional vai além em seu questionamento: “Quem, nos bancos escolares realmente aprende sobre a história das Dandaras, Luizas e Terezas que lutaram tanto e são tão pouco reconhecidas?".
Para Roberto, o avanço é em doses pequenas. “A reparação histórica está vindo, lenta, mas buscando seu espaço junto às consciências críticas de uma sociedade que sempre se pretendeu branca, masculina e oligárquica. Que as memórias das mulheres negras desse continente sejam reverenciadas por suas lutas e legado. Essa é a grande importância de uma data a ser comemorada, o que ainda, no fundo, é muito pouco", reflete.

Eventos comemorativos

Exposição - Para celebrar a data, o Instituto Pretos Novos, na Gamboa, inaugura, na quinta-feira a exposição "Impressões", da artista plástica periférica Isabelle Mesquita, nascida na Comunidade do Bandeira 2, em Del Castilho. O projeto abrange pinturas, ilustrações, desenhos e instalações e é inspirado na ancestralidade feminina negra e nas mulheres negras da sociedade contemporânea. A exposição - que percorrerá o Brasil começando pela Pequena África e terá o encerramento em Paris - traz referências aos elementos da natureza e suas transformações, refletindo a trajetória e identidade da artista em suas entrelinhas e subjetividade.
Além da mostra, o evento contará com degustação de comida afrobrasileira, roda de conversa e roda de samba, proporcionando uma experiência cultural completa e envolvente para os visitantes. O Instituto Preto Novos fica na Rua Pedro Ernesto, 32, na Gamboa.
Mostra na PGE-RJ - O Centro Cultural PGE-RJ vai inaugurar, em parceria com o Sesc RJ, hoje, a exposição R E V E L A D A S. A mostra reúne retratos e relatos pessoais  de 20 mulheres negras (pretas e pardas) que trabalham na PGE-RJ, em diversos cargos e funções, e tem por objetivo não apenas honrá-las individualmente, mas também reverenciar toda a coletividade e ancestralidade que corporificam. O projeto conta com a curadoria de duas Analistas Processuais da PGE-RJ, Amanda Carolino e Fernanda Sousa, e o apoio do CEJUR, da Comissão de Combate ao Racismo (CECREI) e da Comissão de Promoção da Igualdade de Gênero (CEPIG). O Centro cultural fica na Rua Primeiro de Março, s/nº, Praça XV, Centro,
Roda de conversa – O Instituto Rede Incluir realiza, no dia 25 de julho, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro o Circuito Rio Empregos, na Paróquia Bom Pastor, ao lado do Teatro Arthur Azevedo. Durante o evento, das 8h às 16h, será realizada também uma roda de conversa sobre o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, destacando a importância da inclusão e do empoderamento das mulheres negras. A Bom Pastos fica na Rua Vitor Alves, 404, em Campo Grande.
Letramento Racial

No Brasil, o dia existe há 10 anos, mas muitas pessoas não se dão conta do quanto é importante é a militância para que o racismo, que aumentou em 176 % só no Rio de Janeiro (dados do Anuário de Segurança Pública), diminua. Pensando nisso a Ação Social pela Música do Brasil (ASMB) - projeto que existe há 25 anos e que atende a 4.700 crianças e jovens em situação de vulnerabilidade com educação cultural e social por meio da música clássica – introduziu, no ano passado, em sua grade de ensino, oficinas de letramento racial e temáticas sociais. Cerca de 90% dos estudantes que frequentam o projeto são negros, mas muitos deles não se entendiam como pessoas pretas. Assim, os professores e educadores entenderam aí uma lacuna de ensino no que diz respeito, principalmente, ao letramento racial.

As aulas - que além do letramento racial, incluem palestras e dinâmicas sobre cidadania, assédio, machismo e outros temas - vêm sendo implementadas em todas as turmas desde o ano passado, de acordo com a idade dos estudantes, e os conteúdos vão se diversificando conforme a demanda de conhecimento, trazendo cidadania e conhecimento.
"Nas aulas, realizamos atividades que enaltecem a cultura preta, abordando aspectos históricos, além da representação da pessoa negra. Enfatizamos a importância do combate ao racismo estrutural, prevenção ao preconceito. Os alunos também conhecem os nossos heróis negros. São histórias que as escolas não contam, e quando falam, é de maneira rasa. As crianças, e especialmente as crianças pretas, crescem ouvindo sua história pela metade, e sofrem muito com isso, porque a história delas é sempre contada de maneira degradante", explica a professora Marcele Oliver, ativista e educadora social, responsável pelas oficinas transversais do projeto.
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