Luciana Lobo fundou o Instituto ZENcancer em outubro de 2018Arquivo pessoal
Publicado 29/07/2024 06:00 | Atualizado 29/07/2024 10:53
Ao sair do consultório médico com o diagnóstico de câncer parece que um buraco negro se abre diante dos seus olhos. A primeira indagação é: Por quê comigo? Eu nunca fiz mal a ninguém. Depois vem a sensação da perda de contato com seus entes queridos e amigos e, em alguns casos, a sentença de morte é dada como certa. Será que a chegada daquela doença (como nossos avós chamavam o câncer, pois ninguém ousava, sequer, pronunciar a palavra) precisa ser tão solitária e dolorosa? A resposta é não.
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Na mesma medida, ou até em maior escala que cresce a doença, centenas de Organizações Sem Fins lucrativos (ONGs)  como Instituto ZENcancer, Amigos do Peito Por aí, Laço Rosa, Conviver e muitas outras nascem para a alegria dos pacientes oncológicos que passam a conhecê-las e frequentá-las, sendo acolhidos e fazendo novos amigos. 

A maioria das ONGs é criada por quem viveu o problema e percebe, na doença, a oportunidade de se solidarizar com o próximo, como faz a professora de ioga e de meditação Luciana Lobo, de 48 anos, fundadora-presidente do Instituto ZENcancer. Ela recebeu o diagnóstico de câncer de mama aos 41 anos e usou sua profissão para se restaurar. "Como eu já dava aulas, beneficiei-me dessas práticas para manejar alguns dos efeitos colaterais, como insônia, ansiedade e dores articulares, além de outras Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs)", conta ela, explicando o motivo de ter aberto o ZENcancer.
"Naquela época, recebi um ensinamento que dizia: quando adoecemos, temos uma oportunidade maravilhosa de nos colocarmos no lugar do outro, porque agora sabemos como o outro se sente e o que podemos fazer para ajudar. A partir desse momento, entendi que toda minha experiência poderia me ajudar a ajudar outras pessoas, fosse pela forma como enfrentava cada etapa do tratamento ou compartilhando práticas restaurativas e meditação. O ZENcancer é o meu propósito de vida. É a forma como ressignifiquei meu adoecimento. Hoje, sinto-me extremamente abençoada por ter passado por tudo isso e por ter formado essa rede que não para de crescer".

Ramificação em Portugal

Vale ressaltar que as práticas oferecidas pela instituição como acupuntura, arteterapia, hatha yoga, massagem, meditação, mindfulness, pranic healing, prática restaurativa, reiki, terapia flora, yogaterapia, yoganidra, fisioterapia, nutrição, psicologia, educação física, escrita criativa, ginástica para todos, teatro e atividades culturais são todas gratuitas. E quem dá essas aulas, de forma online ou presencial, são os 150 voluntários no Brasil e 50 em Portugal, para onde a profissional levou o projeto após convite da fisioterapeuta Maria Alice Medina, que conheceu o ZENcancer por meio de um amigo em comum.
"Em 2021, começamos a fazer reuniões para apresentar o trabalho e, quando já tínhamos cerca de 20 pessoas interessadas em serem voluntários, em abril de 2022, fizemos a primeira reunião presencial em Lisboa. Em setembro do mesmo ano, constituímos a Associação ZENcancer Portugal, que já conta com uma rede de mais de 100 pessoas (incluindo voluntários e pacientes oncológicos). Desde então, vou duas vezes por ano para dar formação a novos voluntários em Práticas Restaurativas".
Um mundo mais colorido
Com atividades  presenciais em Botafogo e na Tijuca, os integrantes do ZENcancer viram suas vidas melhorarem após se tornarem pacientes. Professora aposentada, Eliana Santos, 65 anos, foi 'presenteada' no dia de seu aniversário de 63 com diagnóstico de câncer de mama. "Fiquei sem chão, sobrevoei no vácuo, reação normal diante do mundo apocalíptico que se abria diante de mim. Minha reação foi vamos lutar. Vou vencer! Apesar da valentia e coragem que se apossaram de mim, não foi fácil. Tive acolhida familiar e o apoio de amigos, mas algo faltava. Nunca fui de lamúrias".
Com o passar do tempo, o  sofrimento aumentou, mas ela recebeu uma ajuda de grande valia. "A Dra Vivian Pontes me indicou o Instituto ZENcancer. Fui recebida pela voluntária Lu Almada com um abraço e uma atividade lúdica sobre sentimentos. Pela primeira vez depois do laudo, chorei. Pratiquei a ioga restaurativa e foi um abrir de olhos ... Meu mundo voltou a ficar colorido. O Instituto ZENcancer tem uma forma diferenciada de nos acolher. Muitos dizem: minha vida mudou depois do câncer. Eu digo minha vida mudou depois que conheci o ZENcancer", enaltece.
Voluntária do Instituto, a massoterapeuta e instrutora de ioga restaurativa Bárbara Mello, de 48 anos, acredita que a vida é uma troca. “Acho que o voluntariado é o melhor lugar para isso. O instituto funciona com tanto amor que é estimulante trabalhar em prol de um bem maior. Vejo esse momento onde podemos doar nosso tempo e habilidades e receber o tempo e a gratidão no olhar dos participantes.

Cultura e passeios com as Amigas do Peito Por Aí
A vida deve estar sempre em movimento. A atriz, turismóloga e empreendedora social Jô Monteiro, que também teve câncer de mama, criou, com a fisioterapeuta oncológica Juliana de Moraes, o grupo Amigas do Peito Por aí. Essa Ong não tem sede própria, mas as mulheres se encontram para fazer passeios pelo Rio de Janeiro e atualmente têm aula de coral, uma parceria com Universidade Estácio de Sá – unidade do Shopping Madureira. "Eu fazia fisioterapia com a Juliana e eu e meu marido, Silvio Monte, pensávamos como seria possível ajudar pessoas com o mesmo problema que o meu. Tivemos essa ideia e começamos a fazer passeios em 2019 antes da pandemia. Depois demos uma parada, mas já retomamos. Meu marido chegou a escrever o livro Planeta dos Carecas. Fazemos muitos eventos no Clube Municipal, nosso maior apoiador’",conta Jô.
Gerente de bar, eventos e restaurantes do Clube Municipal, na Tijuca, Elizabeth Quaresma, 63 anos, também viu sua vida modificada quando descobriu o câncer de mama em 2018, mas conseguiu, da melhor forma, não deixar o trabalho tanto tempo de lado. Voluntária do Amigos do Peito Por Aí, ela fala sobre a importância de se doar. "As pessoas interagem com outras e isso ajuda a quem não tem muito apoio da família. Acho esse trabalho de voluntariado muito importante ainda mais quando tem a arte. Para mim, a arte é tudo na vida do ser humano. Faz com que a gente se desenvolva",

Fome de viver

A aposentada Valquíria Arantes, de 70 anos, descobriu dois tumores no pulmão e no mediastino em 1º de abril de 2016 ("Por isso não morri. Era Dia da Mentira", brinca.). Sua primeira preocupação foi com os familiares: "Gente vou morrer. Como vou deixar meus filhos e meus netos? Minha mãe com mais de 90 anos, irmãs e ainda tem o esposo né. Eu com quase 50 anos de casada. Enfim, me acalmei,e pensei: meu Deus estou aqui, faça o melhor. O médico Gustavo Giltemam me deu uma acalmada. Aí comecei a procurar algo para fazer. Pensei: vou viver tudo que eu puder". Val, como é chamada, achou nas redes sociais o grupo Conviver, no qual tem encontro mensal com psicóloga Jéssica Riba."Em seguida, minha amiga me levou ao Instituto ZENcancer. Me apaixonei de cara. Na época fazia aula com a própria Luciana Lobo. Ficava torcendo para chegar sexta-feira, dia de nossa aula de ioga restaurativa. Faço muitas coisas boas dentro do ZENcancer. Logo de depois me apresentaram a Amigas do Peito por aí e faço vários passeios. Faço aula de canto na Estácio. Adoro tudo que faço. Hoje eu estou bem. Agradeço a Deus em primeiro lugar. E depois ao meu médico. Gustavo Giltemam".

Anjo de rosa

A área de ações sociais do Instituto Nacional de Câncer – (INCAvoluntário)– completa 21 anos no final de 2024 cumprindo a tarefa de tornar mais suave a jornada de pacientes oncológicos e  familiares. Com o trabalho de voluntários e de parceiros, doações de recursos financeiros e de serviços, o INCAvoluntário promove ações de humanização e de bem-estar diariamente, dentro das quatro unidades hospitalares do INCA no Rio de Janeiro, no Centro, Vila Isabel (duas) e Santo Cristo.
Gerente geral do INCAvoluntário, Fernanda Vieira, de 44 anos, conta que o objetivo é dar um atendimento mais humanizado aos pacientes. ‘’Nossos voluntários recebem os pacientes e os acompanham dentro do hospital porque o INCA é um mundo e até se perdem. Às vezes, a pessoa só quer uma palavra. Os profissionais têm uma carga mais atribulada. Aí que entra o voluntário. Nosso uniforme é rosa e somos chamados de Anjo de Rosa’’, conta a profissional, acrescentando que pacientes e familiares também aprendem inglês, computador e projetos de geração de renda, como artesanato. “Já teve paciente que se alfabetizou aqui’, emociona-se.
Os pacientes também têm sessões de práticas relaxantes; terapia assistida com cães; passeios turísticos e culturais; oficinas de automaquiagem com doação de kits profissionais; banco de perucas móvel; visitas de personagens infantis, de palhaços e de musicistas; palestras motivacionais; aulas de artesanato, de inglês e de alfabetização, entre várias outras atividades para pacientes adultos e pediátricos.
Todo o trabalho do INCAvoluntário só é possível graças à dedicação de mais de 200 voluntários que trabalham em atividades dentro e fora das unidades hospitalares do INCA, com e sem contato cotidiano com pacientes. A ações também dependem exclusivamente de recursos financeiros captados pela equipe do INCAvoluntário e de doadores (pessoas físicas e jurídicas), além da prestação de vários serviços de forma pro bono.

Serviços
Instituto ZENcancer- Rua Voluntários da Pátria, 445, sala 508,Botafogo. Instagram @institutozencancer Quem quiser colaborar: contato@brasil.zencancer.org (21)-99472-6723;

Amigas do Peito Por aí -  Instagram -@amigasdopeitoporaí. Quem puder ajudar:  amigasdopeitoporai@gmail.com  (21) 98380-7969.

O INCAvoluntário recruta voluntários pelo seu site. Para se candidatar, basta acessar incavoluntario.org.br, atender aos pré-requisitos e fazer a inscrição. A sede do programa fica no Centro do Rio, na Rua Washington Luis, 35. Contatos para doações e parcerias também são feitos através do site.
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