Publicado 28/07/2024 07:00
Era véspera da abertura do Chocolat Bahia, na quarta-feira passada, e logo no aeroporto as informações davam conta de que a rede hoteleira de Ilhéus estava lotada. Não era para menos: o evento reuniu 65 mil pessoas entre os dias 18 e 21 no Centro de Convenções da cidade ao Sul da Bahia, gerando mais de R$ 25 milhões em negócios. Com movimentação intensa por conta do festival, Ilhéus recebeu turistas e profissionais de vários cantos do mundo, sem esquecer as suas origens.
PublicidadeAlém das raízes que mantêm vivas as plantações de cacau, há outras das quais a cidade não abre mão. Entre elas, o fato de ser cenário para as obras de Jorge Amado. No Centro Histórico, aliás, funciona a Casa de Cultura que leva o nome do escritor. Está localizada em um sobrado de fachada amarela construído pelo pai do autor, seu João Amado. Na frente, uma estátua de Jorge Amado é ponto obrigatório para fotos, como fizeram os personagens Mariana, de Theresa Fonseca, e José Inocêncio, de Marcos Palmeiras, em cena do remake da novela 'Renascer', exibida atualmente na TV Globo.
Antes ou depois da visita à casa, é só chegar a uma loja de artes nos fundos do imóvel para bater um papo com o artista Franklin Costa, de 56 anos. Entre tantos causos contados em Ilhéus, Franklin prefere transmitir conhecimento de outro modo. "Gosto de passar a história assim", diz ele, apontando para o livro 'Chão de Meninos', de Zélia Gattai, com quem Jorge Amado viveu por mais de 50 anos. Em um dos seus cordéis, Franklin também homenageia o escritor famoso.
Assim, Ilhéus é permeada pelas memórias de um dos principais autores brasileiros. Traduzido em vários idiomas, o romance 'Gabriela, Cravo e Canela', é ambientado na cidade baiana dos anos 1920 que passa por transformações por conta da riqueza do cacau. Fez tanto sucesso que virou novela. Sua primeira versão, em 1975, foi protagonizada por Sônia Braga e o remake, em 2012, por Juliana Paes. As atrizes viveram o papel de Gabriela, por quem Nacib, o dono do bar Vesúvio, se apaixona.
Vesúvio serve quibe famoso
Pertinho da Catedral de São Sebastião, o bar se mantém com uma das tradições que o tornou famoso: o quibe, vendido por R$ 14,99 a unidade e acompanhado de vinagrete de cebola à brunoise (um tipo de corte) levemente picante. No guardanapo estão a imagem de Jorge e uma frase dele: "Temos olhos de ver e olhos de não ver, depende do coração de cada um". No banheiro, o aroma batizado de Gabriela espalha cheirinho de canela pelo ambiente.
Pertinho da Catedral de São Sebastião, o bar se mantém com uma das tradições que o tornou famoso: o quibe, vendido por R$ 14,99 a unidade e acompanhado de vinagrete de cebola à brunoise (um tipo de corte) levemente picante. No guardanapo estão a imagem de Jorge e uma frase dele: "Temos olhos de ver e olhos de não ver, depende do coração de cada um". No banheiro, o aroma batizado de Gabriela espalha cheirinho de canela pelo ambiente.
Na frente do estabelecimento, mais uma estátua de Jorge Amado se transforma no cenário perfeito para as fotos de turistas, com a frase 'Baiano é um estado de espírito'. Saindo do Vesúvio, não é preciso andar muito para chegar ao 'Bataclan', que se mantém como atração turística do local. Ali, o guia turístico faz questão de lembrar que, na segunda versão do folhetim, Maria Machadão, a toda-poderosa do cabaré, foi vivida por Ivete Sangalo.
Em 'Renascer', atual novela das nove da Globo, a cidade apareceu em outros momentos como cenário para os personagens de Theresa Fonseca e Marcos Palmeiras, como no próprio Vesúvio. O folhetim também retrata mazelas como a vassoura-de-bruxa, praga que devastou a produção de cacau na Bahia nos anos 1990. E é assim, nessa mistura de romance, arte e realidade, que Ilhéus esbanja seus encantos. As fazendas produtoras de cacau, é claro, fazem parte do roteiro turístico que mostra o longo processo de produção do chocolate, desde o plantio do fruto até a transformação na iguaria que tem tantos consumidores e movimenta negócios.
Diversão com chefs e 'turismo afetivo'
O vaivém de visitantes se mostrou constante desde a abertura do Chocolat Bahia, em Ilhéus. Foram 206 expositores, com 350 marcas de chocolate. O evento ainda arrecadou 6 toneladas de alimentos, como parte da entrada solidária. Não faltou chocolate, é claro. Nem animação. Na cozinha show, passaram chefs dando aulas para a plateia. Em uma delas, Mariana Corbetta mostrou toda a desenvoltura que a transformou em uma estrela da televisão argentina. Chamou pessoas do público para ajudá-la e também recebeu presentes.
As fazendas da região ficaram movimentadas, como a Irerê, comandada por Dadá Galdino, que disse promover um "turismo de afeto". Seu sócio, Gerson Marques, contou sobre a sustentabilidade promovida pelo cacau: "A história do nosso povo é contada de grão em grão. Virou filme, novela. A Mata Atlântica fala sobre nós. Construímos riquezas, mas mantemos a mata em pé".
Na mesma fazenda, Adriano guiou o grupo de turistas com a mesma simplicidade com que definiu a cabruca, que consiste em uma forma de plantar cacau em meio às árvores nativas da Mata Atlântica, promovendo a conservação do ambiente natural. Adriano, no entanto, resumiu: "O cacau é muito exigente. Quer sombra, luz e bastante atenção. Quer ser a única árvore do seu tamanho".
Rio poder receber o festival de chocolate em 2025
Idealizador do Chocolat Festival, Marco Lessa se define como um apaixonado por gincana, desde a época da escola, em Guanambi, no sertão da Bahia, onde nasceu. Ele conta que o espírito competitivo é marca da sua trajetória, consolidada como publicitário e promotor de eventos. Sua ligação com Ilhéus, ao sul do estado, começou quando o pai, que trabalhava em banco em Salvador, foi transferido para a cidade, em 1988. Ali, cursou faculdade e viu a chegada da vassoura-de-bruxa.
Em 1992, foi convidado para fazer a produção local da primeira versão de 'Renascer'. Sem a facilidade da Internet naquela época, ele conta que usava telefone público e batia na porta da casa dos moradores para convidá-los a fazer figuração na novela. "Vi pessoas em condições muito difíceis. Certa vez, percebi a quantidade de quentinhas enroladas dentro do ônibus. Perguntei por que estavam levando comida para casa. E eles responderam que não tinham o que comer à noite", recorda. "Depois, descobri que havia pessoas que chegavam sem tomar café e aí passamos a dar o café da manhã também".
Marco Lessa comenta com desenvoltura sobre a sua trajetória e o festival, mas luta para segurar as lágrimas ao falar de tantas pessoas que a produção de cacau mobiliza: "Em todo momento da minha vida, eu carreguei muito o que eu via. Era tanto sofrimento, eu pensava: 'Tenho que fazer alguma coisa, que seja mais do que uma festa'. O projeto foi crescendo e vimos muita gente com a vida transformada, não pelo que eu fiz, mas pelo que todos fizeram".
O Chocolat Festival começou depois que Marco essa conheceu Gramado como publicitário, no primeiro contato com o que ele chama de "uma cidade que tinha o chocolate como matriz econômica". "Eu falei: vamos fazer um evento de chocolate, mesmo não tendo chocolate porque não tinha fábrica. Era 2009. Tinha a minha mãe com o bolo, a minha mulher com o brigadeiro, uma amiga minha de Itacaré que trazia o chocolate mais rústico, o Chocolate Caseiro de Ilhéus. Fulano de tal tinha um docinho, fulano de tal tinha um sorvete..."
Com edições movimentadas em várias cidades brasileiras e até fora do Brasil, em Portugal, Marco Lessa acena com a possibilidade de o Chocolat Festival ser realizado no Rio: "Já tivemos algumas boas conversas. Estamos com planos de fazer uma edição no Rio em 2025".
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.