Ana Carolina teve que reaprender a andar, escrever e enxergar após a esclerose múltipla Acervo pessoal
Publicado 15/09/2024 00:00
Cerca de 40 mil pessoas no Brasil são acometidas pela Esclerose Múltipla, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e no dia 30 de agosto, é o dia nacional de conscientização da doença, data que tem o objetivo de informar as pessoas sobre a condição. A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso central, onde os próprios anticorpos do corpo atacam a bainha de mielina, uma camada protetora dos nervos. A destruição da mielina interfere na capacidade dos nervos de transmitir impulsos, resultando em déficits neurológicos focais.
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De acordo com o Ministério da Saúde, a esclerose múltipla atinge, geralmente, pessoas entre 20 e 40 anos de idade, com uma incidência maior entre as mulheres. Entre elas estão personalidades conhecidas como Guta Stresser, Claudia Rodrigues, Ana Beatriz Rodrigues, entre outras mulheres. 
A artesã Lívia Sattler, de 41 anos, foi diagnosticada com Esclerose Múltipla há 8 anos, após uma longa jornada em busca de respostas para os sintomas que estava enfrentando. Tudo começou com uma dormência da cintura até os pés e uma fadiga intensa. "Tive dormência da cintura até os pés e muita fadiga. Fui a vários médicos, incluindo angiologista, ortopedista e nenhum deles descobria o que era. Por fim, alguns meses depois, um dos ortopedistas que fui me encaminhou para o Neurologista", relatou Lívia. Após ser encaminhada ao neurologista, ela realizou o exame do líquor, que apontou uma pequena alteração sugerindo Esclerose Múltipla. Em dezembro de 2015, o diagnóstico foi confirmado através de ressonâncias de encéfalo, coluna dorsal e cervical.
O diagnóstico trouxe muitas incertezas para Lívia, gerando preocupações sobre como seria sua vida dali em diante. "Na hora fiquei muito perdida, preocupada como seria minha vida no futuro. Chorei muito, mas tive muito apoio da minha família", disse ela. A rotina de Lívia mudou após o diagnóstico, especialmente devido às sequelas do primeiro surto, que incluíram formigamento constante nos pés e fraqueza nas pernas. Embora seja formada em Fonoaudiologia, Lívia não consegue mais exercer a profissão por conta das limitações físicas, como a fadiga e a dificuldade de ficar muito tempo de pé ou andar.
Os desafios diários que Lívia enfrenta incluem conviver com as dores, a fadiga e a falta de conhecimento das pessoas sobre a doença. Motivada a conscientizar e educar o público sobre a Esclerose Múltipla, ela decidiu falar abertamente sobre o assunto em igrejas, faculdades e cursos de cuidadores. "O que me motiva a seguir em frente é o Deus que eu sirvo e minha família. Eles estão sempre comigo, me apoiando em tudo", afirmou. Ao longo de sua jornada, Lívia aprendeu a viver um dia de cada vez e a priorizar sua saúde e bem-estar, adaptando sua vida às novas circunstâncias. "Aprendi a dizer não pra algumas coisas. Se não estou bem, não faço. Se não tenho disposição para ir a algum lugar, não vou. Preciso priorizar minha vida e minha saúde", diz.
A influenciadora digital e Nail Designer Aline de Souza, 30 anos, começou a sentir visão dupla, embaçada, perda de força e falta de equilíbrio, os primeiros sintomas da EM, que se intensificaram, e, no início de 2018, ela procurou um médico que inicialmente atribuiu os sintomas à ansiedade. Após alguns exames, Aline foi encaminhada a um neurologista, que também suspeitou de uma crise de ansiedade, mas decidiu investigar mais a fundo. “Fiz ressonância, punção lombar, vários exames de sangue, e aí fui diagnosticada com esclerose múltipla aos 24 anos”, conta ela.
Para ela, o impacto do diagnóstico foi devastador: “Desde o início, quando recebi o diagnóstico, o meu mundo simplesmente caiu. Eu pensava que ia depender para o resto da vida dos meus familiares”, conta Aline.
Um dos maiores desafios que Aline enfrenta não está apenas nos sintomas físicos. Ela destaca que a esclerose múltipla é uma doença invisível, o que pode levar ao preconceito e à falta de compreensão: “se for olhar pra mim, eu não tenho a cara de uma pessoa que tem uma doença crônica”. Ela enfatiza a importância de conscientizar as pessoas de que a esclerose múltipla “não tem cara”, e que muitas pessoas convivem com essa doença sem aparentar qualquer sinal visível.
Ana Carolina Rocha Guimarães, também diagnosticada com esclerose múltipla em 2021, teve que superar um medo paralisante e um forte processo de negação, agravado pelos sintomas debilitantes que já incluíam a perda de mobilidade e visão: "No início tive muito medo, entrei em um processo de negação muito forte e foi bem difícil nos primeiros meses, até porque naquele momento eu já não andava mais e nem enxergava direito", contou.
Ela relata que os primeiros sinais foram formigamento no braço direito que evoluíram para uma perda total de força e mobilidade do lado direito do corpo, além da visão dupla (diplopia). "Tive que reaprender a andar, escrever e enxergar após a esclerose múltipla," lembra Ana Carolina.
Com o tempo, e através de uma rigorosa reabilitação, Ana Carolina conseguiu recuperar parcialmente suas habilidades motoras, mas continua a enfrentar desafios como a fadiga crônica, sequelas visuais e motoras. "Hoje posso dizer que tenho uma vida com qualidade," afirma ela, explicando como a adaptação em seu trabalho e a inclusão de atividades físicas e tratamentos contínuos foram fundamentais para melhorar sua qualidade de vida.
Apesar das dificuldades, Ana Carolina encontrou forças para transformar sua dor em propósito, tornando-se uma influenciadora digital e ativista social, usando sua voz para aumentar a visibilidade da esclerose múltipla nas redes sociais: "Eu costumo dizer que falar me salvou. Depois que comecei a falar de esclerose múltipla nas redes sociais, me senti mais leve."
"Viver com esclerose múltipla requer uma adaptação constante. Embora a condição possa ter dias difíceis e imprevisíveis, também é possível encontrar formas de controlar os sintomas e manter uma vida significativa, com qualidade", ressalta.
Segundo a neurologista Carolina Alvarez, "a esclerose múltipla é uma condição em que o corpo reage contra uma partícula própria, neste caso, a bainha de mielina, levando à sua destruição e consequente dificuldade na condução dos impulsos nervosos."
Os sintomas iniciais da EM variam de paciente para paciente, mas os mais comuns incluem dormência, formigamento, diminuição de força muscular, alterações de equilíbrio e marcha, e problemas visuais, como turvação ou até perda completa da visão. Esses sintomas dependem das áreas do sistema nervoso central que são afetadas pelo ataque imunológico. Alvarez explica que "cada paciente pode ter uma região ou outra mais afetada, o que faz com que os sintomas sejam variáveis."
Diagnóstico precoce ainda é um desafio
O diagnóstico da esclerose múltipla é desafiador porque é necessário primeiro descartar outras doenças que possam causar sintomas semelhantes, como infecções, doenças reumatológicas e afecções vasculares. "O maior desafio no diagnóstico precoce da esclerose múltipla é o paciente chegar ao neurologista especializado. Muitas vezes, ele procura outros especialistas devido a sintomas específicos, como diminuição de força ou alterações visuais, o que acaba atrasando o diagnóstico correto", explica a neurologista Carolina Alvarez.
Condições como lúpus, vasculite e sarcoidose, que também afetam o sistema nervoso central, podem ser confundidas com a esclerose múltipla. Portanto, é necessário realizar diagnósticos diferenciais para excluir essas condições. "A esclerose múltipla é um diagnóstico de exclusão", reitera Alvarez. "Você precisa excluir todas as outras causas para chegar a esse diagnóstico."
Vários fatores de risco para a esclerose múltipla são conhecidos, incluindo tabagismo, infecção pelo vírus Epstein-Barr e baixa exposição ao sol. Alvarez observa que "a exposição solar é um fator de risco bem determinado, com maior incidência de esclerose múltipla em países nórdicos, onde há menor incidência de sol, em comparação com países tropicais."
Em termos de tratamento, existem várias opções disponíveis, incluindo imunomoduladores e imunossupressores, que ajudam a modular a imunidade do paciente e a prevenir o ataque à bainha de mielina. O tratamento é personalizado de acordo com as características do paciente e segue protocolos específicos, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto nos planos de saúde privados. "A escolha do tratamento é feita baseada nas características do paciente, como a forma de administração mais conveniente para ele", conclui Alvarez.
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