Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, celebra 80 anos da sua inauguraçãoPedro Teixeira/Agência O Dia
Publicado 07/09/2024 06:00 | Atualizado 07/09/2024 10:29
Rio - Se o Centro do Rio é considerado o coração da cidade, a Avenida Presidente Vargas é a principal artéria. Inaugurada em 7 de setembro de 1944 durante o regime do Estado Novo, do então presidente Getúlio Vargas (1882-1954), a via foi construída para ser um dos maiores símbolos da capital fluminense.
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Local importante no dia a dia da maioria dos cariocas, a história da avenida se confunde com a do município. Um dos espaços mais democráticos do Rio, seus quatro quilômetros de extensão, com 80 metros de largura, foi palco de diversas manifestações populares ao longo de seus 80 anos de existência, que são celebrados neste sábado (7).
Pensada e projetada no final dos anos 1930, as obras da avenida que liga o Largo da Candelária à Praça da Bandeira, na Zona Norte, foram concluídas em pouco mais de três anos e se tornou um símbolo do desenvolvimento do país à época.
O historiador Rafael Mattoso, de 44 anos, explica que já havia algumas ideias de ampliar as vias do Centro da cidade. Porém, o projeto de Vargas foi muito mais ambicioso.
"Vargas tinha como interesse chocar, mostrar que ele conseguia construir uma avenida que era extremamente cara em tempo recorde. A imponência da avenida representa o poder que Vargas queria mostrar, não à toa leva o nome dele. Na época, as pessoas que viam a dimensão e a largura daquela via não conseguiam conceber como aquilo ia ser entupido e ter tantos carros passando ali. Hoje em dia a gente não consegue conceber como a via é pequena para tanto engarrafamento, mas na época era uma coisa absurda", disse Mattoso ao DIA.
O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ) Sydnei Menezes, de 70 anos, reconhece a importância estratégica da avenida para a mobilidade dos cariocas e define a obra como a maior intervenção urbanística do Rio.
"Naquela época, era importante se criar essas vias para o desenvolvimento da cidade. E foi uma obra que representou um grande desafio para engenharia e o urbanismo brasileiro. Sem dúvida nenhuma, na sua época, foi uma das maiores obras de engenharia do Brasil e certamente a maior do Rio", reforçou.
Maior 'bota-abaixo' da cidade
Dentro do projeto de desenvolvimento que englobava a construção da Avenida Presidente Vargas, foi construído, também, o Palácio Duque de Caxias, em 1941, o novo edifício da Central do Brasil, em 1943, e o prédio Prefeito Frontin, conhecido pelo apelido 'Balança Mas Não Cai', em 1948.
Embora representasse uma modernização da Região Central da então capital federal, mais de 500 prédios precisaram ser demolidos para a construção da avenida. Entre eles, estão algumas regiões históricas como a Praça Onze e o Campo de Santana, que foram parcialmente destruídos.
Para o urbanista Sydnei Menezes, essas intervenções significaram o maior "bota-abaixo" da história urbana da cidade. Segundo ele, o projeto de modernização do Centro da cidade não se completou e isso deixou consequências até os dias atuais.
"Evidentemente que não me refiro as vias de rolamento, mas sim ao seu entorno, sua ocupação. Até hoje, ao longo dos quatro quilômetros, existem vários trechos que a tão sonhada e desejada urbanização não aconteceu. Ao longo da via nós vemos vários vazios. A modernização dessa região previa a construção de prédios emblemáticos, que representassem os centros do mercado financeiro, as sedes das grandes empresas e indústrias... isso aos poucos foi definhando e não aconteceu", explica.
De acordo com o presidente do CAU-RJ, para que a modernização da Presidente Vargas seja completa, é necessário humanizar a via. Para isso, é preciso pensar em projetos de requalificação do espaço urbano, como a construção de moradias, pequenos comércios e equipamentos socioculturais, além de um trabalho de paisagismo, arborização e melhores condições de mobilidade.
Espaço democrático
Muito mais do que um ponto estratégico de mobilidade urbana, a Avenida Presidente Vargas é um espaço que representa a democracia. A via recebe milhões de pessoas de diversos lugares da cidade e de outros municípios por dia. Esse é o caso da jornalista Karen Barboza, de 26 anos, que trabalha no Centro do Rio e mora em Niterói, na Região Metropolitana. Ela conta que a Avenida facilita bastante a sua locomoção até o trabalho.
"Facilita porque tem vários ônibus a caminho de Niterói que passam por ali e é próximo da Ponte Rio-Niterói. Eu pego o ônibus 570D e, quando não tem trânsito, chego em cinco minutos na subida da ponte", diz. A jovem observa ainda que a movimentação na via é intensa, principalmente por causa da estação Central do Brasil. Karen pontua também que há muitos moradores em situação de rua na região.
O Analista de Projetos de Inovação, Eduardo Medeiros, de 43 anos, também destaca como um dos pontos principais da via a facilidade no acesso ao transporte público. "A Avenida Presidente Vargas é o trajeto mais prático, no meu caso, por utilizar transporte público. Ela facilita bastante o deslocamento diário, pois conecta várias áreas importantes da cidade e oferece diversas opções de transporte público, como ônibus e metrô, além de ser uma via arterial para quem utiliza carro", observa Eduardo.
A via também foi palco de importantes manifestações populares. No dia 13 de março de 1964 o presidente da República João Goulart (1919-1976), o Jango, reuniu mais de 200 mil pessoas em frente à Central do Brasil para seu comício em apoio as reformas de base que ele planejava implementar em seu governo. Esse movimento foi um dos estopins para o golpe militar, que acabou acontecendo no primeiro dia de abril de 1964.
"Após o golpe, foi nessa mesma avenida que diversas manifestações contra a ditadura militar aconteceram. As mais marcantes foram a 'marcha dos 100 mil', em 1968, e o movimento das 'diretas já', que teve um episódio muito simbólico e significativo na Presidente Vargas, em 1984, quando mais de 400 mil pessoas percorreram esse território para se manifestar", reforçou Rafael Mattoso.
Mesmo após o regime autoritário, a avenida se manteve como um importante espaço de manifestação política. Em junho de 2013, milhares de pessoas se reuniram na Presidente Vargas na chamada 'Revolta dos 20 centavos', onde manifestantes criticavam o aumento na passagem de ônibus.
Recentemente, diversas manifestações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro tomaram conta da Avenida. Em maio de 2019, mais de 200 mil manifestantes foram à Presidente Vargas para protestarem contra Bolsonaro, em repúdio a reforma da previdência e os cortes na verba para a educação. Anos depois, em 2021, outro protesto foi realizado pedindo a saída do então presidente da república.
No início de 2022, após perder as eleições presidenciais, foi a vez dos apoiadores de Jair Bolsonaro lotarem a Avenida Presidente Vargas por não aceitarem o resultado das urnas. Alguns, inclusive, defenderam abertamente um golpe, por meio de intervenção militar.
Avenida do samba
De acordo com o historiador Rafael Mattoso, a história da Avenida Presidente Vargas está muito associada a história do samba, sendo um espaço importante para a popularização e descriminalização deste gênero. Isso porque muitos nomes que ajudaram a introduzir o samba na cidade moraram na região. Dali nasceram alguns patrimônios culturais e imateriais, como o jongo e o choro.
"O samba é uma manifestação cultural com origens africanas e essa influência vem para o Brasil sob uma grande contingência de escravos. Muitos africanos viviam nessa região conhecida como 'Pequena África' e acabavam tendo contato com outras culturas, como a cigana. A entrada do samba como festa popular acontece ainda antes da inauguração da Presidente Vargas. E ela se manteve ali. O Carnaval se popularizou muito na década de 1950 e 1960, e se apropriou da avenida onde até hoje vemos os carros alegóricos transitando pela cidade em época de Carnaval", disse.
O primeiro torneio de escolas de samba aconteceu em 1932, na Praça Onze - que futuramente seria demolida para a construção da Avenida Presidente Vargas. Organizado pelo jornal "Mundo Sportivo", dirigido pelo jornalista Mário Filho (1908-1966), 19 escolas se apresentaram no torneio, que teve a Mangueira como campeã.
Os desfiles aconteceram na Praça Onze até 1942, quando ela passou pelas intervenções da construção da nova avenida. Uma década depois, em 1952, os eventos passaram a acontecer na Presidente Vargas. Na ocasião, pela primeira vez uma arquibancada e um palanque para as autoridades foram montados para o público acompanhar as apresentações.
Atualmente, os desfiles acontecem na Marquês da Sapucaí, que fica localizada à beira da Avenida Presidente Vargas. Inaugurado no Carnaval de 1984, o Sambódromo completou 40 anos em 2024 e vai receber mais uma edição dos desfiles em 2025.
Getúlio Vargas
Nascido em 19 de abril de 1882, na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, Getúlio Dornelles Vargas iniciou sua trajetória política em 1904, quando ele ingressou na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Durante a sua graduação, ele fez parte do Bloco Acadêmico Castilhista, o que lhe aproximou do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).
Em 1908 Vargas foi eleito deputado estadual, se reelegendo em 1913. Nove anos depois, em 1922, elegeu-se a deputado federal e em 1928 alcançou o posto de governador do Rio Grande do Sul. No início da década de 1930 Getúlio Vargas concorreu a presidência do Brasil pela chapa 'Aliança Liberal', mas acabou sendo derrotado por Júlio Prestes (1882-1946). Insatisfeita, a chapa iniciou uma revolta, conhecida como a 'Revolução de 1930', que o colocou no poder, dando início a 'Era Vargas'.
Getúlio Vargas foi o presidente que mais tempo ficou em exercício na história do Brasil. Ao longo de 15 anos, Getúlio dividiu seu mandato em três fases: o Governo Provisório (1930-1934), o Governo Constitucional (1934-1937) e o Estado Novo (1937-1945). Este último se caracterizou por um governo autoritário, onde Vargas ocupou o cargo por oito anos sem que houvesse eleições.
Conhecido como 'Pai dos Pobres', por sua política populista e voltada aos direitos dos trabalhadores, Getúlio Vargas foi o responsável pela criação do Ministério do Trabalho, em 1930, e pela terceira constituição do Brasil, escrita em 1934, que deu o direito das mulheres votarem.
Ele também foi o responsável pela criação do salário-mínimo, em 1940, e pela consolidação das leis trabalhistas, em 1943. Sob seu governo, diversas indústrias nacionais foram criadas, entre elas a Vale do Rio Doce, em 1942, e a Petrobras, em 1953.
Vargas termina seu mandato em 1945 e mesmo sem poder se reeleger a presidente, ele se candidata senador e se torna um dos mais votados da história do Brasil. Em 1951 ele se candidata novamente a presidente da república e acaba sendo eleito com quase 49% dos votos.
Esse foi um dos momentos de maior tensão política, especialmente devido a pressão dos Estados Unidos contra a política nacionalista de seu governo. Sob uma grande crise política, Getúlio Vargas se suicida com um tiro no peito, em pleno Palácio do Catete, na Zona Sul, em 24 de agosto de 1954.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Flávio Almeida. Colaborou Thalita Queiroz
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