Publicado 22/09/2024 00:00
Com a popularização dos aplicativos de encontros, milhões de pessoas passaram a buscar relacionamentos casuais de maneira prática e rápida, ao alcance de um clique. No entanto, a promessa de conexões fáceis e imediatas nem sempre se cumpre. Encontros que não evoluem, mensagens ignoradas e pessoas que desaparecem sem explicação são alguns dos comportamentos que transformaram a experiência virtual em um verdadeiro desafio emocional.
PublicidadeDiante desse cenário, alguns solteiros têm buscado alternativas para encontrar um par. Em Madri, na Espanha, uma nova moda viralizou: ao invés de deslizar para a esquerda ou direita nas telas dos celulares, o local escolhido para flertar é o supermercado. A tendência, que começou como uma brincadeira, se espalhou nas redes sociais e ganhou adeptos. O "horário nobre" para tentar a sorte é entre 19h e 20h, e a sinalização é clara: carregar uma chave na mão e colocar um abacaxi de ponta cabeça no carrinho de compras são os sinais de quem está aberto a novas possibilidades.
Enquanto alguns optam por novas formas de paquera, outros ainda preferem o encontro presencial como maneira de construir relacionamentos mais profundos. Ana Beatriz Bernardo, de 26 anos, e Antonio Brenna, de 24 anos, compartilham essa visão. O casal, que se conheceu no carnaval de 2023, durante um evento na Marina da Glória, na Zona Sul do Rio, acredita que o contato pessoal promove conexões mais autênticas e significativas do que aquelas mediadas por aplicativos de relacionamento.
Ana Beatriz relembra com carinho o início do relacionamento: "Nos conhecemos por um amigo em comum e estávamos dançando juntos desde o começo da noite no evento, e eu jurei que ele não queria nada comigo, mas no fim deu tudo certo. Acho que o que tornou tudo especial foi, além de ter sentido um friozinho na barriga, o fato de tudo ao redor ter silenciado. Pode parecer clichê, mas foi assim mesmo, pelo menos pra mim!", relembra. Para ela, a experiência de conhecer alguém pessoalmente é insubstituível.
"Tudo pela internet é mais frio. Acredito que muitas pessoas tenham encontrado o amor nos apps de relacionamento e acho incrível, mas, pra mim, nunca funcionaria. Sempre fui a favor do olho no olho; sinto que você se conecta de verdade com a pessoa. Usei uma vez pra nunca mais (risos). O cara que conheci namorava e estava arrumando um jeito de trair a menina. Descobri antes e não levei pra frente. Fiquei traumatizada e excluí na hora", conta a jovem.
Antonio, por sua vez, compartilha a percepção sobre a diferença entre conhecer alguém virtualmente e pessoalmente: "Particularmente, eu nunca tive um relacionamento a partir de um encontro virtual ou de aplicativos de namoro. Mas acredito que conhecer alguém pessoalmente é completamente diferente. Por mensagem, não temos o tom de como a pessoa está falando, e tudo é muito frio. Já pessoalmente, podemos ouvir a voz da pessoa, reparar no olhar, alguns trejeitos e sinais de que ela está gostando ou não do assunto, do passeio ou seja lá o que vocês estiverem fazendo. Isso faz com que você conheça muito mais a pessoa e tenha uma ligação e relação muito mais profunda e conectada", acrescenta.
Maria Eduarda Moraes Peres, de 19 anos, e Vitor Hugo Duarte, de 20 anos, têm uma história que começou em 2019, quando se conheceram pela primeira vez através de amigos. No entanto, em 2023, o casal se reencontrou e, dessa vez, começaram um relacionamento. "O que mais nos atraiu foi o carisma e o bom humor", afirmam.
Para Maria Eduarda e Vitor, conhecer alguém ao vivo oferece uma experiência mais autêntica e sem filtros: "Achamos que um encontro ao vivo não nos permite 'editar' ou 'apagar' uma mensagem, somos nós mesmos, então acho que isso pode ajudar muito na questão se vai ter seguimento ou não", afirma Maria Eduarda.
"No mundo virtual, o desafio é ser quem você é; tudo é muito superficial e rápido, sem fingir um personagem", complementa Vitor Hugo.
Desejo de experiências mais autênticas
A psicóloga Marcelle Alfinito destaca que o contato presencial promove um tipo de socialização que envolve "vulnerabilidade e espontaneidade", aspectos que muitas vezes não são totalmente replicados nas interações digitais. "O digital faz as pessoas ficarem mais presas à questão da imagem e voltadas mais para suas questões internas do que no manejo das habilidades sociais", explica Marcelle.
Para a psicóloga, ao se conhecer alguém em um ambiente físico, como um supermercado ou um parque, há uma ativação mais intensa da cognição e da percepção, devido ao envolvimento de todos os sentidos—visão, audição, tato—que juntos contribuem para a criação de uma experiência mais humana e tangível. Essas interações permitem a comunicação não verbal, como expressões faciais e gestos, que são essenciais para a formação de laços emocionais e para o desenvolvimento de empatia e confiança, elementos cruciais nas interações humanas.
A crescente busca por ambientes físicos como cenários de paquera, em detrimento dos aplicativos de namoro, aponta para um desejo de experiências mais autênticas e conectadas ao cotidiano. No mundo digital, o contato é mediado por telas e algoritmos, o que pode reduzir a percepção de autenticidade. "O anonimato e a distância nos aplicativos podem reduzir a autenticidade percebida nas interações, o que torna o presencial mais valioso para algumas pessoas", acrescenta a psicóloga.
No entanto, Marcelle reforça que o uso da tecnologia pode ser positivo quando visto como um complemento ao presencial, permitindo que o digital sirva como ponto de partida, mas que o foco seja deslocado rapidamente para encontros presenciais.
Essa tendência de valorização das interações presenciais pode ser uma resposta ao "esgotamento digital", um fenômeno caracterizado pela sensação de sobrecarga e frustração causada pelo excesso de opções e pela superficialidade das conexões em aplicativos de namoro. "A superficialidade de muitos encontros e a falta de reciprocidade emocional, somadas ao tempo gasto em conversas que não resultam em conexões reais, podem levar ao cansaço", ressalta Marcelle. O “ghosting” (o desaparecimento sem explicação) e a comparação constante com outros perfis também são desafios emocionais comuns enfrentados nas plataformas digitais, afetando a autoestima dos usuários.
Portanto, a redescoberta de formas tradicionais de paquera e a busca por contatos mais autênticos refletem um desejo de conexões significativas e menos mediadas pela tecnologia. O segredo, segundo Marcelle, está em "usar a tecnologia como um complemento, não como o único meio de interação", sugere a especialista.
Dating Burnout: a sensação de cansaço ao usar aplicativos de relacionamento
Luiz Eduardo Moraes, 27 anos, vive a dinâmica de alternar entre instalar e desinstalar os aplicativos de relacionamento após alguns dias. Atualmente, ele tem o aplicativo em seu celular e, ocasionalmente, usa o aplicativo. "Já tive bons momentos, de ter o famoso 'match' ao ponto de criar um vínculo, encontrar com a pessoa mais de uma vez e ter bons passeios, principalmente quando havia semelhanças de gostos. Mas chega um certo momento que fica chato 'passar pro lado' para ter o 'match', acaba entrando na rotina", desabafa.
Para ele, conhecer à moda antiga tem as vantagens de vivenciar o momento e "não ficar numa situação monótona e fria como pode acontecer nos aplicativos", pontua.Sobre esse fenômeno, o psicanalista Artur Costa esclarece que "dating burnout é uma sensação de exaustão emocional e física causada pela repetição constante de encontros amorosos sem resultados satisfatórios. Ele se manifesta como desânimo, frustração e até mesmo aversão à ideia de continuar procurando por um parceiro." Segundo ele, isso pode levar a uma percepção de que os encontros se tornam superficiais ou mecânicos, com a pessoa sentindo que o esforço não vale mais a pena.
"Isso pode vir acompanhado de ansiedade, perda de interesse em conhecer novas pessoas e, em casos mais graves, isolamento social, apesar do termo ser razoavelmente novo, após o advento dos sites e aplicativos de relacionamento, o dating burnout se tornou um caso comum a serem tratados por diversos terapeutas," afirma Costa.
Costa ainda explica que as causas do esgotamento são variadas, incluindo a pressão e as expectativas em torno de encontrar um parceiro, o uso excessivo de aplicativos de namoro, a superficialidade nas interações e a falta de conexões genuínas. “Além disso, a cultura atual de “encontros rápidos”, onde muitos encontros acontecem em um curto período, pode levar à exaustão e ao esgotamento emocional. A comparação com os relacionamentos dos outros e o medo de ficar sozinho também contribuem para essa sensação de desgaste”, acrescenta.
Para lidar com isso, Artur Costa recomenda uma pausa, focando no autocuidado e na redefinição de expectativas. "Outra dica é redefinir as expectativas em relação ao processo de encontros, buscando prazer nas interações em si, sem pressa para resultados imediatos" sugere o psicanalista. Ele também incentiva a explorar formas mais naturais de conhecer pessoas, como eventos sociais ou grupos de interesse comum, em vez de focar apenas nos aplicativos de namoro.
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