Rio teve mais de 200 ações de alienação parental desde 2017Divulgação
Publicado 23/09/2024 00:00
"Ela quer roubar você de mim", "Seu pai abandonou vocês", "Sua mãe não se importa com você", "Seu pai não dá dinheiro para manter vocês" essas são algumas das frases comumente ditas a crianças em meio a processos de divórcio e disputa de guarda, que exemplificam a prática da alienação parental. No último dia 17, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou um ato normativo que estabelece um protocolo para que crianças e adolescentes sejam ouvidos de forma especializada em ações de família envolvendo alienação parental. No Brasil, uma legislação sobre o tema existe desde 2010, buscando proteger os menores dos impactos emocionais dessa prática durante as separações.

A alienação parental envolve um tipo de manipulação psicológica em que um dos pais, ou outro familiar, tenta distorcer ou enfraquecer a relação da criança com o outro genitor. Segundo a advogada especialista em Direito das Famílias, Bárbara Heliodora, "alienação parental é um processo profundamente prejudicial, onde o genitor alienador tenta, por meio de falsas denúncias, críticas constantes e manipulações, afastar o outro genitor da vida da criança. Isso pode ter consequências devastadoras para o desenvolvimento emocional e psicológico da criança".
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Para o pai, G.T, que se divorciou há cerca de dois anos, viver uma situação de alienação parental foi doloroso: "Foi uma experiência muito ruim, angustiante e triste. Tanto para mim, mas principalmente para o meu filho, porque eu sempre tive contato com ele desde que nasceu. Nunca passei tanto tempo sem estar com ele. A mãe dele começou a afastá-lo por raiva, ódio, não sei quais são as justificativas dela, ela fazia isso e eu ficava sem saber o que fazer”, disse.
Inicialmente, G.T. relutou em entrar na justiça. Mas, quando a situação se agravou, percebeu que precisava de uma medida judicial. “Muitas vezes, eu e a mãe do meu filho combinávamos algo, como eu ficar com ele de segunda a quarta, e ela simplesmente desmarcava na última hora. Isso começou a se tornar constante, então entrei na justiça. Só que a justiça demora. Foram seis ou sete meses até termos uma audiência e uma decisão”, acrescentou o homem.
“Para mim, era tudo novo, uma novidade. Eu fiquei abalado, sem chão. Com o tempo, percebi que meu filho começou a mudar o comportamento. Meu filho se tornou mais medroso, mais retraído quando eu perguntava o que ele estava fazendo ou como ele estava. Ficava nítido que ele estava com receio, com medo, como se estivesse sendo protegido por outra pessoa. Ele até começou a mentir, algo que antes não fazia, repetindo coisas que claramente não vinham dele, como se fosse um papagaio. Era muito evidente que aquilo vinha da outra parte”, contou.
“Comecei a estudar sobre alienação parental e vi que muitos pais desistem porque é mais fácil. A justiça não é igual para os dois lados, e é mais simples pagar a pensão, ver o filho uma vez por mês e seguir com outra família. Mas essa responsabilidade é nossa. Meu filho é meu filho, e eu coloquei ele no mundo, então nunca vou desistir, por mais difícil que seja. Aprendi a focar mais na qualidade do tempo que passamos juntos do que na quantidade. Agora, eu me concentro em brincar com ele, conversar, contar histórias, muito mais do que fazia antes", ressaltou o pai da criança.
A jovem B.B. tinha 3 anos de idade quando os pais se separaram, ela não entendia mas era vítima de alienação parental. Ela conta: "Meu pai arrumou um jeito de conseguir minha guarda sem minha mãe saber, e foi então que começou todo o problema. Quando minha mãe teve a guarda de volta, eu acabei me magoando bastante com meu pai, pelas coisas que ele falava da minha mãe, me afastei bastante dele, por sentir que tudo o que ele falaria seria mentira. Fiquei mais receosa e desconfiada", relata.

Apesar dos desafios, ela conseguiu se recuperar emocionalmente com o auxílio da terapia. "Passei a entender que a culpa não era minha e que eu não precisava forçar uma situação onde eu não me sentia confortável", conclui.

De acordo com a especialista, “os sinais mais comuns incluem a recusa injustificada da criança em conviver com o outro genitor, distorções sobre o caráter desse genitor e uma dependência excessiva do pai ou mãe alienador”, explica Heliodora.

Medidas judiciais e legislação
A advogada especialista em Direito das Famílias, Bárbara Heliodora, enfatiza a gravidade das consequências da alienação parental, alertando que no Brasil, a Lei de Alienação Parental através da lei 12.318/2010, prevê sanções que vão desde advertências até a perda da guarda da criança. "Em casos extremos, o alienador pode ser responsabilizado judicialmente, inclusive com a aplicação de multas", ressalta Heliodora.
Ela também reforça o papel crucial do advogado de família na proteção dos direitos da criança, explicando que, ao identificar indícios de alienação parental, é fundamental orientar os pais sobre as implicações legais e tomar medidas protetivas. "O foco deve ser garantir que o interesse superior da criança prevaleça, promovendo a convivência saudável entre pais e filhos", afirma.
Heliodora salienta que, em alguns casos, a intervenção judicial é necessária, mas alerta sobre a importância de evitar o litígio, que pode agravar a situação da criança. Além disso, a advogada aponta que a intervenção judicial pode incluir a aplicação de penalidades ao alienador, a alteração da guarda e até mesmo a suspensão da convivência, além de medidas como sessões de mediação familiar e acompanhamento psicológico.
Letícia Peres destaca as controvérsias em torno da Lei de Alienação Parental, afirmando que "muitos julgadores são favoráveis, outros não são favoráveis à lei", uma vez que ela coloca decisões familiares nas mãos de pessoas que não convivem diretamente com essa família. Ela reforça que "um processo judicial não é suficiente para trazer todas as situações" que uma família vive, pois o tempo de contato entre o Judiciário e a família é limitado, dificultando uma avaliação objetiva.
Um dos pontos mais importantes, segundo a advogada, foi a aprovação do protocolo de escuta especializado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa ouvir crianças em processos de alienação parental sem a presença dos pais, evitando o constrangimento. "Esse protocolo se baseia em estudos científicos atualizados" e permite que as crianças façam seu relato de maneira mais independente, sendo estimuladas a falar sobre suas experiências através de perguntas abertas e neutras.
Peres também expõe a dificuldade enfrentada por genitores acusados de alienação parental, ressaltando que "quem está acusando tem sempre a razão" e que há uma predisposição do Judiciário em favorecer o acusador. Isso, segundo ela, prejudica o convívio da criança com o suposto alienador e, muitas vezes, a intenção de quem acusa é "tirar o convívio da criança com esse pai, com essa mãe", o que pode resultar em graves consequências.
Peres explica que a gravidade da alienação é um fator determinante para as sanções aplicadas. Segundo a advogada, “quando estamos falando de um baixo nível de gravidade na alienação parental, comumente se aplica advertência ao alienador. Quando falamos de uma alienação parental de um nível alto, a sanção mais grave é a perda da guarda do genitor alienador, com a transferência da guarda para o genitor alienado”, afirma. A advogada enfatiza que essa decisão está ligada à observação dos impactos da alienação na criança, pois “não é fácil classificar como baixa ou alta gravidade”, sendo necessário analisar os efeitos no comportamento e na saúde da criança.
Além disso, a especialista sugere que, em processos litigiosos e para evitar que uma disputa de guarda se transforme em um caso de alienação parental, a advogada destaca que o melhor para cada genitor é que eles tenham acompanhamento, deste processo litigioso, de um profissional da saúde mental. Para que ele possa conviver bem com as dificuldades daquela situação que vai se arrastar por um período representativo. E aí, se os pais entenderem que é importante cuidar dessa convivência saudável com a criança, eu acho que não existe melhor solução do que a de um acompanhamento de um profissional da saúde.é essencial o acompanhamento de um profissional da saúde mental para os pais, como um psiquiatra ou psicólogo, para que possam lidar com o impacto emocional dessa situação. Ela ressalta que “não existe melhor solução do que a de um acompanhamento de um profissional da saúde” para promover uma convivência saudável entre os pais e a criança.
Desafios emocionais e psicológicos para a criança
Entre os impactos psicológicos mais comuns em crianças que vivenciam a alienação parental estão a confusão de sentimentos, a insegurança, a baixa autoestima, a ansiedade, a depressão, a dificuldade de estabelecer vínculos saudáveis e a lealdade dividida entre os pais. Segundo a psicóloga Claudia Melo, "a alienação parental pode trazer muito sofrimento e afetar negativamente a relação da criança com o genitor alienado a longo prazo, dificultando a construção de um relacionamento forte e duradouro, a confiança mútua, a comunicação e a convivência familiar equilibrada", afirma a psicóloga.
As consequências emocionais e comportamentais para as vítimas de alienação parental podem incluir dificuldades nos relacionamentos interpessoais, problemas de autoconfiança, sentimentos de perda e abandono, dificuldades na construção da identidade e do autoconceito, além de possíveis impactos na saúde mental. Claudia Melo observa que “para prevenir a alienação parental, os pais devem priorizar o bem-estar e os interesses da criança, promovendo uma comunicação saudável, respeitosa e transparente entre eles; evitando distorções na imagem do outro genitor e incentivando o convívio saudável da criança com ambos os pais, além de buscar apoio psicológico e jurídico quando necessário", aconselha.
Ela também ressalta que "a alienação parental pode ocorrer de forma sutil e não intencional em algumas situações, como quando um dos pais exerce influência negativa sobre a criança sem perceber os impactos emocionais e psicológicos desse comportamento", afirma Mello. Para identificar casos de alienação parental sutil, é importante observar mudanças no comportamento da criança, como resistência ou recusa em manter contato com um dos pais, relatos contraditórios sobre o genitor alienado, e a presença de conflitos familiares recorrentes.
Claudia Melo enfatiza que "a conscientização, a prevenção e a intervenção adequada são fundamentais para combater a alienação parental e proteger o bem-estar emocional e psicológico das crianças envolvidas nesse contexto. O apoio profissional, a comunicação eficaz entre os pais e o foco no interesse e na saúde da criança são elementos-chave para promover relações familiares saudáveis e respeitosas, independentemente das circunstâncias de separação ou divórcio", pontua.
No tratamento dos efeitos da alienação parental, a mediação familiar e a terapia desempenham um papel essencial. De acordo com o psicólogo Matheus Karounis, "a mediação familiar possibilita que os pais encontrem formas construtivas de se comunicar e resolver conflitos, sempre com o foco no bem-estar da criança." Ele também enfatiza que a terapia familiar e individual auxilia no resgate de vínculos afetivos e no desenvolvimento de estratégias para reconstruir relacionamentos saudáveis.
Karounis ressalta a importância da intervenção não só no progenitor alienador, mas também na criança, que pode estar "em conflito com suas próprias emoções, muitas vezes com medo de desafiar o genitor alienador", pontua. O encaminhamento imediato para psicoterapia individual, tanto para o genitor alienado quanto para a criança, é crucial para minimizar os danos emocionais.
Além disso, o psicólogo sugere que "os pais devem realizar orientação parental ou, em uma melhor estratégia, terapia familiar para definir seus papéis frente aos filhos." Ele alerta que qualquer ruptura nesse processo, sem a devida segurança jurídica, pode prejudicar gravemente a criança.
Entre as estratégias para que o genitor alienado reconstrua o vínculo com a criança, Karounis destaca a importância da paciência, da persistência e da disponibilidade emocional. "Ouvir de forma aberta e sem julgamentos sobre o outro genitor é essencial", comenta ele, recomendando também que o genitor alienado promova um ambiente seguro, proporcionando à criança fatos que contestem as crenças impostas pelo alienador.
Os desafios emocionais para a criança, segundo Karounis, incluem "sentimentos de culpa, lealdade conflitante e confusão emocional", e se esses problemas não forem tratados, podem resultar em transtornos psicológicos de difícil tratamento, como ansiedade e depressão. Ele reforça que "a alienação parental pode ser revertida, mas requer um trabalho terapêutico intenso e persistente", com os danos emocionais sendo muitas vezes profundos e duradouros.
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