Lennon mora na casa de Rômulo, mas sua ’mãe’ o pega todos os finais de semanaArquivo pessoal
Publicado 29/09/2024 00:00
O amor de mãe sempre é imenso, inclusive por quem tem filhos de quatro patas. Donos e donas de animais de estimação não renunciam a seus pets de forma nenhuma, a ponto de manter contato com seus ex-companheiros (as) para ficar bem perto do seu bichinho. A bancária Adriely Consoli, de 38 anos, faz tudo para estar com Lennon, da raça Shih-tzu com lhasa Apso, de sete anos. Ela namorava Rômulo Moura Borges, de 37, que trabalha com logística numa empresa de internet, responsável por algumas cidades e toda a região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. O namoro terminou, mas Lennon será até que a morte os separe.
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"Em 2017 eu e o Rômulo pegamos o Lennon bebezinho e em 2023 nos separamos. Não éramos casados, mas eu ficava na casa dele e quando terminamos foi tudo muito tranquilo. O Lennon sempre morou na casa do Rômulo. Por uma questão emocional, entramos em comum acordo e entendemos que era melhor continuar morando lá onde tinha suas coisas, sua casinha. Todo fim de semana eu pego. Dividimos todas as despesas. O Lennon viaja com a gente. Sempre falamos que entre o nosso namoro, o mais importante é o Lennon. Nosso acordo é verbal e dá tudo certo".
Atualmente, Adriely namora o jornalista Matheus Mattuvo, de 33 anos, que também se apaixonou pelo animal. "O Matheus também passou a gostar. Entendeu o significado desse amor. Eu falo que é um amor absurdo, eu trabalho em prol da vida dele. Não quero ter filhos. O Lennon é apaixonado pelo Matheus". O jornalista, pouco habituado ao mundo dos cães, afirma que foi amor à primeira vista. “Quando eu chego em casa, ele já faz barulho para o paidrasto", brinca.
Prioridade na vida do ex-casal
A convivência não poderia ser melhor. "O Lennon é a prioridade em nossa vida. Tudo em prol do bem-estar dele. Creio que Adriely deva ter dito o mesmo. Resolvemos manter a rotina dele, tentando afetar o mínimo possível. Ele é muito apegado em nós, independente da relação interpessoal, as coisas dele não deveriam mudar. Ele sempre foi bem mimado. Tenho uma casa na praia e sempre viajou conosco, desde pequeno. Nunca deixamos o Lennon em hotelzinho", diz Romulo, ex-namorado de Adriely, acrescentando que Lennon também tinha uma madrasta. "Hoje não, mas a pessoa era louca com ele vice-versa. Saíamos juntos, ou mesmo ir para a casa dela não era problema. Problema tinha caso eu não levasse o Lennon, que  é muito tranquilo. Não fica latindo à tôa".
Já a corretora de imóveis Claudia Sobreiro também não tem problemas quando se refere a Jack, de 11 anos, um maltês, a alegria de sua filha Maria Luíza desde que ela tinha apenas 7. Hoje, a menina tem 18 e o amor só aumentou. "Quando eu e meumarido nos separamos ficou acordado que eu e minha filha cuidaríamos do Jack e o Alberto custearia as despesas. E é assim até hoje. Sempre que ela ia para a casa do pai ou viajava levava o cachorro e quando nós viajamos o meu ex- marido fica com o Jack ou na impossibilidade colocamos num hotelzinho para cães. Jack é muito amado por todos".
A adestradora Fernanda Fernandes, de 42 anos, proprietária do Pet Shop Creche e Hospedagem Dog Shower, na Tijuca, afirma que a separação é prejudicial para o cachorro. "Ele está acostumado com uma rotina de casal e vem com uma ansiedade de separação, porque está sempre com os dois. Vou te dar um exemplo péssimo para o cachorro: Casal que briga, briga, grita. Nossa, o pet fica apavorado. O grito, ele sente muito, e pode gerar estresse. Está acostumado a ver sempre os dois. A vida do pet é curta, então uma separação se torna muito relevante. Por isso que é importante ter o acordo da guarda para que o pet se acostume com a casa dos dois. Mas, no início da separação o pet sofre".
Veterinárias falam sobre o comportamento
Para a veterinária Débora Martins, cada pet reage de uma forma."O resultado vai variar de animal para animal, de como é a ligação com os tutores. O cão, de uma maneira geral, tem um comportamento de matilha. Então, quando alguém está faltando nessa matilha, ele tende a ficar estressado, porque não consegue compreender o que aconteceu’’, explica Débora. Ela vai além: "Existem animais que já têm um temperamento mais ansioso e exacerba quando percebe que uma das pessoas da matilha foi desligada. Isso pode provocar traumas emocionais e inseguranças. No cachorro, eu não vou dizer que é igual a uma criança, porque são espécies diferentes e os vínculos afetivos se formam de maneira distinta, mas realmente é um fator estressante. Tenho casos de animais que ficaram super bem e de outros que simplesmente não funcionou".
Da mesma opinião compartilha a veterinária Vivian Quito. "Os animais são seres com sentimentos, isso já foi comprovado cientificamente. Então, a separação pode afetar muito a sua saúde mental e seu comportamento. Tanto os cães quanto os gatos gostam de uma rotina e de previsibilidade para se sentirem seguros. Eles precisam saber e ter segurança que vão receber comida, passear, brincar com o tutor. Tudo que sai dessa rotina gera um estresse e uma ansiedade. Eles se sentem perdidos e não sabem o que vai acontecer. Numa separação essa rotina muda bruscamente. O ambiente também muda".
A profissional afirma que os animais passam até por um processo de luto no caso de um desenlace dos donos."Nós humanos sabemos que a outra pessoa não vai voltar, eles não. Então, em uma separação eles acabam vivendo um certo luto pois não entendem o que está acontecendo e sentem saudades da outra pessoa. Ficam esperando a outra pessoa. Com a separação eles passam a se sentir inseguros. Tristes, ansiosos e até depressivos", diz Vivian, acrescentando que o comportamento também muda. "Eles podem passar a ter comportamento compulsivo, hiperatividade, morder ou lamber as patas em excesso. Podem começar a destruir móveis ou objetos e fazer xixi e cocô fora do lugar. Aumento ou perda de apetite. Alguns podem ficar agressivos ou teimosos. Podem passar a vocalizar em excesso, latir, uivar, choramingar. E alguns podem querer se isolar. Ficando mais apáticos e depressivos".
Para a veterinária, nem sempre a guarda compartilhada é a melhor saída. "Pode gerar um estresse ainda maior. Porque o animal terá duas casas. É isso é muito confuso para eles. Principalmente no começo. O ideal, na minha opinião, é ficar com o tutor que ele é mais apegado e na casa onde já vive. E aí esse tutor precisa manter a rotina do animal. Ele precisa saber que apesar das mudanças tudo continua previsível. E aí aos poucos pode começar a passear na outra casa. E ir aumentando aos poucos esse convívio . E o tutor da casa nova precisa criar uma rotina por lá também para que o bicho possa se acostumar com a nova rotina''.
De acordo com Vivian, é necessário falar dessa mudança aos poucos. "Essa estratégia de acostumando aos poucos vai ser muito bom para o cão e para o gato também. Mas o gato é outra espécie, tem outro tipo de comportamento. Para ele vai ser um pouco mais demorado, um pouco mais difícil, um pouco mais estressante ainda. Com gato seria ideal começar a trocar, primeiro só cheiros, trazer objeto da casa nova, colocar na casa antiga para ele cheirar, para ele ir sentindo, para ele ir percebendo, e aí quando for levar ele na outra casa, para levar coisas dele para lá junto, para ele que lá tem o cheiro dele, então assim, é uma situação mais complexa a questão do gato’’.
Como ficam os animais em caso de separação dos tutores
Em entrevista ao jornal O DIA, a advogada Sylvia Drummond, especialista em Direito de Família, explica um pouco mais sobre a guarda compartilhada de pets.
O DIA: Em caso de separação, como se pode definir com quem fica o animal de estimação?
Sylvia Drumond: Nos casos de separação de um casal, e a necessidade de definir com quem o animalzinho de estimação deverá ficar, isso é estabelecido levando em conta o bem-estar do pet, do animal, ou seja, aquele com quem ele tem mais afinidade. Se há uma afinidade com os dois, com ambos os genitores ou com ambos os conviventes, vai ter que ser estabelecida regras de como será a convivência dos donos com esse animalzinho.
O DIA: Com os filhos menores, nós sabemos que a visita e guarda são determinadas pela justiça, mas no de Pet ainda não. Como os ‘’pais’’ devem resolver a situação?
Sylvia Drumond: O Código Civil Brasileiro não regula especificamente essa questão dos animais. Aliás, o animal é tratado como um bem imóvel, ele é tratado como coisa. Mas em várias decisões judiciais, a Justiça tem aplicado as regras estabelecidas quanto à guarda, quanto à convivência e, como dito anteriormente, levando em conta o bem-estar do animal e regras essas como são aplicadas no caso dos filhos.

O DIA: Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 542/2018 que dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais de estimação nos casos de dissolução do casamento ou da união estável. A senhora acha que demora a passar esse projeto? E por qual motivo?
Sylvia Drumond: Hoje existe uma necessidade realmente que essa questão dos pets, animais, seja regulamentada. Boa parte das famílias possui um animal de estimação, mas não tem como nós estabelecermos uma previsão de aprovação desse projeto.
O DIA: Por que nem todos os animais podem ter a guarda compartilhada?
Sylvia Drumond: Então, guarda é responsabilidade. Então, ambos os conviventes, cônjuges, eles são responsáveis por aquele animal que foi adquirido na constância do casamento, da união-estado. Aliás, isso é um ponto extremamente importante, essa responsabilidade quando nós temos um animalzinho de estimação. Mas existem animais que se você tirar do ambiente onde ele vive pode ser extremamente complicado. Isso se aplica um pouco em relação aos gatos. Então requer uma regulamentação específica, porque às vezes esse deslocamento de um lar de um para o outro pode acabar representando um fator de estresse do próprio animal.


O DIA: E como fica o dia a dia, a ida ao veterinário, os custos com comida, com banho em Petshops?
Sylvia Drumond: No que diz respeito às idas ao veterinário, custo com animal, isso precisa também ser fixado entre o casal ou num acordo, ou se não pela via judicial. Sempre levando em conta quanto que esse animalzinho está custando e quais as possibilidades de cada um dos donos do animal, isso tem que ser sempre estabelecido de uma forma proporcional. Então, se um ganha mais, arca mais, se outro menos, menos, observado ali essas necessidades que o animalzinho possui.
O DIA: Alguns casais  têm a guarda compartilhada de um cão, mas o acordo deles é verbal e dá certo. Em alguns casos, porém, o impasse não é tão amigável. A senhora conhece ou já atendeu algum casal que tenha entrado na justiça por querer ficar com o bicho de estimação após a separação?
Sylvia Drumond: Nós tínhamos, sim, no escritório, dois casos que a questão não foi possível resolver de forma amigável e acabou havendo a necessidade realmente de judicialização. Ou seja, da regulamentação da guarda, da convivência, despesas, o animalzinho tinha sido estabelecido por decisão judicial.

Veja o passo a passo da guarda compartilhada de pets, de acordo com o escritório A Campanelli Simões Advogados Associados

1. Mediação e diálogo: o primeiro passo é tentar um acordo amigável, onde os tutores de pets estabelecem as diretrizes de convivência. Isso inclui o bem-estar e cuidados veterinários

2. Formalização judicial: Após o acordo, o advogado entra com o pedido de homologação junto ao juiz. O objetivo é oficializar o acordo para que ele tenha força legal. O juiz analisa se as responsabilidades em relação aos pets estão bem definidas.
3. Acompanhamento e revisão: após a homologação, o advogado continua acompanhando o cumprimento do acordo e, se necessário, pode solicitar ajustes ao longo do tempo, conforme as circunstâncias da vida dos envolvidos mudem.
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