Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco e Luyara Franco, filha de Marielle Franco, deram uma declaração à imprensa durante um dos intervalos do julgamento, nesta quarta-feira (30).Renan Areias/Agência O Dia
Publicado 31/10/2024 00:03 | Atualizado 31/10/2024 00:09
Rio - O primeiro dia do júri popular de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de matar a vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, encerrou às 23h55 desta quarta-feira (30), com duração de 13h50min. O julgamento será retomado às 8h desta quinta-feira (31).

No primeiro dia foram ouvidas oito testemunhas, sendo seis de acusação e duas de defesa. A perita criminal Carolina Linhares havia sido arrolada no processo, mas não compareceu. Com isso, foi apresentado um vídeo do depoimento dela durante a fase de instrução.

Após as oitivas das testemunhas, os réus foram chamados para prestar depoimento. Ronnie Lessa falou por cerca de 2h, assim como Élcio.

O ex-PM Lessa afirmou que objetivo não era atingir Anderson. Enquanto o réu falava, Luyara Franco, filha de Marielle, deixou a sala onde acontece a audiência. Já Ágatha Arnaus, viúva de Anderson, chorou quando Lessa mencionou a morte do marido.

"Infelizmente aconteceu a questão do Anderson. Não era a finalidade, mas eu sabia que corria o risco de acertar outra pessoa. Dei uma rajada", afirmou, com indiferença, explicando que soube da morte após ele e Élcio de Queiroz irem a um bar, onde ouviram que duas pessoas haviam sido assassinadas no Centro do Rio.

O ex-militar ainda contou que Marielle deveria ter sido executada antes, mencionando que, em uma ocasião, ela chegou a visitar duas vezes um bar na Praça da Bandeira, próximo ao local de trabalho de Edmílson Oliveira da Silva, o "Macalé". No entanto, a ausência dele no local teria adiado o plano.

Já Élcio declarou que tentou impedir a execução de Marielle Franco, temendo que os disparos atingissem também a assessora da vereadora, Fernanda Chaves. Perguntado sobre o que teria feito para tentar impedir o caso, disse que torceu por “algo anormal”.

“Eu fui seguindo, esperando que algo anormal acontecesse. Automaticamente, na minha cabeça, eu já sabia que tinha outras pessoas envolvidas. Consequentemente, eu seria o alvo”, afirmou.

De acordo com a investigação, o planejamento do crime era matar todos que estavam no carro em busca de dificultar a apuração do caso. Fernanda só não teria morrido porque o corpo de Marielle a protegeu dos tiros.

Entre as testemunhas de acusação, foram ouvidas: Marinete Silva, mãe de Marielle; Luyara Franco, filha da vereadora; Monica Benício, viúva da vítima; Agatha Arnaus, viúva de Anderson, e Fernanda Chaves, assessora de Marielle.

Famílias de Anderson e Marielle emocionadas

Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, foi a segunda testemunha a ser ouvida no julgamento dos assassinos confessos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, nesta quarta-feira (30). A oitiva, que contou com a presença dos réus, começou com Marinete contando sobre o nascimento da filha, relembrando a criação difícil, marcada pela falta de uma rede de apoio e pelas dificuldades de viver na periferia. Ela detalhou como a vereadora foi criada em um ambiente de muitas privações, mas sempre com amor. Além disso, Marinete revelou que era contra a candidatura da filha.

No depoimento, Marinete relembrou a infância de Marielle, destacando o quanto a filha sempre se preocupou em ajudar a família. Ela contou que a vereadora começou a trabalhar aos 11 anos de idade para contribuir financeiramente em casa. "A parte mais dolorosa é conviver com a falta de uma filha. É um vazio. É minha filha primogênita, que lutei muito para criar. Tiraram um pedaço de mim. Cada vez mais dói muito. A gente não imaginava nunca passar o que a gente passou com minha filha. É um pedaço do meu coração que foi arrancado em 14 de março de 2018", disse.

Agatha Arnaus Reis, viúva de Anderson Gomes, foi a quarta testemunha ouvida no julgamento de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, nesta quarta-feira (30). Na oitiva, ela relembrou que o filho do casal tinha apenas 1 ano e oito meses quando o motorista foi assassinado no atentado contra a vereadora Marielle Franco. O menino possui onfalocele e faz uma série de acompanhamentos médicos, que chegaram a ficar interrompidos por um período após o crime, desde que nasceu.

No depoimento, Agatha disse que ela e Anderson sempre compartilharam as despesas familiares e os cuidados com o filho. Ela relatou que o menino passou por diversos procedimentos cirúrgicos, mas o mais assustador aconteceu quando teve que cuidar da criança sozinha pela primeira vez, já que Anderson havia morrido. "Achei que fosse enlouquecer, achei que nada tinha mais sentido, que o Arthur era a última coisa que restou do Anderson", desabafou.

Depoimentos de policiais e delegados

O policial civil Luismar Corteletti Leite, que trabalhava no núcleo de inteligência da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital no período em que o Marielle foi executada, foi uma das testemunhas de acusação, assim como a perita criminal, Carolina Rodrigues Linhares. Os dois trouxeram novamente elementos sobre a preparação do crime por parte dos dois réus.

Segundo Carolina, o trajeto dos disparos comprovava que o armamento utilizado por Lessa para executar Marielle Franco e Anderson Gomes vinha customizado com um kit rajada. A assessora de Marielle foi uma das pessoas que participaram da reprodução simulada do crime.

Após a perita, foi a vez do delegado da Polícia Federal Paula Machado Catramby, que foi convocado para depor pela defesa de Lessa. Ele entrou no caso a partir de fevereiro de 2023 e comentou sobre a dificuldade nas investigações.

"A pluralidade de autos, procedimentos foi uma dificuldade inicial, mas conseguimos fazer de maneira eficaz a organização desse procedimento. A dificuldade inicial foi nos situarmos na imensidão de procedimentos. Verificamos que lacunas imprescindíveis não haviam sido respondidas", disse.

Ainda segundo o delegado, o ex-PM teria conseguido a submetralhadora usada na execução com milicianos de Rio das Pedras. A pedido de Domingos Brazão, o armamento, inclusive, deveria ser devolvido para o grupo paramilitar, o que acabou sendo ignorado inicialmente por Lessa, segundo as investigações.

"A natureza desses crimes e o armamento empregado por eles impossibilitam que eles tenham controle de quem será alvejado. Esse poderio bélico usualmente empregado nas execuções acabam com todos que estão em volta executados", avaliou.

Relembre o caso

Ronnie e Élcio foram presos em 12 de março de 2019, cerca de um ano após a execução da vereadora e do seu motorista. Na prisão, Ronnie já teria confessado ser o autor dos disparos que atingiram o carro da parlamentar. Enquanto Élcio era o responsável por dirigir Chevrolet Cobalt prata, usado na emboscada.

Desde que o caso aconteceu, as investigações sobre a morte de Marielle passaram por várias instâncias da segurança pública no Rio, com trocas de delegados responsáveis pela Delegacias de Homicídios (DH). Os últimos episódios desses mais de seis anos sem resposta foi a prisão dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados por Lessa como mandantes do assassinato da vereadora, em 24 de marços deste ano.

O crime teria sido encomendado pelos irmãos, réus desde junho em processo que também apura a morte da vereadora e do motorista. Segundo investigação da Procuradoria Geral da República (PGR), a morte de Marielle seria uma maneira de frear os embates da parlamentar contra os loteamentos clandestinos de terras na Zona Oeste. A vereadora teria sido contra uma série de projetos de leio que favoreciam ao clã Brazão.

Os dois possuíam interesse econômico direto na aprovação das normas legais que facilitassem a regularização, uso e ocupação do solo na Zona Oeste, que inclui áreas dominadas pela milícia.
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A vereadora Marielle Franco foi assassinada na noite de 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, Região Central do Rio. A parlamentar, que estava acompanhada do motorista Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora Fernanda Chaves, de 43, voltavam de um evento de mulheres negras na Rua dos Inválidos, na Lapa.

O carro onde a vereadora estava passava pela Rua Joaquim Palhares, próximo a Praça da Bandeira, quando um carro, modelo Chevrolet Cobalt, na cor prata, emparelhou com o veículo. Em seguida, foram feitos nove disparos. Quatro deles atingiram Marielle, sendo três na cabeça e um no pescoço. Anderson foi atingido por três disparos nas costas, ambos morreram dentro do carro. A assessora ficou ferida por estilhaços.
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